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Comportamento

Debate alerta para "o que ninguém está vendo" no projeto Escola Sem Partido

Segundo professores, proposta acaba, inclusive, com espaço para alunos denunciarem abusos

Thailla Torres | 18/05/2018 07:16
Imagem usada em campanhas contra a proposta que quer limitar debates dentro das escolas. (Foto: reprodução)
Imagem usada em campanhas contra a proposta que quer limitar debates dentro das escolas. (Foto: reprodução)

Durante três horas, alunos e professores da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) conversaram nesta semana sobre uma das questões que tomam conta do cenário político e educacional no Brasil, o projeto Escola Sem Partido. Prestes a voltar ao debate na Assembleia Legislativa, em audiência pública no dia 23, o assunto recobra as forças em Campo Grande.

Na quarta-feira, alunos e professores partiram para o ataque. Falaram para pouco mais de 40 pessoas sobre o projeto de lei que, aos olhos de quem acredita no diálogo, pode ser inimigo da democracia. Para quem chega de fora e reflete um pouco sobre o futuro da irmã, primo ou filho do vizinho que está na escola, triste foi ver a ausência da família na discussão.

Agnes Viana deu início ao debate. (Foto: Thailla Torres)
Agnes Viana deu início ao debate. (Foto: Thailla Torres)

Quem abriu a conversa foi a acadêmica e coordenadora do Centro Acadêmico de Pedagogia da UFMS, Agnes Viana, que leu na íntegra o projeto proposto pelos deputados Mara Caseiro, Coronel David, Paulo Siufi, Lidio Lopes e Mauricio Picarelli, também representantes da bancada evangélica.

Em um dos parágrafos a lei diz que a escola não pode se meter no “amadurecimento sexual dos alunos, nem permitirá qualquer forma de dogmatismo ou proselitismo na abordagem das questões de gênero”.

Para quem é contra a proposta, esse tipo de censura compromete, inclusive, questões vitais para os adolescentes. “A lei não está falando do que aluno vai compreender de identidade de gênero, mas está falando do debate sobre primeira menstruação, sobre preservativo, a importância de fazer uma relação sexual segura, ou seja, ele está proibindo tudo isso que faz parte do processo de desenvolvimento sexual do aluno”, defende Agnes.

Segundo o doutor em educação, Guilherme Rodrigues Passamani, na maioria das vezes, é na escola que alunos conseguem se abrir sobre sexualidade e ter a coragem de revelar as dificuldades sofridas em casa, inclusive, denunciar abusos.

“A escola é talvez, ainda, o único lugar onde há liberdade de expressão. É na escola que a criança conta para o professor que foi tocada por alguém mais velho, é na escola que ela consegue denunciar ao coleguinha e a maior parte dos professores não são violadores de crianças, são eles que levam esses casos às denúncias. Então o que vemos é a tentativa de uma pauta moral criminalizando as diferenças”.

Guilherme não deixou passar batido que o projeto inicial da Escola Sem Partido em Campo Grande foi apresentado pela primeira vez, em 2014, pelo ex-vereador Alceu Bueno condenado por exploração sexual e assassinado em 2016.

Guilherme Passamani a esquerda e Diogo Fogaça a direita. (Foto: Thailla Torres)
Guilherme Passamani a esquerda e Diogo Fogaça a direita. (Foto: Thailla Torres)

Se dizer uma escola sem partido, sem lado, é outra contradição exposta no debate. “Uma escola que se diz sem partido toma um lado, toma uma perspectiva, porque ninguém fala de nenhum lugar, a gente fala a partir de nossos conhecimentos, a partir do que a gente viveu, ninguém fica idôneo. Inclusive, é pedir demais de o professor ser alguém fora da escola e uma máquina sem pensamento crítico em sala de aula”, acrescenta a coordenadora.

Mais do que conteúdo, o debate pontuou sobre a escola ser um ambiente para que o aluno tenha oportunidade de lidar e aprender a conviver com todas as diferenças, sejam elas sociais, econômicas ou de gênero. “O que há por trás da Escola Sem Partido é um ódio à diferença e a tentativa de confundir ela com a desigualdade. Quando vemos a diferença como um problema, nós não conseguimos dialogar e isso é o que querem fazer, tratando este assunto como o grande mal da humanidade”.

Quando o assunto é educar, no papel do professor, o diálogo já é visto como um desafio em muitas salas de aulas, de escola e até da universidade. Com a aprovação de um projeto como esse, pouco ou quase nada se avançaria quanto a debates, discussões e estímulo de pensamento crítico do aluno. “A gente não consegue fazer com o que nossos alunos leiam os nossos textos. Com o projeto, há uma cortina de fumaça para questões muito importantes que estruturam a escola brasileira”.

Professor Mestre Diogo Fogaça, do curso de Engenharia de Produção, aceitou o convite e apresentou as perspectivas de quem não está profundamente envolvido com o assunto. Na visão dele a lei é de retrocesso. “Atinge principalmente o Ensino Fundamental e Médio, mas já vemos várias iniciativas de cerceamento desse debate dentro das universidades”, diz, ao lembrar, por exemplo, das denúncias de aulas sobre o Golpe de 2016, que estão acontecendo na UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul). “A universidade deveria ser um espaço de máxima liberdade”, acrescenta.

Antes de dar voz ao público, quem assumiu a bancada foi o professor doutor Marcelo Victor da Rosa, que deu início a sua apresentação com um vídeo daqueles de deixar qualquer pessoa, com um mínimo de consciência, de cabelo em pé. No telão o vídeo de uma campanha de conteúdo religioso exibe crianças em uma campanha contra a ideologia de gênero.

Trecho da campanha que usa crianças contra a ideologia de gênero. (Imagem: Reprodução Youtube)
Trecho da campanha que usa crianças contra a ideologia de gênero. (Imagem: Reprodução Youtube)

Com frases do tipo “Meu Deus nunca erra", "Querem confundir também a nossa fé" e “Eu sou o que sou porque meu Deus me fez assim”, o vídeo produzido e publicado pela organização cristã "O Mundo de Otávio" continua sendo veiculado nas mídias sociais usando imagens de crianças para defender que transgêneros são aberrações.

“Dá medo, não dá? ”, questiona o professor após o vídeo. E acrescenta. “Quando eu entendo que existe outras configurações, de sexo e gênero, isso é ser plurilateral e não ser preconceituoso em uma escola”.

Entre os posicionamentos da plateia, o professor e mestrando em Estudo de Linguagens, Rodrigo Nascimento, concluiu que o grande problema do projeto é que os principais pontos não estão sendo questionados sobre a formação dessa lei.

“Professores e estudantes, não foram questionados sobre o cunho e isso é preocupante, porque tem sido essa a norma do nosso País, ou seja, quem rege a lei não tem sido chamado para o debate, quem mais precisa saber”, afirma.

"O que é a escola sem partido? É uma censura", define. “Não podemos naturalizar isso. Porque desde o golpe, tem sido aprovada uma série de direitos que a população não tem sido perguntada e isso é muito grave para a democracia. Nós temos que levar esse debate para dentro das nossas casas e em todo lugar”, reforça.

Para quem quiser compreender, debater ou tomar conhecimento sobre o projeto Escola Sem Partido, haverá outro debate na próxima segunda-feira (21) na UEMS, às 19h, e o convite é para todos.

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