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Capital

Quase 80% de ações por remédios cobram itens que deveriam ser entregues pelo SUS

De 44 pedidos ajuízados contra município pela Defensoria, 34 cobram o que já deveria ser repassado de graça

Por Lucia Morel | 20/02/2024 13:48
Eni Maria Sezerino Diniz, defensora pública que atua na área de defesa da saúde e é coordenadora do NAS (Núcleo de Atenção à Saúde) da Defensoria. (Foto: Alex Machado)
Eni Maria Sezerino Diniz, defensora pública que atua na área de defesa da saúde e é coordenadora do NAS (Núcleo de Atenção à Saúde) da Defensoria. (Foto: Alex Machado)

A DPMS (Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul) é o principal órgão que ajuíza ações solicitando remédios, cirurgias ou mesmo consultas pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Das 44 impetradas contra a Prefeitura de Campo Grande entre maio e dezembro do ano passado, pedindo acesso a medicamentos, 78% referiam-se àqueles padronizados pelo serviço público de saúde, ou seja, 34 processos. Em relação ao Estado, esses números se invertem, sendo 70% solicitando remédios não padronizados e 30% dos que estão na lista.

Para a defensora Eni Maria Sezerino Diniz, que atua na área de defesa da saúde e é coordenadora do NAS (Núcleo de Atenção à Saúde), esse percentual revela um grave desabastecimento na farmácia do município. “Quer dizer, é medicamento que consta na lista do SUS. Isso demonstra que as farmácias básicas, as farmácias do município estão desabastecidas de insumos e de medicamentos necessários”, cita.

Vale ressaltar que somente em maio do ano passado é que a Defensoria passou a tabular os dados através de sistema informático e por isso não é possível ter números anteriores da quantidade de ações ajuizadas. Segundo Eni, em 2023, esse era o recorte, e não saberia dizer como está esse abastecimento atualmente.

Por mês, a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) apresenta aqui o estoque de remédios de uso contínuo nas farmácias públicas dos postos de saúde. Atualmente, 34 estão em falta, conforme a lista mais recente, de 7 de fevereiro. Entre tais medicamentos estão analgésicos, anestésicos, antiácidos, antibióticos, e outros como lidocaína, amoxicilina, omeprazol e até bromoprida. O estoque, nesses casos, é marcado como “em aquisição”.

Em relação aos processos que a Defensoria abre contra o Governo do Estado, que foram 245 pedindo medicamentos, ocorre sistema inverso: 70% se relacionam a medicamentos novos e não presentes na lista do SUS, e 30% são pedidos de remédios listados pelo serviço público.

Ao todo, entre maio e dezembro do ano passado, a Defensoria ajuizou 1.293 em Campo Grande contra a prefeitura do município (905) ou contra o Estado (391). Não há dados sobre os procedimentos abertos nas cidades do interior de Mato Grosso do Sul.

Tripé – Para ela, três são as principais causas da alta judicialização de serviços e produtos de saúde do SUS: vazios assistenciais, antiguidade da lista de produtos e medicamentos disponibilizados gratuitamente pelo SUS e o desabastecimento ou insuficiência de oferta.

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“O que são esses vazios de assistência? São as previsões de políticas públicas que deveriam ter cobertura pelo SUS para toda a população, só que o Poder Público não fornece. Que exemplo eu posso te dar disso? Serviço de atenção domiciliar Home Care. Existe uma política pública? Sim. Está previsto no SUS o serviço de atenção domiciliar? Sim. Mas há locais onde não há cobertura desse tipo de serviço. Por quê? Porque o gestor, que nesse caso é municipal, não tem equipe, não tem profissionais”, afirma.

Quanto à a obsolescência das listas de insumos e medicamentos, ou seja, a falta de renovação de remédios mais modernos. A defensora exemplifica que “a dinâmica da sofisticação da evolução dos medicamentos ela é constante” e que cada ente – Federal, Estadual e Municipal – e “Estados e municípios têm autonomia para ampliar”, diz Eni.

