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Capital

“Boate ao lado de hospital”, compara morador sobre prédio perto de reserva

Expansão imobiliária pode sufocar o “coração verde” da Capital, alertam Amigos do Parque e especialistas

Anahi Zurutuza e Aletheya Alves | 09/09/2021 21:02
Parque dos Poderes, fechado para o trânsito nos fins de semana, virou praia do campo-grandense. (Foto: Marcos Maluf/Arquivo)
Parque dos Poderes, fechado para o trânsito nos fins de semana, virou praia do campo-grandense. (Foto: Marcos Maluf/Arquivo)

“É que nem construir uma boate ao lado de um hospital”, compara o advogado Gustavo Beltrão, sobre o risco iminente da expansão imobiliária sufocar o “coração verde” de Campo Grande, com a construção de prédios.

Morador de condomínio no Parque dos Poderes, Beltrão é um dos 238 integrantes da associação Amigos do Parque, criada com o objetivo de defender o Parque Estadual do Prosa – que abriga as sedes do Executivo, Legislativo e Judiciário, o Cras (Centro de Reabilitação de Animais Silvestres), o Parque das Nações Indígenas e reserva ecológica.

“Inicialmente, tínhamos a impressão que ali fosse proibido construir pela lei municipal que define o zoneamento urbano, mas fomos estudar e vimos que não há restrição. A gente se assustou muito. Na nossa visão, é um absurdo que se construam prédios na região. Hoje, a legislação não restringe. Soubemos que há uma previsão de uma zona de amortecimento, que nunca foi regulamentada”, afirma o advogado.

Condomínio em construção na Avenida do Poeta, a principal via dentro do Parque Estadual do Prosa. (Foto: Paulo Francis)
Condomínio em construção na Avenida do Poeta, a principal via dentro do Parque Estadual do Prosa. (Foto: Paulo Francis)

Campanha - Gustavo Beltrão, ao lado de Leonardo Campos, líder do movimento, e demais associados planejam levar para as ruas, ações de conscientização sobre a importância de criar estratégias para a proteção do perímetro que circunda o Parque Estadual do Prosa. A ideia é angariar apoio não só de quem vive na região, mas também dos cidadãos que gostam de passear e praticar esportes na reserva aos fins de semana.

“Virou a praia do campo-grandense, mas muita gente nem parou para pensar, as pessoas não se atentaram que falta lei e se ninguém fizer nada para preservar, vamos perder. Nosso clamor é para que haja uma providência por parte das autoridades”, argumenta Beltrão.

Parque dos Poderes visto do alto, o "coração verde" da Capital. (Foto: Campo Grande News /Arquivo)
Parque dos Poderes visto do alto, o "coração verde" da Capital. (Foto: Campo Grande News /Arquivo)

Palavra de especialista – A preocupação dos moradores ganha o coro nas palavras de especialistas. Em audiência pública para discutir a preservação do Parque do Prosa, em 2019, Simone Mamede, educadora ambiental e ambientalista, já alertava que a unidade de conservação era um dos últimos fragmentos do Cerrado na área urbana e que abrigava ao menos 230 espécies de aves.

"No complexo, existem aves raras, ameaçadas e migratórias que se reproduzem aqui. Há vegetação nativa, de qualidade. É preciso não desmatar. Essa é a medida preventiva mais urgente a ser tomada", pontuou.

O biólogo André Siqueira, presidente da ONG Ecoa e ex-integrante do Conselho Municipal do Meio Ambiente de Campo Grande, explica que “ordenar o uso do entorno, evita algumas situações que impactam negativamente a unidade de conservação” e que legislação impondo regras para a ocupação “é sempre muito positiva”, além de trazer “segurança jurídica”.

A falta de proteção para o Parque do Prosa também já foi tema de alerta do arquiteto e urbanista Ângelo Arruda. “Prédios e condomínios foram sendo construídos, um deles, no limite das propriedades – próximo ao prédio do Ministério Público de Mato Grosso do Sul”, lembrou, em artigo publicado em outubro do ano passado. “A situação precisa ser contida. A urbanização precisa respeitar o entorno”, completou, à época.

