Painel com 700 nomes é alento para quem a covid tirou o direito à despedida
Homenagem foi instalada na entrada do cemitério Memorial Park e emocionou familiares
Gleice Kelly Pires, 29 anos, não teve tempo de se despedir da mãe, Raimunda Gomes Nicolau, 49 anos, uma das vítimas da covid-19 em Mato Grosso do Sul. Chorou muito ao se deparar com o nome dela no imenso painel de homenagens, na entrada do cemitério Memorial Park, no Universitário, em que foram listadas 700 vítimas da doença, sepultadas no local.
“Ela era meu tudo, não tenho palavras para descrever, vou lembrar dela sorrindo e falando comigo”, disse, com a foto da mãe nas mãos, em que ela aparece sorridente e elegante. Gleice se recordou que a última lembrança é de Raimunda dizendo que iria sair do hospital. “Ela não saiu, me deixou sem dizer adeus”, lamentou.
O painel foi a forma que a direção do cemitério escolheu para tentar minimizar a ausência da despedida formal, tradicional nos sepultamentos em tempos pré-pandêmicos.
De 2020 para cá, caixão fechado, o velório de 2 horas, às vezes, nem esse tempo, foram cenas que se tornaram corriqueiras durante a pandemia da covid-19, em que as restrições impostas pela biossegurança afetaram o momento da despedida final.
“Muitas pessoas tiveram a urna lacrada, a gente não podia abrir para nada, nem para o último adeus, percebemos que as famílias estavam muito abaladas, então, foi a motivação para gente fazer o mural”, explicou Thailinne Oliveira, ouvidora da Pax Real.
No painel, foram inseridos 700 nomes de pessoas que tiveram a covid como causa da morte. Em cada nome, um cartão com frase “Tem saudade sua espalhada por todo lugar” que pode ser levada pelo familiar. No espaço que ficou, pode ser inserida rosa, dada na entrada do cemitério aos visitantes.
A estudante Carolina Garcia, 19 anos, também se emocionou muito ao encontrar o nome do pai, Luciano Garcia, no painel. “Foi muito difícil, mas é uma lembrança que ele está no céu, no paraíso”, foi a frase que conseguiu falar, entrecortada pelo pranto e pela saudade.
Além do painel de homenagem aos mortos pela covid, também havia espaço para todas as dores da saudade. Cartões eram distribuídos na entrada do cemitério. Os familiares podem escrever e pendurar as homenagens nas árvores, decoradas com fitas.
Sandra Regina, 40 anos, escolheu o cartão para homenagear a mãe, Maria Alice, morta ao 71 anos, há três meses, por complicações da diabetes. “É momento muito difícil, ela era minha amiga, minha conselheira”.
Provação – No Memorial Park, uma missa foi celebrada pelo arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Campo Grande, Dom Dimas Lara Barbosa.
“Normalmente, os mortos têm seu lugar nas celebrações católicas. Todos os dia que a gente celebra, lembramos os falecidos, às vezes de alguém específico, às vezes, para toda a comunidade. Hoje é o dia que todos os falecidos são homenageados”, disse Dom Dimas.
Em anos de pandemia, reconheço a mudança do sentimento dos familiares. “Foi período de grande provação para muitos, famílias inteiras desapareceram”, disse. “Muitas pessoas tem sentimento de culpa, porque passsraam vírus para seus queridos, outros, sentem muito o peso da solidão. Então, neste momento, queremos que chegue nas pessoas o nosso abraço, a nossa solidariedade”, completou o arcebispo.