“Esse é um dos motivos da judicialização: a demora na incorporação de novas tecnologias e insumos pelo SUS pelo Estado, pelo município. Só pra dar um exemplo assim, bem simples, a última edição da lista estadual foi de dezembro de 2013. Ela não sofre nenhuma inserção de medicamento há mais de 10 anos. Todos os anos eles reeditam sempre a mesma”, lamenta a defensora.

Em seguida, ela fala do desabastecimento e da insuficiência de oferta de serviços (exames, cirurgias) e medicamentos. “O que é o desabastecimento? Se você vai lá para aquela lista, há uma lista nacional de referência dos medicamentos. O município que é atenção básica, tem que dispensar esses medicamentos para essas e essas doenças, mas quando você vai na farmácia do município não tem aquele medicamento”, exemplifica.

“São ações por leito hospitalar que a gente precisa judicializar porque não tem. As pessoas estão nas UPAs, é consulta. Hoje nós estamos judicializando consulta oftalmológica, porque a pessoa está esperando uma consulta há meses e não consegue. Então, a pouca demanda, a pouca oferta de serviço, que é básico, consulta, é atenção básica é que aumenta a judicialização”, enfatiza a defensora Eni.

Muitas ações – Diniz reforça que antes de impetrar as ações, a Defensoria Pública tem um questionário que define com o cidadão se há ou não cabimento de acessar o Judiciário pela demanda. “Parece que basta chegar lá com um papelzinho e a gente judicializa e pronto. E não é assim”, defende.

Ela explica, por exemplo, que o médico e também o paciente, precisam demonstrar que utilizou o medicamento disponível no SUS e explicar porquê há necessidade de outro remédio. “Tem que dizer: “olha, eu não posso usar essas alternativas porque esse paciente tem uma outra comorbidade associada que impede o uso dessa alternativa”, por exemplo. Isso tudo é demonstrado judicialmente. É preciso entender que nós judicializamos baseados na lei”, afirma.

No dia 7 de fevereiro, o Campo Grande News mostrou que todos os dias, ao menos 30 ações novas começam a tramitar na Justiça Estadual de Mato Grosso do Sul pedindo medicamentos, cirurgias, exames ou mesmo leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Quantidade diária registrada em 2023.

A Prefeitura de Campo Grande que informou, por meio da assessoria de imprensa, que "tem observado, com certa constância, a decisão judicial favorável a medicamentos que integram a Remume, o que, de acordo com a nova legislação para licitações, impossibilita o município de comprar o item para atender ao paciente".

A Secretaria Municipal de Saúde afirma ainda que faltam critérios nas decisões favoráveis aos pacientes. "O que se observa é que o juiz acata o pedido de acordo com a prescrição médica, e não somente relativa ao medicamento que o paciente solicita, não havendo um filtro de quais medicamentos que devem ser atendidos. Nesses casos, os pacientes são orientados a procurar as unidades de saúde de referência da região onde moram para fazer a retirada dos medicamentos".

Em relação ao Governo de MS, a assessoria de imprensa da SES (Secretaria de Estado de Saúde) informou que "o custeio de medicamentos oncológicos e de cirurgias constituem o maior volume de processos e de gastos com a judicialização da saúde" e que uma das medidas para reduzi-las, fala que foi criada a "Câmara Administrativa de Solução de Conflitos para promover a conciliação e evitar o ajuizamento de ações".

Para o Estado, que em 2023 pagou R$ 100 milhões nos casos judicializados de saúde, uma das razões da grande quantidade de ações e seu aumento frequente, ocorre também porque há "insuficiências pontuais do SUS", mas reforça que "a judicialização da saúde se apresentou, nos últimos anos, como um campo fértil para a promoção, em casos concretos, de interesses juridicamente questionáveis".

Ou seja, "há inúmeros pedidos de medicamentos que ignoram as evidências científicas dos tratamentos já homologados pelo SUS, há pedidos por marcas específicas de remédios e próteses no qual existem similares ou genéricos no mercado que atendem igualmente o paciente, entre outras hipóteses", encerra a nota da SES.

No âmbito do Tribunal de Justiça, há o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania na área da saúde, que tenta solucionar a questão antes que se transformem em processos judiciais.

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