No comércio, maioria de atestados é apresentada após finais de semana e feriados
Uma das formas de reduzir o problema é reforçar práticas básicas de saúde ocupacional e reorganizar a gestão
Entidades que representam os setores de comércio, serviços e turismo de Mato Grosso do Sul afirmam que os atestados médicos de até 15 dias, e não os afastamentos superiores a esse período, são os que mais prejudicam as atividades e causam prejuízos hoje no setor. Ocorre que quando o tempo é maior que 15 dias, o empregado precisa acionar o INSS e depende de perícia para receber o seguro-saúde, normalmente pago com meses de atraso.
RESUMO
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Empresas de Mato Grosso do Sul relatam que atestados médicos de curta duração, especialmente apresentados após finais de semana e feriados, são os que mais prejudicam suas operações. Segundo a Associação Comercial e Industrial de Campo Grande e a Fecomércio, mais de 40% das ausências justificadas levantam suspeitas. Os impactos incluem custos financeiros diretos, necessidade de horas extras e queda na produtividade. Para combater o problema, a Câmara Municipal aprovou o projeto de lei do Atestado Responsável, visando reduzir fraudes e uso indevido de atestados médicos.
O assunto voltou a ser pauta depois de apresentação de projeto na Câmara Municipal para tentar coibir a quantidade de pedidos de afastamento. Para entender qual a dimensão do problema, o Campo Grande News ouviu os trabalhadores, a Acicg (Associação Comercial e Industrial de Campo Grande) e a Fecomércio (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de Mato Grosso do Sul).
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Segundo as instituições, o número de atestados médicos curtos apresentados pelos trabalhadores é muito maior do que o de afastamentos superiores a 15 dias, que são pagos pela Previdência Social, o INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social).
Nesta semana, a Câmara Municipal aprovou o projeto de lei do Atestado Responsável, que pretende reduzir a sobrecarga nas UPAs e postos de saúde e desestimular o uso indevido ou fraudulento de atestados.
A Associação Comercial afirma que “existem muitos afastamentos de até 15 dias ou atestados de poucos dias, principalmente antes e após finais de semana e feriados, que provocam uma percepção de falta de critérios ou má conduta, prejudicando os bons funcionários, a produtividade e a manutenção dos postos de trabalho”.
A Acicg destaca que, no comércio da Capital, os afastamentos longos estão mais ligados a acidentes de trabalho e, sobretudo, a transtornos mentais, como ansiedade e depressão, que vêm crescendo entre trabalhadores. Mas a maior preocupação é a repetição de atestados curtos, que não chegam ao INSS, mas desorganizam equipes inteiras e geram custos diretos às empresas.
Segundo a entidade, esses danos vão desde custos financeiros até impactos organizacionais: pagamento dos primeiros 15 dias de salário, horas extras para cobrir ausências, contratação e treinamento de substitutos, queda na produtividade e aumento do retrabalho.
Uma das formas de reduzir o problema, avalia a associação, é reforçar práticas básicas de saúde ocupacional e reorganizar a gestão laboral, desde campanhas de prevenção até atenção à ergonomia. “Para contribuir com o bem-estar, as empresas devem oferecer boas condições físicas e cumprir as normas de segurança e saúde do trabalho. Oferecer qualificação aos funcionários estimula o desempenho e auxilia na prevenção de problemas de gestão e de ordem física.”
Fecomércio - O vice-presidente da Fecomércio e presidente do Seac-MS, Daniel Amado Felício, afirma que o setor enfrenta problema crescente: adulteração, falsificação e venda de atestados, sobretudo os de curta duração.
Segundo ele, mais de 40% das ausências justificadas em empresas de comércio e serviços levantam suspeitas. “O aumento de práticas fraudulentas compromete a legitimidade do benefício e prejudica a atividade empresarial, que gera emprego e renda”, afirma.
O setor, que representa cerca de 70% do PIB de Mato Grosso do Sul, é composto majoritariamente por micro, pequenas e médias empresas, com margens reduzidas e equipes enxutas. Por isso, qualquer ausência, relata o dirigente, gera impacto financeiro direto.
Felício afirma que o ambiente empresarial também está pressionado pela alta carga regulatória. “Somente para atender às obrigações legais, são necessários inúmeros laudos, programas de SST e equipes multidisciplinares.”
Com a atualização da NR-01, que incluiu fatores psicossociais no gerenciamento de riscos, o peso ficou ainda maior. “Muitas empresas não conseguem sustentar essa estrutura. A atuação coletiva das entidades é essencial para criar modelos viáveis de cuidado com a saúde mental”, explica.
