Caiçara, o bairro que já "tocou o terror" e hoje encontrou a tranquilidade
Moradores antigos relatam rixas entre vizinhos da rua e da escola e comentam os problemas atuais

Caiçara, de origem tupi-guarani, vem da junção de “caá” e “içara” e passou a designar cercas de proteção ao redor de aldeias, armadilhas de pesca construídas com galhos e também os pescadores que utilizavam essa técnica. O termo acabou dando nome a uma região de Campo Grande que, entre as décadas de 1970 e 1980, “tocou o terror”, mas que hoje é sinônimo de tranquilidade para muitos moradores, pessoas que se sentem protegidas em um bairro cercado por muros altos.
RESUMO
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O bairro Caiçara, em Campo Grande, tem suas raízes na cultura tupi-guarani e passou por transformações significativas desde sua fundação. Originalmente marcado pela violência nas décadas de 1970 e 1980, o local se tornou um símbolo de tranquilidade, com a atuação da Associação dos Moradores contribuindo para a pacificação da comunidade. Atualmente, o Caiçara abriga a Feira do Baobá, que se tornou um evento mensal popular, reunindo expositores e promovendo a convivência entre os moradores. Apesar de algumas queixas sobre infraestrutura, como o estado das ruas e a falta de profissionais na saúde, os residentes expressam satisfação com a vida no bairro, que agora é visto como um lugar seguro e acolhedor.
“Foi um bairro violento”, lembra o aposentado Humberto Mangelot Andrade, de 79 anos, apontado por outros moradores como um dos precursores da região. Pelo que se sabe da história do Caiçara, é mesmo.
Início - O termo “parcelamento” é usado tecnicamente em registros e plantas urbanas, mas, no caso do Caiçara, acabou se tornando o nome popular do bairro, inclusive reconhecido pelos Correios.
Documentos da mapoteca da Prefeitura de Campo Grande mostram que os parcelamentos Vila Belo Horizonte e Vila Jardim Anahy foram aprovados em 1961. Há indícios de que o Caiçara seja mais antigo que eles, possivelmente incorporado em 1960 ou um pouco antes.
Na revisão do Plano Diretor de Campo Grande, consta que os parcelamentos que possibilitaram o crescimento do bairro são Caiçara, Vila dos Marimbas, Vila Jardim Anahy, Vila Maringá e parte do Jardim Leblon.
Loteamento e desova - Foi na década de 1960 que Humberto chegou ao Caiçara, quando o bairro ainda estava sendo loteado. Vindo de Corumbá, ele morou em outras regiões antes de fixar residência ali, comprando um terreno na Rua do Ouvidor por mil cruzeiros. “Isso aqui era uma fazenda de gado, quase tudo só matagal. Aqui na frente tinha um campinho de futebol”, recorda.
Na esquina com a Rua Vila Lobos, havia uma pequena praça, mas ela estava tomada pelo mato. “De vez em quando eu levantava de manhã, fazia uma limpeza ali e encontrava um carro no meio do mato. Era roubado, né? Desovavam aí.”
A partir da década de 1970, o Caiçara começou a ganhar mais moradores. O campo de futebol foi desativado, dividido em lotes, e a vizinhança se consolidou. A violência também cresceu.
Humberto lembra que tinha uma casa de madeira no terreno e, ao precisar internar-se por problemas de saúde, deixou um rapaz morando ali para cuidar do imóvel. “Passou uns três meses e ele falou que ia embora, que não estava aguentando.” O motivo eram as brigas que começavam na baixada da Rua Villa-Lobos e terminavam perto de sua casa, disputas por “invasão de território”, segundo os vizinhos.
Chicotadas - A “invasão” também era motivo de outra rixa, lembra o aposentado Nilson Neves Barbosa, 66 anos, morador há três décadas. As brigas envolviam alunos da Escola Estadual Consuelo Muller, a partir de 1975, quando muitos estudantes do Caiçara foram transferidos para o período noturno da instituição, localizada na Vila Jacy.
A mudança ocorreu justamente por causa do comportamento encrenqueiro dos alunos, que já haviam sido convidados a se retirar das escolas do próprio Caiçara. “Vixe! Quebravam o pau toda hora”, conta Nilson. “Quem morava no Caiçara não podia namorar com quem era da Vila Jacy.”
As brigas, diz ele, envolviam socos, tapas e até cabos de aço retirados de aceleradores de carro. “A pessoa deixava o cabo na cintura e o tirava para dar chicotadas.”
Nilson admite que se envolveu em várias dessas confusões, mas só quando tentava apartar brigas desiguais. “Tentava separar na briga de mulher, que era comum também. Mas se fosse de igual pra igual, deixava.”
As desavenças entre estudantes duraram de 1975 a 1980. Nesse meio-tempo, muitos saíram da escola, mudaram de bairro e o perfil do Caiçara começou a mudar. “Aí foi acalmando. A polícia foi prendendo; outros foram expulsos; outros se casaram. Foram morrendo também, né? Sempre tinha um que vinha caçando encrenca nos bares até morrer.”
