Dívidas, falta de apoio e arquibancada vazia: o cenário do futebol de MS
Falta de apoio, dívidas, um desempenho em campo bem abaixo do que foi visto no auge da década de ouro, arquibancadas com menos de 100 pagantes por partida. Este é o cenário atual do futebol sul-mato-grossense.
Há algumas semanas, os dois principais clubes em atividade de Mato Grosso do Sul expuseram a situação financeira que enfrentam. Colocaram em evidência mais uma vez os problemas que o futebol regional enfrenta.
Diante dessa situação, o Campo Grande News conversou com dirigentes dos principais clubes do Estado e traz um panorama atual do esporte em MS.
Esporte Clube Comercial - A diretoria do Comercial resolveu expor as dificuldades atuais em sua rede social, onde declarou estar “no fundo do poço” e com entraves para continuar com suas atividades. Depois, foi a vez dos jogadores ameaçarem não entrar em campo pela Série D do Brasileirão caso os salários em atraso não fossem quitados.
O W.O acarretaria em um afastamento de dois anos do Colorado de competições nacionais. Vale destacar que a equipe deixou a disputa na primeira fase.
Segundo o presidente do Comercial, Ítalo Milhomem, a situação que o time enfrenta é fruto de erros administrativos de gestões anteriores. Sem revelar o valor total das pendências, só de folha salarial a dívida chega a R$ 200 mil.
Ítalo pontua que as dívidas acumuladas neste ano seriam quitadas por uma verba de R$ 200 mil que a Fundesporte (Fundação de Desporto e Lazer de Mato Grosso do Sul) repassaria ao clube por sua participação na Copa do Brasil e na Série D. O Comercial não teve acesso ao dinheiro por não possuir CNDT (Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas).
Sem verba, o desempenho do time dentro de campo não é o mesmo. “Todo desempenho depende de receitas. Com certeza o fator financeiro foi o responsável pelo declínio do trabalho do Comercial em campo. Fizemos pré-temporada e o desempenho era bom, mas a Série D envolve recurso. No estadual tínhamos apoio do governo, que dá hospedagem e alimentação. Era um custo a menos, fora os patrocínios, que acabaram antes da Série D. E a Série D não tem a mesma exposição do Estadual, que é sempre televisionado", afirma Ítalo.
O clube não teve nenhum lucro com sua participação no Estadual, já que 30% da renda dos jogos como mandante estava penhorada para o pagamento de dívidas trabalhistas. “Não tivemos lucro na Série D também. Os jogos davam prejuízo porque tinhamos menos de 100 pagantes por partida. Era prejuízo de mais de 2 mil por jogo”.
O Comercial, agora, trabalha o planejamento para 2017 e busca permanecer na Série D, além do projeto de estrutura física, com a construção do Centro de Treinamento do time no Bairro Oliveira 2.
“A área já está em posse do Comercial há alguns anos, mas outras diretorias não chegaram a construir. É a nossa prioridade. Os times de Campo Grande não têm campo próprio, exceto o Cene, e os times tradicionais perderam espaço. Precisamos agora investir em comunicação para atrair o torcedor, além da volta do Morenão ser fundamental para o futebol da cidade. Temos que buscar engajamento dos torcedores e motivar os antigos para que voltem a apoiar o time”, finalizou.
Sete de Dourados - Atual campeão estadual e único representante de Mato Grosso do Sul em uma competição nacional, o Sete não escapou dos problemas que a falta de apoio financeiro acarreta a um clube.
Na quarta-feira passada (20), os jogadores da equipe douradense convocaram entrevista coletiva, que durou cerca de 50 minutos, em que falaram dos problemas financeiros do clube e pediram mais atenção do poder público, de empresários e da FFMS (Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul).
Tony Montalvão, gestor do time, explicou que a empresa responsável pela administração do Sete chegou com a promessa de receber R$ 150 mil mensais para arcar com as despesas de gestão, porém esse dinheiro nunca foi pago. “Até hoje, tudo que foi feito veio do bolso da empresa”.
