Após adaptação às aulas on-line, desafio é impedir a evasão em massa
Participação dos estudantes é mínima e professores acreditam que haja alunos que já desistiram do ano escolar
Depois do desafio de adaptar uma estrutura presencial que atende 210 mil estudantes para as plataformas on-line vencido, a REE (Rede Estadual de Educação) luta contra evasão em massa e para manter a participação dos alunos, que têm “desaparecido” das aulas e das atividades escolares, sejam elas digitais ou impressas.
Os números ainda não foram fechados no levantamento bimestral da SED (Secretaria de Estado de Educação), mas a reportagem ouviu relato de professores e da própria secretaria que indicam situação preocupante e revelam que as marcas da pandemia do novo coronavírus estão sendo deixadas não apenas na saúde e na economia, mas também na educação.
Das salas lotadas com 30, 40 alunos nas escolas estaduais, o que se vê hoje, na maioria das vezes, são aulas on-line com menos de dez. E se o argumento é que os estudantes não têm acesso à internet, seria justo acreditar que os materiais disponibilizados de forma impressa nas escolas estão sendo usados, mas não. “Dos materiais dessa semana, apenas uma aluna pegou e devolveu respondido”, contou uma professora de Língua Estrangeira do Ensino Médio que não quis se identificar.
Concursada do Estado há pelo menos 20 anos, ela afirma que não existe uma forma de “cobrar” a presença desses estudantes, já que mesmo diante dos contatos da escola, não há retorno efetivo, apenas promessa. Além disso, tudo indica que ninguém será reprovado este ano, ainda que não desenvolva nenhuma atividade ou avaliação.
Outra docente, também atuando na rede estadual há pelo menos 20 anos na disciplina de Ciências Biológicas, diz que houve aulas on-line que realizou com doi aluno de uma turma de 40. Na junção de turmas para as aulas, de 200 estudantes do 2º ano do Ensino Médio, 11 participaram.
Também sem querer ter o nome publicado, a professora diz: “particularmente, eu acho que porque a gente não pode reprovar o aluno, este ano foi um ano perdido na questão da aprendizagem. O aluno sabe que não vai reprovar, então ele não entra em ação”, avalia.
Apesar disso, ela sabe que há estudantes com “celular ruim, sem notebook ou computador, que não consegue imprimir os materiais, sem internet”, mas analisa que diante dos diversos fatores – pandemia, falta de cobrança e desmotivação – “há alunos que desistiram sim”.
Para o professor de Física, Marco Aurélio Marques, 46 anos, que está há pelo menos 14 anos dando aulas, a escola tem ido atrás dos alunos e os professores também, no entanto, a realidade dos estudantes durante a pandemia mudou, a rotina é outra e muitos começaram inclusive a trabalhar.
“Temos uma resposta até boa nas avaliações, porque de 70% a 80% deles fazem as avaliações. Mas, estão deixando de fazer as atividades e o retorno dessas tarefas é baixo e a escola não é só a prova, tem as aulas e as atividades. Com isso, as notas das provas são baixas, pela falta de prática do conteúdo que eles não estão fazendo”, disse.
O professor comentou ainda que uma das saídas diante desse quadro foi “simplificar o conteúdo”, por orientação da Secretaria de Educação, por isso, mesmo sem aprender de fato, os alunos “tem se mantido dentro da média”. “Temos que basear o conteúdo e as provas em cima do que os alunos estão aprendendo, mas não podemos ir além e está tendo muita perda didática nesse sentido”, lamenta.
Ele cita ainda que apenas 30% do geral dos alunos do Ensino Médio para quem dá aulas seguem rigorosamente todas as atividades e conteúdos aplicados. “Outros, as famílias tiveram queda de renda, perderam emprego, boa parte dos estudantes está tendo que trabalhar para ajudar a manter a casa e isso não é o ideal diante da pandemia, do adolescente ter que sair pra trabalhar, mas acontece”.
O professor também achar que estudantes estão desmotivados, principalmente porque muitos deles não se adaptaram ao novo sistema de ensino. “Alguns alunos do 3º ano tivemos que convencer a continuar estudando, porque queriam parar este ano para fazer de novo ano que vem”, diz, lembrando que o último ano do Ensino Médio carrega o fato de ser o último da vivência escolar “e eles não estão tendo isso”.
Sobrecarga - E se a cobrança não recai sobre os estudantes, ela está frequentemente sobre os educadores. Outra professora, há 15 anos na rede estadual lecionando Língua Estrangeira, afirma que “muitos professores neste período estão afastados, de atestado psiquiátrico, porque não aguentaram a pressão. A SED manda uma informação diferente quase que todo dia”.
