“A sorte foi lançada”: MP critica fim de acordo para desmatar Parque dos Poderes
Promotor reconheceu "intromissão" de juíza, mas voltou a defender que pacto era a melhor saída
O MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) reconheceu a “intromissão” da juíza Elisabeth Rosa Baisch, que autorizou o desmate de 10 hectares no Parque dos Poderes, mas criticou a decisão do juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, titular da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, de anular acordo que previa a derrubada de mata nativa em 11 áreas espalhadas pelo complexo. Para o promotor Luiz Antônio Freitas de Almeida, agora, “Alea jacta est!” – na tradução do latim, “a sorte foi lançada” –, porque para o meio ambiente, pôr fim ao pacto, pode ser pior.
Como já havia defendido em setembro do ano passado, o promotor revela que o MP, que havia ido à Justiça para impedir o Governo de Mato Grosso do Sul de derrubar árvores para a ampliação de estacionamentos, se tornou favorável ao acordo ao notar que, na verdade, ele garantiria a preservação de 11 hectares de mata.
“Durante um cenário de negociação que levou longos anos, após propostas e contrapropostas, após a recusa pelo Ministério Público de outras versões apresentadas e por força da disponibilidade do Estado de Mato Grosso do Sul de aceitar ampliar as áreas protegidas, alcançou-se um ponto final na negociação, com o efetivo ganho ambiental de ampliação da área protegida na lei em 11,05 ha de vegetação nativa, formando um corredor ecológico”, argumentou Luiz Antônio Almeida.
O representante do MP também sustentou que sem o acordo, o Estado “está livre para fazer mais supressões”, desde que faça a proposta à Assembleia Legislativa e tenha o aval, “(...) algo que seria impedido pelo acordo, ante a proibição constitucional de a lei retroagir para prejudicar a coisa julgada e ante a expressa previsão de não criar novas áreas”.
O promotor lança ainda questionamentos que colocam em dúvida se a iniciativa popular de ambientalistas, na verdade, não foi “tiro no pé”. “Os cidadãos que fazem a assistência do Ministério Público, em louvável ato de cidadania, mobilizaram-se para opor-se à celebração do acordo. Creem que têm razão e que vencerão a demanda na esfera judicial. Mas, e se sua projeção estiver errada? E se, em apelação, o Tribunal de Justiça concluir que é o Estado que tem razão e não o Ministério Público e seus assistentes? E se a decisão final judicial for completamente favorável ao Estado? Se esse cenário ocorrer, o que depende da interpretação de quem vai aplicar o Direito, qual será a leitura que se fará do acordo não homologado? Só ao final do processo, após o trânsito em julgado, ter-se-á elementos para concluir, mas crê-se que se lamentará a oportunidade desperdiçada”.
Por fim, ele pondera que, agora, a preservação do Parque dos Poderes depende do Poder Judiciário. “Alea jacta est! Como o juízo recusou a homologação do acordo e ante a oposição dos cidadãos assistentes, que optaram por aguardar a última palavra do Poder Judiciário sobre a disputa, a qual será dada inevitavelmente após recursos manejados pelas partes, o que resta é postular seja sentenciado o feito”.
Imbróglio – Antes que árvores começassem a ser derrubadas, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, suspendeu a homologação do acordo no dia 9 deste mês. A sentença anulada era do dia 15 de janeiro, dada durante as férias de Corrêa.
No dia 4 de setembro do ano passado, advogados representando ambientalistas e populares que são contra o desmate havia feito pedido para atuar na ação civil pública que visava barrar as derrubadas de árvores. No dia 3 de outubro, houve audiência para discutir o assunto, quando o juiz suspendeu o processo por 30 dias para que o Estado apresentasse dados questionados durante a reunião.
Segundo Giselle Marques, uma das advogadas, o texto do acordo não esclarecia, por exemplo, quais áreas de preservação permanente seriam extintas e nem a localização exata dos espaços que seriam desmatados.
No dia 22 de novembro, foi protocolado pelo Estado novo texto e o juiz determinou que ambientalistas o analisassem e se manifestasse sobre o acordo, mas enquanto transcorria o prazo, Ariovaldo Corrêa tirou férias e a juíza Elisabeth Baisch, da 3ª Vara do Juizado Especial, homologou o acordo que estava sendo questionado.
Os ambientalistas recorreram requerendo a anulação da decisão argumentando que a sentença havia sido dada “em momento no qual o processo nem mesmo estava concluso, em plenas férias forenses, por uma magistrada que não constava da lista de substitutos legais, em flagrante violação ao princípio do due process of law [devido processo legal]”.
Em tom de denúncia, Ariovaldo Nantes Corrêa revelou os últimos bastidores da ação instaurada em 2019. Ele explicou como teve planos “atropelados” pelo despacho da colega.
“Difícil compreender a conduta da juíza em substituição nesta vara, haja vista que na sentença atacada faz constar expressamente que ‘o Dr. Ariovaldo Nantes Corrêa, ilustre Juiz titular da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais, conduziu o feito ao longo desses anos com maestria, imprimindo modelo de organização cooperativa, de forma a permitir uma ampla gama de manifestações e uma robusta coleta de prova técnica’, mas desconsidera todo o trabalho feito na construção de uma solução que melhor atendesse ao interesse de todos, mesmo após a ressalva que lhe foi feita pelo titular de que iria realizar nova audiência de tentativa de conciliação para aparar eventuais arestas”, registrou o juiz.
O juiz também lembrou que o próprio TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) tinha interesse que a 1ª Vara de Direitos Difusos decidisse a favor do desmatamento no Parque dos Poderes, já que pretende construiu novo Palácio da Justiça.
“Tirar da rotina própria um processo que está aguardando decurso de prazo para eventual manifestação das partes, que não é urgente, sendo que a medida liminar havia sido apreciada muito tempo atrás, para proferir rapidamente sentença em processo complexo e do qual não tinha qualquer conhecimento por não haver atuado, mesmo após esclarecimento feito pelo titular, não parece ser uma conduta a ser desconsiderada no exame das alegações feitas pelos embargantes, sobretudo por haver sido designada em desatenção à ordem de substituição desta vara e com evidente interesse da administração do TJMS na homologação do acordo e no prosseguimento da obra do ‘Palácio da Justiça’”.
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