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Capital

Boné espião, hacker e câmeras: tecnologia vai do crime à investigação

Recursos tecnológicos marcam as 1.250 páginas da operação contra milícia e grupo de extermínio

Aline dos Santos e Marta Ferreira | 01/10/2019 13:19
Dis bonés espião foram apreendidos com arsenal de arma guerra em 19 de maio. (Foto: Reprodução)
Dis bonés espião foram apreendidos com arsenal de arma guerra em 19 de maio. (Foto: Reprodução)

Boné espião, monitoramento em tempo real, hacker, imagens de circuito interno, interceptação telefônica, arquivos em nuvem. Os recursos tecnológicos marcam as 1.251 páginas do procedimento de investigação criminal que fez a última sexta-feira (dia 27) amanhecer com a operação Omertà, responsável por apurar crime de milícia e grupo de extermínio.

Apontados pela investigação como líderes, foram preso os empresários Jamil Name e Jamil Name Filho. Numa situação contraditória no histórico de crimes de mando, os citados como pistoleiros, sempre localizados com maior facilidade, estão foragidos.

A pedido do Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubo a Banco, Assalto e Sequestros), que lidera investigava execuções em Campo Grande, o Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado) abriu um PIC (Procedimento Criminal Investigatório) em 3 de maio para investigar organização criminosa, porte ilegal de arma de fogo e crimes correlatos.

As interceptações telefônicas dos alvos começaram em 13 de maio. Cinco dias depois, o então guarda municipal Marcelo Rios recebeu ligação do também guarda municipal Rafael Antunes Vieira. O teor do diálogo é que Rios deveria “descer pra cá agora, que o Jamil não gostou, não gostou de nada”. Rios responde que está em Bonito. No fim da tarde, é Marcelo Rios que liga para Rafael e quer saber o motivo da desconfiança do guri (que segundo a investigação é Jamil Name Filho).

O interlocutor diz não saber o motivo, mas que o guri quer as armas. No dia seguinte, um domingo, 19 de maio, Marcelo Rios foi flagrado na rua Rodolfo José Pinho, no bairro Jardim São Bento em Campo Grande, com um carregador de pistola. A rua é a mesma do condomínio onde mora o empresário Jamil Name.

Na sequência, foi apreendido arsenal de guerra na rua José Luís Pereira, no Jardim Monte Líbano. Documento anexado ao procedimento mostra que o imóvel foi comprado em 2017 por Name.

Arsenal apreendido em 19 de maio, seis dias depois de Marcelo Rios ter as ligações monitoradas. (Foto: Clayton Neves)
Arsenal apreendido em 19 de maio, seis dias depois de Marcelo Rios ter as ligações monitoradas. (Foto: Clayton Neves)

Além da armas, que logo chamaram a atenção por incluir fuzil, modelo similar ao usado em execuções na cidade, foram encontrados dois bonés espiões. Por fora, apenas a marca poderia atrair interesse: BMW. Por dentro, dispositivo oculto de gravação de vídeo. Cada boné tinha cartão de memória. Segundo a investigação, o recurso era uma ação de inteligência, no sentido policial da palavra. Na análise forense, foram encontrados 23 arquivos no boné azul.

No boné de cor preta, foram separados 133 arquivos de imagens e três vídeos. Uma menção ao processo do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), segundo o Gaeco, indica que o vídeo foi produzido entre dezembro de 2015 e agosto de 2016. Uma das imagens tem um homem de perfil. A investigação traz comparativo de fotografias e identifica a pessoa como Jamil Name.

Ainda de acordo com o documento, “os integrantes da milícia fizeram buscas em meios digitais (fontes abertas), além de contratarem hacker para obter em tempo real a localização do alvo”. No caso, conforme depoimento do hacker, o contato foi feito por Juanil Miranda Lima (apontado como pistoleiro e foragido) e o alvo era o policial militar Paulo Roberto Teixeira Xavier. O filho dele, o estudante Matheus Coutinho Xavier, 20 anos, foi executado em 9 de abril deste ano. O pai logo disse que o crime foi por engano e que ele era o alvo.

A tecnologia também revela que o ex-guarda municipal José Moreira Freires (inserido no núcleo de pistoleiros) esteve no local do crime, no Jardim Bela Vista, dias antes do assassinato.

A localização dele foi dada pela tornozeleira eletrônica, dispositivo de monitoramento que utilizou ao recorrer em liberdade da condenação por envolvimento no assassinato do delegado Paulo Magalhães. Os dados foram fornecidos pela Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário).

Ormetà foi deflagrada na última sexta-feira (dia 27). (Foto: Henrique Kawaminami)
Ormetà foi deflagrada na última sexta-feira (dia 27). (Foto: Henrique Kawaminami)

Juanil Miranda Lima ainda tinha 26 fotografias da execução de Ilson Martins Figueiredo, chefe de segurança na Assembleia Legislativa, armazenado no email, em nuvem (Google Drive). As fotografias mostram a vítima ensanguentada, dentro do carro, além de imagens externas do veículo. Ilson foi morto em 11 de junho de 2018, uma segunda-feira, na movimentada Avenida Guaicurus, em Campo Grande.

Do lado da investigação, a tecnologia inclui as interceptações telefônicas, iniciadas em 13 de maio deste ano, as informações da tornozeleira eletrônica de Freires e imagens de circuito interno. Para sustentar que a cobertura de Jamil Name Filho passou por uma limpeza de documentos, a apuração mostra imagens do elevador do prédio. As imagens são dos dias 19 e 20 de maio, na sequência da prisão de Rios. Segundo a investigação, houve uma verdadeira “mudança”.

Também há imagens da esposa de Marcelo Rios em companhia de Flávio Narciso, que foi preso por obstrução de investigação, em frente à agência bancária no dia 21 de maio. A mulher entra no banco e na sequência, chega um segundo veículo com outros dois alvos da operação. Um dos homens também entra na agência enquanto os outros dois ficam conversando. 

A apuração também inclui campana em frente ao condomínio de Jamil Name, para registro fotográfico de quem entrava e saía da casa do empresário.

Em 11 de junho de 2018, carro de Ilson Figueiredo foi fuzilado, abrindo série de execuções em Campo Grande. (Foto: Saul Schramm/Arquivo)
Em 11 de junho de 2018, carro de Ilson Figueiredo foi fuzilado, abrindo série de execuções em Campo Grande. (Foto: Saul Schramm/Arquivo)

Omertà - A operação foi realizada pelo Gaeco, força-tarefa da Polícia Civil que investiga execuções na Capital, Garras, Batalhão de Choque e Bope. Omertà é um código de honra da máfia italiana, que faz voto de silêncio.

As buscas em 21 endereços levaram à apreensão de documentos, computadores e R$ 160 mil em dinheiro. Também foram recolhidos pelas equipes cheques em nome de terceiros, armas dos calibres 38, 22 e 12, munições, aparelhos celulares, inclusive os conhecidos como “bombinhas”, que são descartados após o uso.

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