Além disso, ela sustenta que não há um planejamento a ser seguido por todas as escolas e assim, cada uma adota a sua forma de atuação. “A SES não elaborou um plano, algo padronizado que todas as escolas tenham que cumprir. Cada unidade de ensino está fazendo de um jeito. Está uma tremenda confusão”.
Isso, em relação tanto às formas de avaliação e notas, quanto em relação ao cuidado e busca dos alunos. “É algo que não aparece, mas a coisa está tensa. Cada um faz do jeito que acha melhor”, relata.
“Há escolas que estão cobrando muito dos professores e alegam que os alunos não estão dando retorno porque as atividades são chatas ou difíceis. Daí o professor é que tem que mudar todo seu planejamento e modificar as atividades já elaboradas para atender o aluno”, reclama.
Professor tanto da rede estadual quanto da municipal, Vagno Lopes do Nascimento, dá aulas de História e afirma que transportar as aulas da sala de aula para frente do computador “triplicou” o trabalho. “Muitas vezes fico até de madrugada trabalhado. Exige muito porque é um trabalho de pesquisa intenso. Não se monta caderno de atividades em menos de três ou quatro horas”.
Ele lembra que há mais trabalho também porque além da preparação das aulas on-line, é preciso fazer as apostilas que são destinadas aos estudantes que não têm acesso à internet e buscam as atividades na escola. “Além do que nosso atendimento aos alunos não acontece mais só no horário de aula. A gente depende muito da disponibilidade do aluno, que nos buscam no privado e a gente tem que sanar a dúvida”.
Secretaria – O superintendente de políticas educacionais da SED, Hélio Daher, confirma todas as dificuldades relatadas pelos professores e sustenta que “lá atrás (quando as aulas presenciais foram suspensas), o desafio era que as atividades pudessem chegar aos alunos da rede. Agora, o desafio é que esse estudante dê uma devolutiva”.
Ele afirma que a secretaria está analisando e tentando identificar por que os alunos estão deixando de interagir com a escola. “Achávamos que não teria isso, mas diretores nos relatam a falta de motivação em devolver as atividades”, diz, enfatizando que será iniciado um trabalho via Whats App de contato direto com a família do estudante, na tentativa de restabelecer o retorno às atividades escolares e motivá-los a participar.
Entre as razões dos estudantes terem se distanciado, Daher cita que há os que começaram a trabalhar ou assumiram trabalhos em casa, como cuidar dos irmãos para os pais trabalharem. Há ainda os que acompanham os pais no trabalho ou mesmo cujas famílias não têm autoridade sobre os alunos, e ainda, aqueles que desistiram por não compreenderem as disciplinas e cujos pais não têm condições de ensiná-los.
“Não temos como estabelecer uma medida única para ajudar esses estudantes. Vamos tentar identificar o perfil desse aluno e dessa família e tentar um contato direto, pelo Whats App, para que haja essa devolutiva e eles externem os motivos dessas dificuldades em acompanhar as atividades”.
Daher lembra que em junho, no final do segundo bimestre escolar, a secretaria fez análise nas 345 escolas estaduais e constatou que dos 210 mil alunos da rede, 98%, ou seja, 205,8 mil estão tendo acesso às ferramentas de ensino neste momento de pandemia.
No entanto, o restante, 4,2 mil, por algum motivo, se desconectaram do ambiente escolar e por consequência, do aprendizado.
O levantamento havia identificado ainda que entre os 205,8 mil alcançados, 80% deles, o mesmo que 164.640, atendem às atividades de maneira satisfatória, com desempenho adequado diante do que é passado. Já os demais 20%, o que corresponde a 41.160, não mostram bastante dificuldade de aprendizado.
Tudo indica que os números de alunos distanciados das atividades ou com dificuldades no aprendizado, tenham aumentado, mas isso só será mostrado em novo levantamento, previsto para o final deste mês.
“Tudo que está sendo feito agora é para minimizar o dano. Não vai suprir o que foi perdido. Haverá um dano severo na aprendizagem deles e nosso papel é tentar diminuir esse prejuízo”, declara.
Sobre a possibilidade de evasão em massa, o superintendente afirma que “a evasão e o abandono escolar está ocorrendo há anos e na Europa, depois da pandemia, está muito grande e nós, aqui no Brasil, já convivíamos com ela antes disso”, pondera, salientando que a busca dos alunos está sendo feita.
Já sobre notas e reprovações, Daher não foi conclusivo e apenas informou que cada escola pode definir a melhor maneira de avaliar o estudante, mas deixou claro que as avaliações definitivas só devem ser feitas quando as aulas presenciais voltarem, o que não têm previsão.