Humberto confirma que a calmaria chegou nos anos 1980. “Foram morrendo; um matando o outro; a polícia veio; o bairro ficou mais tranquilo.” Antes disso, ele perdeu amigos para a violência. “Um deles se envolveu numa briga de bar; a pessoa que ele agrediu pegou uma Kombi e atropelou-o e outro rapaz.”
Flávio Pizzigatti é o atual 2º tesoureiro da Associação dos Moradores do Caiçara e Anahy, mas atuou como presidente de 2013 a 2024 e foi vice-diretor da Escola Municipal Tertuliano Meirelles. Mora no bairro desde 1986. “Era pesado mesmo, mas o tempo foi mudando, as pessoas também.”
Baobá - Fundada em 18 de novembro de 1984, a associação ajudou a apaziguar os ânimos. “A gente se reunia atrás do postinho do Caiçara, mas o grupo foi aumentando e a gente veio para cá”, lembra a vice-presidente Maria Conceição Suizo. Hoje, a entidade é referência no bairro.
Em 2000, segundo Flávio, os moradores receberam de presente uma muda de baobá, doada por padres angolanos. O plantio e o cuidado ficaram por conta de Manuel, antigo vizinho e zelador da praça. Em 28 de dezembro de 2012, o espaço, localizado entre as ruas Villa-Lobos, Melvin Jones e Rocha Pombo, foi batizado de Praça Brasilina de Aguiar.
A árvore cresceu e virou o centro da nova “menina dos olhos” do Caiçara: a Feira do Baobá, que teve início em 25 de julho. Maria Conceição conta que tudo começou como uma festa julina. O sucesso foi tanto que planejaram outra edição em agosto, mas, como coincidia com a da Igreja Santo Agostinho, decidiram transformá-la em feira fixa.
Hoje, o evento reúne 102 expositores cadastrados e acontece na segunda sexta-feira de cada mês. O Campo Grande News contou o início dessa história, confira, clicando aqui.
Atualmente, a associação oferece aulas de karatê, pilates e alongamento, além de ceder espaço para ensaios do grupo do flashback. Embora também exalte os tempos de tranquilidade, afirma que há casos pontuais, como a depredação do banco da praça, ainda não resolvidos.
Nilson, que antes apartava brigas de escola, agora vive em paz. “O bairro aqui é bom demais. Olha o tamanho dessa calçada. Tudo é calmo, a gente anda com tranquilidade”, diz. Reconhece que ainda há casos de violência, mas joga para outro CEP. “É da Anahy [Vila] pra frente. Aqui não tem roubo nessa rua.”
Humberto concorda. “Aqui agora é paz, graças a Deus.” Ele relembra os anos vividos no Caiçara, o trabalho como técnico em eletrônica e a criação dos três filhos. Fala com tristeza da recente viuvez, mas se anima ao ver o movimento da feira na porta de casa. “A feira pega todinhos os quarteirões, é bonita.”
As ruas são calmas, quebradas pela passagem ocasional dos carros. O movimento no comércio se concentra na Avenida Albert Sabin, que passa pelo bairro, pela Vila Taveirópolis e pela Vila Bandeirantes.
Os moradores, embora orgulhosos do bairro, não deixam de apontar falhas. “O ruim aqui é esse asfalto”, diz Nilson.
A operadora de caixa Claudete Bittencourt, há 20 anos no Mercado Sousa, também reclama: “Olha essa Rua da Pátria. Ninguém vê essa rua, só buracos.”
A representante de vendas Ana Oliveira, que morou por quatro anos no Caiçara e hoje vive na vizinha Vila Bandeirantes, reforça o problema e acrescenta outro: a falta de profissionais na UBS (Unidade Básica de Saúde) Dr. Alberto Neder, especialmente na área odontológica. “Mas, fora isso, aqui é muito bom. Gosto daqui.”
Resposta - A reportagem entrou em contato com a prefeitura sobre as reclamações. A Sisep (Secretaria Municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos (Sisep) informa que todos os anos as vias pavimentadas recebem manutenção, com o serviço de tapa-buracos. Mas o desgaste do asfalto é natural, pois em média em situação mais antiga as ruas foram pavimentadas há mais de 30 anos.
"A secretaria entende que a melhor solução é o recapeamento, por isso está buscando recursos por meio de parcerias com os governos federal e estadual e com a bancada federal, bem como com a concessionária de água e esgoto, para recapear o maior número possível de vias pavimentadas".
Sobre o atendimento odontológico na unidade de saúde no Caiçara, a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) informa que o compressor da unidade foi retirado para manutenção, entretanto, os pacientes que buscam por atendimento na unidade não ficam desassistidos.
De acordo com a secretaria, eles passam por acolhimento e, aqueles casos que podem ser tratados sem a utilização do compressor, são atendidos normalmente. Para as demais situações, alega que é feito o agendamento em uma das unidades próximas para onde as equipes foram temporariamente realocadas.
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