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Interior

“A gente não precisa ter medo. Essa terra é nossa”, diz indío após atentado

Paula Maciulevicius | 20/11/2011 09:30

Clima na região ainda é de insegurança; aos poucos indígenas voltam ao acampamento onde líder foi executado por pistoleiros

Adolescente tem marcas de ferimento, após ataque a acampamento indígena no Sul do Estado. (Foto: Divulgação MPF)
Adolescente tem marcas de ferimento, após ataque a acampamento indígena no Sul do Estado. (Foto: Divulgação MPF)

O clima de insegurança continua entre os acampados na região das fazendas Nova Querência e Ouro Verde, na divisa dos municípios de Aral Moreira e Amambai, região Sul do Estado. Mas a perseverança do povo sobrevive mesmo depois do atentado em que, segundo eles, foi executado do líder indígena Nisio Gomes, na última sexta-feira. Nisio está desaparecido.

“A gente não precisa ter medo. Essa terra é nossa”, dizem eles que agora se definem como todos na liderança.

O Campo Grande News esteve no local no final da tarde deste sábado. Os guarani-kaiowás não permitiram fotos e conversaram pouco. Eles estão arredios após o ataque que, segundo afirmam, foi feito por vários pistoleiros em camionetes, armados. No local, foram apreendidos vestígios de armamento e de sangue.

Segundo relatos dos próprios indígenas, os moradores aos poucos está voltando ao acampamento. Isso porque no momento do atentado muitos se refugiaram na mata. “Foi ouvir os tiros e a gente saiu correndo”, conta um deles.

O receio em receber a imprensa pode ser visto nos olhos de cada um. Ao chegar na área do acampamento, depois de entrar na fazenda e percorrer cerca de 5 quilômetros, os indígenas vêm ao encontro da equipe.

Um limite parece ter sido estabelecido, com três pedaços de madeira pequenos fincados ao chão. Do lado de lá indígenas permanecem na retaguarda enquanto a equipe do Campo Grande News tenta se aproximar.

Os primeiros a chegar não portavam arco, nem flecha. Aos poucos, eles deixam que a equipe se aproxime.

“Agora nós todos somos a liderança” responde um guarani-kaiowá. O tempo todo eles se entreolhavam e discutiam em guarani. A impressão que dava era que eles se conversavam o que poderia ou não ser dito.

“Eram oito pistoleiros, atiraram e levaram Nisio”, dizem. Até agora os indígenas não encontraram o corpo do líder.

Devagar mais deles vem chegando. Muitas crianças e jovens. “Tem ônibus vindo de aldeia com mais gente”. A sensação é de que o atentado fortaleceu a etnia que vive na região.

Sem permitir a entrada da equipe, eles contaram que o atentado não durou muito e que “foram embora sem deixar rastros”. A visita da Polícia Federal que esteve no local desde sexta-feira tranqüilizou. “Os federais disseram e a gente não precisa ter medo. É tekohá, essa terra é nossa”, reafirma um indígena mais velho.

Entre as poucas palavras ditas pelos indígenas, eles não confirmaram de quanto é a área acampada. O local aparenta ser extenso e estar com dezenas de guarani-kaiowá. Ao fundo se escutava gritos que se assemelhavam a algum ritual.

Os números de desaparecidos depois do atentado devem se confirmar neste começo de semana. De acordo com Tonico Benites, membro da Assembleia Geral do Povo Guarani-Kaiowá, mulheres e crianças voltaram neste sábado, pela fome e sede.

O fim da entrevista na região foi definido pelos indígenas. Um deles, mais jovem, questionou “isso que vocês estão fazendo vai ajudar de alguma forma?”. A pergunta reflete a tensão vivida pelo grupo.

Caso - Conforme apurado pelo CIMI (Conselho Indigenista Missionário), durante a correria de tiros, três jovens um de 14 anos, outro de 15 e um de 16 anos teriam sido baleados.

De acordo com lideranças indígenas de aldeias vizinhas, o garoto de 14 anos seria neto de Nisio Gomes. Ele chegou a ser socorrido, medicado e já teria retornado ao acampamento. Os outros dois estavam desaparecidos.

O MPF (Ministério Público Federal) abriu investigação e a perícia da Polícia Civil constatou marcas de sangue em meio à folhas, que remontam a cena de um corpo sendo arrastado, possivelmente de Nisio.

Segundo relatos dos indígenas ao CIMI, Nisio teria sido executado com tiros na cabeça, peito, braços e pernas. O filho ainda tentou impedir a execução, se atirando sobre um dos pistoleiros.

A ação dos pistoleiros foi por volta das 6h30 da manhã de sexta-feira. Eles estavam respaldados por cerca de uma dezena de caminhonetes Hilux e S-10. Na caçamba de uma delas o corpo de Nisio foi transportado.

Os guarani-kaiowá estavam acampados a região desde o dia primeiro deste mês. Nisio teria sofrido ameaças de morte dois dias antes do atentado.

A bandeira fincada pelos índios no acampamento, que guarda sinais do ataque, em imagens divulgadas pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário)
A bandeira fincada pelos índios no acampamento, que guarda sinais do ataque, em imagens divulgadas pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário)
Vestígios de sangue no acampamento foram colhidos pela Polícia Federal para investigação. (Fotos: Cimi)
Vestígios de sangue no acampamento foram colhidos pela Polícia Federal para investigação. (Fotos: Cimi)
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