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Revisão de garantias no crédito rural: direito jurídico e econômico

Dr. Henrique Lima | 30/07/2025 07:45
Revisão de garantias no crédito rural: direito jurídico e econômico
(Foto: Divulgação)

O crédito rural é peça-chave não apenas para o desenvolvimento do agronegócio, mas para o progresso econômico de todo o país. Sua importância está diretamente ligada ao crescimento do PIB, à geração de empregos e à garantia da segurança alimentar dos brasileiros.

Essa relevância é reconhecida na própria Constituição Federal, que dedica um capítulo inteiro à Política Agrícola (arts. 184 a 191). Já a Lei nº 8.171/1991, ao instituir a Política Agrícola Nacional, consagra o crédito rural como instrumento essencial de sua execução (art. 4º, XI).

Dados do CPI/PUC-Rio mostram que um aumento de 1% na oferta de financiamento rural pode gerar crescimento de 0,17% no PIB agropecuário. Esses números ganham ainda mais força ao lembrarmos que o agronegócio representa cerca de 24,8% do PIB brasileiro (2022).

Ou seja, facilitar o acesso ao crédito rural é interesse público. Todos ganhamos com isso. No entanto, práticas bancárias abusivas têm caminhado na contramão, dificultando, e até inviabilizando, o financiamento agrícola. Uma delas merece especial atenção: a exigência de garantias desproporcionais.

O Problema das Garantias Excessivas

Recentemente, deparei-me com um caso típico, onde um produtor obteve um financiamento de R$ 1.870.000,00 com recursos livres, mas o banco exigiu garantias que somavam R$ 18.900.000,00, ou seja, mais de 10 vezes o valor da dívida.

Essa prática não é apenas injusta. Ela impede que o produtor utilize seu patrimônio como garantia em outras operações, encarece o crédito futuro, engessa os bens da empresa e cria uma dependência perigosa em relação a um único credor. Em suma, compromete a autonomia financeira e a viabilidade do negócio rural.

O Que Diz a Lei?

Há sólida base legal para defender a revisão e a limitação das garantias excessivas. A começar pela Constituição Federal, que no art. 170, III, impõe à ordem econômica, inclusive às instituições financeiras, o respeito à função social da propriedade.

O Código Civil também oferece fundamentos importantes, em seu artigo 421 dita que “A liberdade contratual deve observar a função social do contrato”, enquanto o artigo 422 ordena que os contratantes devem agir de acordo com o princípio da boa-fé.

Já o Código de Defesa do Consumidor, aplicável ao produtor rural em diversas hipóteses, considera nulas cláusulas que imponham desvantagem exagerada (art. 51, IV).

A Lei nº 4.829/1965, que institucionalizou o crédito rural, afirma que este deve ser distribuído visando o “bem-estar do povo”. E a Lei nº 8.171/1990 reafirma o crédito rural como instrumento da política agrícola.

Destaca-se ainda o art. 64 do Decreto-Lei nº 167/1967:

“Os bens dados em garantia assegurarão o pagamento do principal, juros, comissões, pena convencional, despesas legais e convencionais.”

A redação é clara ao afirmar que a garantia deve se limitar ao necessário para cobertura da dívida com seus encargos. Qualquer excesso pode — e deve — ser considerado abusivo.

Histórico de Previsão Legal para Redução de Garantias

A própria legislação já reconheceu, em diferentes momentos, a necessidade de revisão das garantias no crédito rural. Foi o caso da Lei nº 11.775/2008 (oriunda da MP 432/2008), criada em resposta a uma crise no setor. O art. 59 assegura ao mutuário o direito à revisão e à redução das garantias em caso de excesso.

Situação semelhante ocorreu na década de 1990, com a Lei nº 9.138/1995, que instituiu a securitização das dívidas rurais. O §5º do art. 5º proíbe a exigência de garantias adicionais e determina a liberação daquelas consideradas excessivas.

Até mesmo o recente Marco Legal das Garantias (Lei nº 14.711/2023), embora não trate diretamente da redução por excesso, deixa clara a preocupação do legislador em racionalizar e dar eficiência à constituição de garantias.

O Papel do Judiciário

A jurisprudência também vem reconhecendo a possibilidade de revisão quando há evidente excesso. Abaixo, alguns exemplos marcantes:

STJ (REsp 1.315.702/MS): reconheceu a possibilidade de redução das garantias quando o excesso é desarrazoado, com base no art. 64 do DL 167/67.

TJ-MG: entendeu pelo desequilíbrio contratual quando as garantias excediam em mais do que o dobro o valor da dívida (Ap. Cív. 10428050015034001).

TJ-MT: reduziu garantias que somavam quase seis vezes o valor atualizado da dívida (Ap. Cív. 1000985-16.2018.8.11.0041).

TJ-RN: determinou o levantamento da hipoteca de imóveis cujo valor ultrapassava quatro vezes o débito (Ap. Cív. 0120583-04.2013.8.20.0106).

TJ-PR: reconheceu a possibilidade de revisão de garantias hipotecárias flagrantemente excessivas (Ap. Cív. 0030673-88.2019.8.16.0001).

Conclusão

Está claro que o produtor rural tem respaldo legal e jurisprudencial para questionar a exigência de garantias excessivas. Contudo, é fundamental destacar que a revisão contratual é medida excepcional, e o Judiciário tende a respeitar os termos pactuados, a não ser quando há flagrante abuso.

Por isso, a decisão de ingressar com ação judicial deve ser tomada com cautela. De um lado, há o risco de custas e honorários em caso de improcedência. De outro, a liberação de parte do patrimônio pode viabilizar novas fontes de crédito e garantir a continuidade do negócio.

O importante é avaliar com seriedade cada caso concreto. Em períodos de dificuldade econômica, revisar cláusulas que comprometem o acesso ao crédito pode ser o caminho necessário para preservar a atividade rural — e, com ela, a segurança alimentar, o emprego no campo e o desenvolvimento da nossa nação.

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Para mais informações ou orientações sobre o tema, entre em contato com o autor.

Revisão de garantias no crédito rural: direito jurídico e econômico

Autor: 

Henrique Lima é advogado atuante em defesas pessoas jurídicas e físicas em temas envolvendo direito tributário, administrativo, previdenciário (INSS e RPPS), do trabalho, do consumidor e de família. É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e pós-graduado (lato sensu) em direito constitucional, direito do trabalho, civil, consumidor e família. É sócio do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados que possui unidades em Curitiba-PR, Campo Grande-MS e São Paulo-SP, mas atende clientes em vários Estados brasileiros.