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Capital

No bairro onde falta tudo, vontade de mudar superou até casamento

Amanda Bogo | 15/05/2016 09:41
As ruas no bairro não possuem asfalto e estão cheias de buracos (Foto: Fernando Antunes)
As ruas no bairro não possuem asfalto e estão cheias de buracos (Foto: Fernando Antunes)

Alguns estabelecimentos comerciais, uma praça, um Ceinf (Centro de Educação Infantil), poucas árvores, casas simples. Assim pode ser descrita a principal e única via que possui asfalto e corta todo o bairro do Jardim Carioca, localizado no extremo oeste de Campo Grande. As demais ruas são de terra, cobertas por cascalhos, cheias de mato e estão esburacadas. A falta de asfalto não é o único problema para os moradores do local, que não possuem saneamento básico ou posto de saúde.

O bairro fica 10 km distante do centro da Capital, e o trajeto até o local é complicado e longo até para quem vai de carro. Diante de um cenário de pobreza e dificuldades, as pessoas se uniram para superar os problemas e buscar melhorias.

Uma delas é dona Miriam de Souza Rolon, aposentada que reside no local há mais de 20 anos e que está em seu quarto mandato como presidente da associação de moradores do Jardim Carioca. Em uma de suas reivindicações, ela e outras três pessoas foram processadas por parar o trânsito e impedir que os ônibus trafegassem, em um protesto para pedir que mais coletivos fossem disponibilizados à região. Com a ajuda de uma advogada que se sensibilizou com a causa, as mulheres conseguiram ser absolvidas.

Em outra situação, passou por um divórcio e enfrentou a depressão por colocar à frente de seus interesses o desenvolvimento do local. “Moro aqui e quero ver a evolução do meu bairro. Aqui eu comecei a minha vida, foi a minha primeira casa, criei meus filhos. Eu coloco os problemas do Carioca a frente dos meus”, conta Miriam.

Dona Miriam enfrentou processo e crise no casamento enquanto lutava por melhorias no bairro (Foto: Alcides Neto)
Dona Miriam enfrentou processo e crise no casamento enquanto lutava por melhorias no bairro (Foto: Alcides Neto)

As reivindicações por transporte público sempre foram uma das lutas de Miriam. A aposentada afirma que a linha de ônibus Nova Campo Grande foi uma solicitação que ela fez à André Puccinelli quando ele concorria ao mandato de prefeito.

Depois, foi a vez de lutar por um ônibus que levasse os moradores até o terminal Júlio de Castilho. “Em reunião, o pessoal da Agetran (Agência Municipal de Trânsito) disse que ia deixar os dois ônibus que iam até o centro e acrescentariam as linhas que levariam os moradores até o terminal. Mas, quando começou a funcionar, eles retiraram um ônibus do centro. Os moradores caíram matando em cima de mim e boicotaram a outra linha. Chamavam de ônibus da Miriam. Foi um transtorno até conseguir que tudo voltasse ao normal. Hoje me agradecem por ter conseguido”, afirma.

Dona Miriam só abandonou o cargo quando passou pelo divórcio, motivado por problemas causados pelo cargo de presidente da associação, e entrou em depressão. “Precisei sair por dois anos do bairro porque voltava para casa chorando todos os dias. Quando voltei, as pessoas iam no portão de casa pedir para que eu assumisse a presidência novamente. Meu marido disse que ia me largar se eu voltasse. Até o dia que ele percebeu que as pessoas estavam preocupadas e disse que não teria problema voltar”, relembra.

Para a aposentada, o principal problema do local é a falta de segurança pública. “É muito longe, a polícia não chega quando existe um problema. Tem muita boca de fumo, o que assusta as mães que trabalham e não têm como ficar cuidando sempre das crianças”.

Rua ao lado da avenida sete, única do bairro que possui asfalto (Foto: Fernando Antunes)
Rua ao lado da avenida sete, única do bairro que possui asfalto (Foto: Fernando Antunes)
Dona Miriam afirma que ônibus que leva moradores ao terminal Júlio de Castilho foi fruto de sua luta (Foto: Fernando Antunes)
Dona Miriam afirma que ônibus que leva moradores ao terminal Júlio de Castilho foi fruto de sua luta (Foto: Fernando Antunes)
Mesmo não vendo benefícios em morar no Carioca, Leonel afirma não ter vontade de mudar de lá. (Foto: Fernando Antunes)
Mesmo não vendo benefícios em morar no Carioca, Leonel afirma não ter vontade de mudar de lá. (Foto: Fernando Antunes)

 O caminhoneiro e vice-presidente da associação de moradores, Leonel Molina, mora no Jardim Carioca há 17 anos. Para ele, os problemas no local são bem maiores. “Aqui é isso que você está vendo: mato, buraco, não tem asfalto, não tem área de lazer para as crianças. Não consigo ver nada de bom aqui, falta tudo”, desabafou.

Questionado sobre a possibilidade de mudar para outro lugar com melhor infraestrutura, ele contou que não pretende sair do local. “Uma vez pensei em me mudar, mas acabou não dando certo. Pretendo lutar por melhorias e não sair daqui”. Segundo Leonel, as ruas estão abandonadas e precisam de limpeza.

Na praça do Jardim Carioca, na avenida sete, um grupo de crianças joga futebol em um campinho improvisado, mal cuidado e que não possui iluminação. Uniformizadas e com coletes, elas fazem parte do projeto Craque do Amanhã, uma iniciativa que tem como objetivo tirar crianças de 6 a 16 anos de situações de risco por meio do esporte e estimular o bom desempenho na escola.

A coordenadora do projeto, Petrona Benites, conta que para participar das atividades, os meninos devem ter média 7,5 nas disciplinas escolares e não desrespeitar os familiares em casa. Segundo ela, o projeto também tem como objetivo realizar a integração entre as crianças do bairro.

"As mães precisam trabalhar e não tem como ficar com eles o dia inteiro, e por meio do projeto conseguimos tirar essas crianças das ruas. Alguns mais velhos já fumam, mas esperamos que com a iniciativa do esporte eles parem com os vícios e foquem nos jogos", alegou, completando: "vamos às escolas verificar as notas e a casa deles para saber se o comportamento está sendo o correto. Quem foge das obrigações fica no banco de reservas".

Meninos participam de treino de futebol do projeto Craques do Futuro (Foto: Fernando Antunes)
Meninos participam de treino de futebol do projeto Craques do Futuro (Foto: Fernando Antunes)
Para Petrona, o projeto é uma forma de cuidar das crianças do Jardim Carioca (Foto: Fernando Antunes)
Para Petrona, o projeto é uma forma de cuidar das crianças do Jardim Carioca (Foto: Fernando Antunes)

Para Petrona, o projeto é uma forma de cuidar dessas crianças, uma vez que o bairro não possui um CRAS (Centro de Referência da Assistência Social). "Já recebi denúncia de prostituição infantil aqui. Tem muita carência, violência e o risco de envolvimento com as drogas. O projeto foi importante para tirar as crianças desse caminho", frisou.

Dário Silveira dos Santos é o professor voluntário do projeto. Mesmo morando nas Moreninhas, ele diz que é gratificante ir até o local dar aulas para os meninos. "A alegria dessas crianças é gratificante. São crianças carentes, algumas não tem acompanhamento direto dos pais, e aqui eles aprendem responsabilidades. Se tirar nota baixa ou faltar com respeito em casa, ficam fora dos campeonatos. Isso virou um estímulo para eles cumprirem as obrigações", finalizou.

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