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Comportamento

Lavanderia fecha após 57 anos; história começou com 2 ferros de passar na mala

Paula Maciulevicius | 29/01/2014 09:25
A história da lavanderia merecia um capítulo no Lado B. No entanto, não se imaginou que contaríamos das portas se fechando. (Foto: Marcos Ermínio)
A história da lavanderia merecia um capítulo no Lado B. No entanto, não se imaginou que contaríamos das portas se fechando. (Foto: Marcos Ermínio)

Foram 57 anos passando roupas ao som da polca paraguaia vinda do radinho acompanhado de um tereré gelado. Uma das mais antigas lavanderias da cidade hoje exibe a placa de ‘aluga-se’, cinco meses depois da morte da dona Chinita. As roupas ninguém mais recebe. Assim como entrega não se faz, o chiado do ferro da Tupi não se ouve mais.

O nome da lavanderia brincava com a origem dos donos, ‘seo’ Antônio Benitez e dona Chinita, paraguaios, vindos do país vizinho apenas com o dinheiro de um mês de aluguel no bolso e dois ferros de passar na mala. Ela, a ‘menininha’ tinha de registro o nome de Justina.

A história da lavanderia merecia um capítulo no Lado B. No entanto, não se imaginou que contaríamos das portas se fechando. De personagens, restaram os filhos e as lembranças do barulho do maquinário da rua Paissandu.

O ano era 1956 e o endereço, o primeiro dos três, na rua 14 de Julho, aos fundos da sorveteria da Mió. O começo foi simples e incerto. Os relatos da família dão conta de que foi o egresso da Segunda Guerra e parente do casal, Américo Benitez quem ajudou na compra das primeiras bancas de passar. Em seguida, veio então o primo distante, Taquapi, que trabalhou até a lavanderia fechar.

Por ali ficaram 10 anos até se mudarem para a rua Maracaju, onde enfim, a lavanderia ganhou o nome “Lavanderia e Chapelaria Tupi”. Além de tintureiro, ‘seo’ Antônio também era chapeleiro. Depois de quase três décadas no mesmo ponto, os donos do imóvel venderam o prédio e eles tiveram de mudar para onde já tinham a casa, na rua Paissandu, no bairro Amambaí. Até 1996 as entregas eram feitas por ‘seo’ Antônio, em um Fusca azul.

Casal Chinita e Antônio saindo dos fundos de onde funcionou a primeira lavanderia Tupi.
Casal Chinita e Antônio saindo dos fundos de onde funcionou a primeira lavanderia Tupi.

Quando chegava à casa, a roupa parecia um presente. Embrulhada num papel rosa, de fato o que ia para a lavanderia voltava como novo. O cheiro, o bem passado, vinha tudo impecável. Antônio morreu naquele ano, vítima de um AVC (Acidente Vascular Cerebral). Em seu lugar, o filho Lourenço, ficou. Veio de Dourados para cuidar da lavanderia e da mãe. Dona Chinita, apesar do sangue forte, ficou fragilizada pela perda. Lourenço, que quando criança era o responsável pelas entregas, voltou ao ofício adulto.

“Ele passava e entregava, ela marcava as roupas e coordenava as entregas. Mamãe não gostava de lavar roupa de bater, ela gostava de roupa de festa, de vestido de casamento e sempre dizia nós somos profissionais”, recorda a filha Ivone Benitez Fernandes de La Reguera.

A clientela se formou com a influência dos japoneses e libaneses, alguns deles ficaram até o ferro cessar.

A verdade é há pelo menos quatro anos a lavanderia Tupi não se pagava mais. Segundo a filha Ivone, eles mantiveram as bancas abertas porque era o movimento de passar do ferro que mantinha Chinita viva, pelos clientes fieis de 30 anos e pelo irmão Lourenço, que apesar de ser engenheiro elétrico, tinha na lavanderia uma parte de sua vida.

“O médico disse que a lavanderia era o amor da vida dela, não podia tirar. Ela morreu em agosto, morreu sorrindo”.

Dos tempos de ouro, ‘seo’ Antônio teve até chácara e ganhou um bom dinheiro. Junto da esposa criou quatro filhos e ergueu uma casa e um salão comercial só da renda da lavanderia. “Um dia meu pai colocou um banco e ficou olhando para o Horto e disse eu vi essa cidade crescer, cheguei aqui com o dinheiro do aluguel, dois ferros de passar roupa, aluguei um salão do japonês. Dormia numa caixa de papelão, a mesa era uma caixa de maçã, mas em um mês eu consegui comprar meus móveis, porque encontrei gente maravilhosa em Campo Grande, eu nunca fiquei sem serviço nessa terra”, reproduz Ivone.

No dia 11 de janeiro, às 11h30, Taquapi terminou lentamente de passar a camisa do advogado José Canrobert. Foi a última encomenda. “Ele passou bem devagar e aí entregou pra ele. O Lourenço deu a banca e o ferro de presente para o Taquapi, para o tio levar de lembrança”, narra Ivone entre lágrimas. O primo distante foi funcionário, amigo e quem dividiu a vida com os Benitez.

Do homem chamado Taquapi e uma lavanderia chamada Tupi, um dos genros do casal, Jucinaldo Campos, escreve uma homenagem. “Mas viria o tempo em que teria de passar roupa só. E a última peça de roupa a passaria devagar, propositalmente devagar, para não calar o chiado do ferro... Se é que há algo contra o que não podemos nada fiar e que é um dos tristes constados desta vida, como um tereré com água que ninguém tomaria mais e ora se esquentava num costumeiro canto do balcão, é que as máquinas têm seu ciclo, as pessoas têm seu ciclo, as cidades têm seu ciclo; o mundo tem seu ciclo e a vida de uns não se repete em horas como a gente quer...”

O ferro e as máquinas de lavar findaram seu ciclo. A lavanderia Tupi está sendo reformada para ficar só um salão comercial.

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