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Interior

Desde a morte de Marçal, há 31 anos, 12 líderes indígenas foram mortos

Caroline Maldonado | 02/09/2015 08:41
Em novembro, completa 32 anos o assassinato de Marçal de Souza (Foto: Divulgação/Cimi)
Em novembro, completa 32 anos o assassinato de Marçal de Souza (Foto: Divulgação/Cimi)

Não bastassem as mortes por suicídio, desnutrição e pela violência interna resultante do processo de aldeamento, que colocou os índios em pequenas áreas, as comunidades Guarani Kaiowá e Terena amargam assassinato de, pelo menos, 12 lideranças nos últimos 31 anos. Tudo isso, porque os índios reivindicam, no total, apenas 2% da área de Mato Grosso do Sul, Estado que tem a segunda maior população indígena do país. Enquanto, os fazendeiros esperam indenização do Governo Federal por seus títulos de propriedade, os índios não aguentam mais esperar e seguem com o que chamam de "retomada".

Em novembro, completa 32 anos o assassinato de Marçal de Souza, conhecido também como Marçal Tupã-i. Nascido em dezembro de 1920, o líder da etnia Guarani Ñhandeva foi assassinado em 25 de novembro de 1983, na aldeia Campestre, local destinado as famílias que choram a morte de Semião Fernandes Vilhalva, 24 anos. O jovem levou um tiro na cabeça no último sábado (29), enquanto grupo de fazendeiros brigava pela posse da área ocupada pelos índios há uma semana.

Órfão aos 8 anos, Marçal morou em Caarapó, aos 12 anos foi adotado por um casal de missionário e levado para Campo Grande. Na Capital, um oficial do Exército levou o garoto para o Recife (PE), onde precisou trabalhar em troca de alimento, roupa e estudo. De volta a MS, em Dourados, Marçal se tornou professor e atendente de enfermagem. No início dos anos 70, ele passou a denunciar a invasão de terras indígenas, a exploração ilegal de madeira, a escravização de índígenas e o tráfico de meninas índias. Essa é a história de um dos mais lembrados mártires da causa indígena em MS.

Passados 20 anos, foi assassinado o kaiowá Marcos Veron, em janeiro de 2003, com 72 anos de idade. O líder passou a vida tentando recuperar a terra, que teve boa parte da floresta desmatada, na área chamada de Taquara, em Juti. Em abril de 1997, Marcos levou sua comunidade para a fazenda, mas a Justiça ordenou a saída dos índios e, em outubro de 2001, policiais fortemente armados e soldados obrigaram os índios a abandonar a terra mais uma vez.

Então, eles passaram a viver sob lonas de plástico às margens da rodovia. Durante outra tentativa de retornar a terra, Marcos foi espancado. Os assassinos de Veron não foram acusados de assassinato, mas foram apontados como responsáveis por outros crimes relacionados ao ataque, em audiência judicial, em 2011.

Imagem de Marçal de Souza, feita por artista de rua, na Antônio Maria Coelho, equina com Avenida Fernando Corrêa da Costa (Foto: João Garrigó)
Imagem de Marçal de Souza, feita por artista de rua, na Antônio Maria Coelho, equina com Avenida Fernando Corrêa da Costa (Foto: João Garrigó)

Mais seis anos se passaram e outro confronto resultou no “desaparecimento” dos irmãos kaiowá Genivaldo Vera e Rolindo Vera, em outubro de 2009. O corpo de Genivaldo foi encontrado no dia 7 de novembro preso ao galho de uma árvore, no córrego Ypoi, em Paranhos. O irmão permanece desaparecido, desde o embate com seguranças de uma fazenda. Para os indígenas, o irmão que não foi encontrado é considerado morto.

Em novembro de 2011, foi assassinado o kaiowá Nísio Gomes, com 59 anos de idade. Ele morreu na terra Guaiviry, em Aral Moreira. Mesmo sem encontrar o corpo, a polícia concluiu o inquérito e o MPF (Ministério Público Federal) denunciou 23 pessoas, entre elas fazendeiros, o dono e nove funcionários de uma empresa de segurança e um advogado.

Foram réus no processo, 19 pessoas. Dessas, sete foram presas preventivamente, mas já liberadas pela Justiça. Duas testemunhas tiveram o benefício da delação premiada. Uma delas confessou ter carregado o corpo do índio, o que confirmou os testemunhos do filho e do neto da vítima, que presenciaram tudo, inclusive, a retirada do corpo em uma caminhonete.

Em novembro de 2011, foi assassinado o kaiowá Nísio Gomes, com 59 anos de idade (Foto: Divulgação/Cimi)
Em novembro de 2011, foi assassinado o kaiowá Nísio Gomes, com 59 anos de idade (Foto: Divulgação/Cimi)
O kaiowá Marcos Veron foi assassinado em janeiro de 2003, com 72 anos de idade (Foto: Survival)
O kaiowá Marcos Veron foi assassinado em janeiro de 2003, com 72 anos de idade (Foto: Survival)

O intervalo entre uma morte e outra começa a estreitar com mais ocupações e revolta dos fazendeiros ao ver suas terras “invadidas” pelos índios e, em maio de 2013, foi assassinado o terena Oziel Gabriel, com 36 anos, durante reintegração de posse da fazenda Buriti, em Sidrolândia. O crime permanece impune. A Polícia Federal disse que não foi localizado o projétil do tiro que atingiu a vítima e por isso, não teve como apurar de qual arma partiu o disparo.

O cenário da morte foi a Terra Indígena Buriti, cujos os 17.200 hectares foram reconhecidos em 2010 pelo Ministério da Justiça como de posse permanente dos índios da etnia Terena. Hoje, os terena consideram Oziel “vítima da violência do estado brasileiro”, pois a suspeita é de que o tiro partiu de um policial.

Solidariedade – O Conselho do Povo Terena emitiu nota lamentando a morte de Semião Fernandes, além de classificar como “agrobanditismo” os ataques aos índios e ameaçar a “autodemarcação” de todo o território tradicional, caso não sejam punidos os executantes e mandantes do crime.

Conforme o Conselho Terena, também foram vítimas do conflito pela terra, Dorival Benites, 36 anos, (2005); Dorvalino Rocha, 39 anos (2005); Xurite Lopes, 73 anos (2007); Ortiz Lopes, 46 anos (2007); Oswaldo Lopes (2009) e Teodoro Ricarde (2011).

Semião Fernandes Vilhalva, 24 anos, foi assassinado no dia 29 de Agosto de 2015, durante confronto (Foto: Marcos Ermínio)
Semião Fernandes Vilhalva, 24 anos, foi assassinado no dia 29 de Agosto de 2015, durante confronto (Foto: Marcos Ermínio)
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