Sem detalhar o valor da dívida total, Tony afirmou que os salários que estão atrasados seriam pagos ainda nessa semana. “Não é só as dívidas trabalhistas, acontece que o time não tem apoio nenhum. Nem os empresários apoiam o Sete. Assim como o Sete e todos os times de Mato Grosso do Sul que começam a fazer um trabalho sério, herdam as gestões passadas, e o que foi feito de errado recai na diretoria atual”.
O Sete está conseguindo limpar os resquícios passados que mancharam a imagem do time. "O cenário e o trabalho é diferente, e o Sete vai chegar nesse potencial e mostrar que o trabalho dentro de campo merece respeito e patrocínio. Enquanto isso não aparecer, temos que colocar do próprio bolso. Já vendi carro e outras coisas pessoais para segurar. Vamos continuar de um jeito ou de outro. Nós vamos tentar o acesso”.
Operário Futebol Clube - Estevão Petralhas declara, orgulhoso, que o Operário está finalmente, após dez anos, regularizando sua situação contábil. Com débitos de R$ 3 milhões, o presidente contou que o time, que antes não tinha contador e não fazia declaração do imposto de renda, tem sede provisória, diretoria com 23 membros, conselho deliberativo e todos os documentos legais.
“Estamos tentando fazer um verdadeiro clube, atuando o ano inteiro com o futebol em plena atividade. Além do time da série A do Estadual, temos os times de base, incluindo o naipe feminino, sub 13, 15 e 19, o último treinando todos os dias. Somos o único time do Estado que está no time mania, dinheiro que ajuda a cobrir as dívidas”.
O débito do clube está sendo refinanciada através do Profut (Programa de Modernização do Futebol Brasileiro) em 240 parcelas mensais. “Como o time mania tem ajudado a enxugar a dívida com o fundo, acredito que em dois anos e meio, só pelo Profut, vamos conseguir quitar. Mas a tentativa é buscar outra fonte de receita e quitar de vez isso para sair do sistema do programa de outras maneiras”.
Para Estevão, o Galo precisa readquirir credibilidade perante a opinião pública e dos torcedores. “Tomamos cuidado com isso, porque mexemos com a paixão do povo. Não tem outro jeito, não dá para ser inconsequente. Estamos longe do que precisamos, mas buscamos o retorno da credibilidade no gestor. Conseguimos resultados em campo e perceberam a mudança. Não é o ideal, mas é diferente do que foi feito a dez anos".
A equipe do Campo Grande News tentou contatar a diretoria do Cene para comentar a atual situação do clube, porém não conseguiu falar com nenhum dirigente.
"Cada um tem que cuidar da sua casa" - Em conversa com os três dirigentes, todos destacaram, entre os problemas administrativos que enfrentam, a falta de apoio da FFMS. Para eles, a federação deveria dar mais dinheiro aos times.
À reportagem, o presidente Francisco Cezário foi enfático. "Cada um tem que cuidar da sua casa. A Federação não tem obrigação nem condições de ajudar financeiramente os times".
Segundo Cezário, o único papel da federação é organizar campeonato oficiais, e não possui verba para ajudar os clubes. “Nós recebemos R$ 75 mil por mês da CBF para arcar com os custos de manutenção, salário do quadro de funcionários e outras despesas da federação,e esse dinheiro não é o suficiente para cobrir as despesas. Não temos dinheiro para arcar com os custos dos times”. Conforme o presidente, o Campeonato Estadual deste ano rendeu a federação um prejuízo de R$ 310 mil.
Sobre as dificuldades que os times enfrentam para participar dos campeonatos, Cezário rebate. “Eles sabiam do compromisso deles. É responsabilidade dos clubes, não cabe a Federação mandar na casa de outra pessoa, no time e nas competições deles. É questão de planejamento”.
Questionado sobre o declínio do futebol sul-mato-grossense, comparado as décadas de 70 e 80, quando o Operário chegou a 3ª colocação do Campeonato Brasileiro Série A, Cezário afirmou que isso não existe.
"Naquela época, a oportunidade existia porque tinham pessoas com grandes fortunas que transformavam isso em paixão. De dez anos para cá, o futebol é empresarial. E nós não temos apoio. Há 22 anos eu espero que apareça um grupo de empresários e investidores para que tenha uma grande equipe", encerrou.