Zona de amortecimento - Para proteger o Parque Estadual do Prosa dos prejuízos da urbanização desregrada, o Governo de Mato Grosso do Sul trabalha na elaboração de decreto que cria zona de amortecimento da unidade de conservação. Estudo foi elaborado por técnicos do Imasul (Instituto do Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul) a pedido do governador Reinaldo Azambuja (PSDB), que ouviu alertas e demonstrou preocupação com a exploração imobiliária do entorno do parque, apurou o Campo Grande News.

As restrições e regras, se aprovadas e passarem a vigorar, valerão para bairros como Cidade Jardim, Chácara Cachoeira e Jardim Veraneio.

Zona de amortecimento nada mais é que área no entorno de uma unidade de conservação, que serve para “filtrar” os impactos negativos de atividades que ocorrem fora dela, como poluição, inclusive, a sonora, e o avanço da ocupação urbana.

Parque Estadual do Prosa no meio e setores 1, 2 e 3, onde a ocupação terá de seguir regras para não gerar impacto negativo à unidade de conservação. (Arte: Henrique Lucas)
Parque Estadual do Prosa no meio e setores 1, 2 e 3, onde a ocupação terá de seguir regras para não gerar impacto negativo à unidade de conservação. (Arte: Henrique Lucas)

Perigos – De acordo com o esboço do decreto, todas as obras, empreendimentos e atividades, sendo de utilidade pública ou não, planejadas para o entorno do Parque do Prosa deverão implementar medidas para minimizar prejuízos para os animais, além de preservar a vegetação e nascentes.

Dentre as medidas estudadas, está a proibição da construção de prédios (edificações com mais de 12 metros de altura), em área de 232 hectares e perímetro de 10 km no entorno do parque.

Ficariam vedadas, por exemplo, fachadas que usem revestimentos espelhados ou refletivos, para evitar que aves se acidentem. Imóveis não poderão ter cercas elétricas ou concertina, para impedir a eletrocussão ou que animais fiquem feridos.

Novas construções na Avenida do Poeta, a ligação entre a Afonso Pena e a Mato Grosso por dentro do Parque dos Poderes, deverão obedecer a recuo mínimo de 80 metros do asfalto e também não poderão ter mais que 12 metros de altura. Ficaria proibida a construção de andares no subsolo.

Todas as construções na zona de amortecimento precisam dar preferência às espécies de plantas nativas no paisagismo, pavimentos permeáveis e implantar soluções para a reutilização da água da chuva. Os sistemas de iluminação artificial devem estar adequados para diminuir a atração e desorientação de animais silvestres.

Gustavo Beltrão lembra que prédios fariam sombra dentro da reserva, o que pode prejudicar a vegetação e também o lazer de quem vai ao parque nas manhãs de sol. “Ambientalmente falando, é uma afronta à reserva”.

Anúncios de novos empreendimentos na região do Parque do Prosa. (Foto: Paulo Francis)
Anúncios de novos empreendimentos na região do Parque do Prosa. (Foto: Paulo Francis)

Interesse imobiliário – No entorno do Parque dos Poderes, já existem ao menos uma dezena de condomínios, a maior parte de imóveis térreos, mas que abrigam centenas de famílias. “Como ainda não há [prédios], nossa preocupação é que a região não passe a ser explorada deste jeito. Daqui a pouco, a expansão imobiliária vai avançar, vai subir a Avenida do Poeta. É preciso estabelecer o uso racional, ter limite. As vias não comportam grande fluxo de carros”, faz mais uma observação o advogado “amigo do parque”.

O Campo Grande News tentou saber do Imasul e da Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano), se existe estudo sobre a densidade demográfica na região, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.

A reportagem pediu ainda dados que ajudem dimensionar a pressão do mercado imobiliário, como a quantidade de pedidos de autorização para construir estão na análise dos órgãos competentes, e também ficamos sem resposta. Mas, prova de que há muito interesse em construir no entorno do parque, foram as ligações recebidas pelo Campo Grande News ao longo desta quinta-feira (9), após publicação de matéria contendo trechos do rascunho do decreto que está sendo montado pelo Governo do Estado para regrar a ocupação. Muita gente queria saber mais detalhes sobre o esboço.

Silêncio - Tentamos contato durante toda a tarde de ontem, com o secretário estadual de Meio Ambiente, Jaime Verruck, mas ele não atendeu às ligações e não respondeu via assessoria de imprensa.

A equipe também esteve no Imasul para conversa com técnico sobre o assunto, mas foi informada que apenas o secretário daria entrevista, o que não aconteceu.

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