Sobre possíveis abusos, ele pontua que empresas com SESMT (Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho) estruturado conseguem monitorar afastamentos com mais precisão, cruzar informações, investigar padrões e planejar retornos seguros.
Já os pequenos negócios dependem de serviços terceirizados oferecidos pelas entidades do sistema confederativo. “O desafio é coibir práticas indevidas sem prejudicar quem realmente precisa do benefício”, conclui.
O que acha o trabalhador
Para muitos, o debate sobre fiscalização chega em momento inadequado, diante da falta de medicamentos e da dificuldade de acesso a tratamentos básicos. Marcelo Augusto, 31 anos, cozinheiro, foi à unidade de saúde em busca de um encaminhamento para exames, mas saiu com um atestado de 14 dias devido a uma infecção no dedo. Segundo ele, o problema central não está nos atestados, mas na ausência de remédios.
“Eu acho que tem coisa mais grave no momento. Agora não tem medicação. Tive infecção no dedo e tive que comprar tudo. Aqui mesmo você vê todo mundo indo embora sem remédio. Ninguém vai querer vir aqui só passear”, afirma.
Ele reconhece que há casos em que o atestado não é necessário, mas acredita que a discussão coloca médicos e pacientes em uma disputa que “não caberia a eles”. “Existem problemas maiores agora, principalmente na saúde. Não acho interessante mexer nisso no meio de uma crise”, critica.
Ariane da Silva, 32 anos, secretária, acompanhava a filha no dia de folga e não precisou de termo de comparecimento. Para ela, há quem procure atestados sem real necessidade, mas essa não é a regra.
“É meio a meio. Tem muita gente que precisa, eu mesma pego direto porque preciso. Mas muitos também pegam porque não querem trabalhar”, avalia. No ambiente profissional, a ausência de colegas pode pesar.

“Sobrecarrega muito. Tem que trabalhar dobrado, fazer o seu serviço e o de outro”, relata. Ainda assim, ela não vê sentido em ampliar a fiscalização. “O patrão sabe quando o funcionário pega sem necessidade. É só conversar. Às vezes a pessoa pega porque está cansada, sobrecarregada, sem folga. Campo Grande tem coisas mais importantes para fiscalizar do que atestado.”
O dentista Gabriel Ribeiro, 31 anos, também saiu da unidade com um atestado, mas preferiu não dizer quantos dias recebeu. Ele confirma que há quem busque atestado sem necessidade, mas reforça que a situação da saúde pública também influencia. “A saúde aqui está caótica. Remédio não tem. Vou ter que comprar antibióticos”, reclama. Portador de doença crônica, ele depende de atestados para não ser prejudicado no trabalho.
“Tem casos e casos. Em linhas de produção, por exemplo, a falta de um sobrecarrega os outros.” Gabriel lembra ainda que, para alguns, o atestado se torna a única forma de aliviar jornadas pesadas. “Tem empresa que explora muito. A pessoa desanima, adoece psicologicamente. Às vezes não é preguiça, é exaustão. Eu mesmo tenho problemas de saúde, mas passo situações no trabalho que deixam a gente mais sobrecarregado.”
Projeto de Lei - Apesar de não ter a menor chance de vingar, o projeto de lei que cria o Programa Atestado Responsável na Secretaria Municipal de Saúde gerou debate.
O Sinmed-MS (SIndicato dos Médicos) considera inócua a ideia Segundo o sindicato, a proposta não traz nenhuma inovação, apenas repete obrigações já previstas em normas federais que regulamentam a emissão de atestados, prerrogativa exclusiva do médico. A entidade afirma que o texto ignora a hierarquia legal da medicina e pode interferir indevidamente na prática profissional.
O projeto foi aprovado em primeira votação, em regime de urgência, e prevê critérios mais rígidos para a emissão de atestados, além de campanhas educativas e um suposto monitoramento dos documentos.
Para o presidente do Sinmed, Marcelo Santana, o problema do uso indevido de atestados não se resolve por lei municipal, mas por consciência social e fiscalização ética já prevista pelo Conselho Federal de Medicina. Ele reforça que o médico deve confiar no paciente, mas que o paciente também precisa agir com honestidade.
Santana questiona se as atribuições do CFM estão sendo respeitadas e afirma que qualquer mudança deveria envolver o conselho e o Ministério Público. Na avaliação do sindicato, a medida não altera a rotina das unidades de saúde, não apresenta mecanismos reais de fiscalização e tende a funcionar apenas como um instrumento político de sinalização, sem impacto concreto no atendimento.
O CRM-MS informou que não foi consultado sobre o projeto e preferiu não comentar. A Sesau também foi procurada pelo Campo Grande News e ainda não respondeu.






