Para mostrar o que ninguém vê, Paulo criou 'novela de caminhoneiro'
No perfil ele mostra perrengues, dá conselhos e até ajuda nos cálculos de combustível

A vida na estrada que o motorista de caminhão Paulo Victor compartilha nas redes sociais é a que muitos não enxergam quando veem os veículos circulando pela cidade. Para mostrar se vale a pena ou não investir na carreira, os prós e contras da decisão e as reflexões sobre a vida solitária sob rodas, ele criou o perfil ‘Novela de Caminhoneiro’.
Entre o conteúdo diverso, vídeos sobre quanto ganha um motorista de caminhão, a falta que um banheiro digno pode fazer e a saudade do filho ganham destaque. Ali ele conta que não tem febre, doença ou “desculpa”: o trabalho precisa ser feito. Assim como qualquer profissão, ela tem um preço. Se, por um lado, ela dá um bom retorno financeiro, por outro, rouba momentos preciosos ao lado de Noah.
“Acho bacana começar por onde a viagem começa, que é na hora de sair de casa, que vem o que eu considero como o maior desafio: deixar a minha família em casa, deixar meu filho. A saudade eu acho que é o maior desafio que a gente enfrenta. Aquela hora que eu abro a porta de casa, caminho até o caminhão e viajo. É o momento mais difícil”.
A ideia de contar a rotina surgiu quando ele sentiu que o caminhoneiro precisava de mais pessoas que os representassem, que falassem por eles as coisas que acontecem na estrada.
“Tem muita coisa que acontece que vai contra o caminhoneiro, que dificulta o trabalho, e aí eu decidi começar a gravar e mostrar isso para as pessoas. Também queria registrar aqueles momentos, porque, querendo ou não, estou deixando minha família em casa, meu filho é muito pequeno, e aí com o passar dos anos ele poderia ver o que eu estava fazendo, como é que era a nossa luta”.
A carreira não é uma ideia nova. Há 10 anos ele já se aventurou pelas estradas a bordo dos caminhões, mas resolveu dar uma pausa. O retorno aconteceu alguns anos após o nascimento do filho.
“Eu tive um contato com o caminhão muito cedo, tirei a carteira cedo, tinha um tio que trabalhava como caminhoneiro, e eu achava muito bacana aquilo. Sempre gostei muito de tudo que é movido a combustão: máquinas, avião, caminhão, carros, motos. Sempre fui muito apaixonado. E, no decorrer da vida, eu tirei a carteira, tive a oportunidade de ter contato com o caminhão”.

Paulo até tentou fazer outras coisas, mas nada era bom o suficiente financeiramente. Hoje, ele ganha em média R$ 6 a R$ 8 mil por mês. Segundo ele, o valor compensa alguns riscos, mas ele não recomenda a profissão para quem pode fazer outra coisa da vida.
“A gente se acostuma a ter um valor ali. Eu tentei ser motorista de aplicativo, tentei vender online. Eu não tinha intenção de voltar agora, queria passar mais um tempo com meu filho. Foi a questão do dinheiro rápido, que você faz em 2, 3 viagens".
Ele comenta que o filho é muito pequeno para entender a ausência do pai nesses momentos, mas que a esposa desaprova a profissão.
“Ele tem dois anos, mas gosta muito de caminhão. Acho que uma das primeiras palavras que ele falou foi ‘minhão’. A minha esposa não gosta muito, ela gostaria que eu procurasse outras coisas. Mas a gente tem que fazer aquilo que a gente gosta, a gente tem que trabalhar”.
No final das contas é isso que Paulo gosta de fazer. E, apesar das dificuldades e do medo de acidentes, ele ainda consegue ver beleza na paisagem.
“É indescritível. Eu me encanto com tudo: com o sol nascendo, com a noite, a lua, as paisagens, o caminhão em si ali, em conhecer pessoas e lugares”.
Falando em lugares, Paulo já esteve em vários estados. Os que ainda não conheceu são Acre, Amazonas, Roraima, Amapá, Rondônia, Espírito Santo, Sergipe e Alagoas.
Quanto aos momentos críticos, o caminhoneiro relembra de uma vez comeu um peixe no Pará e passou mal a viagem inteira. “Tive uma infecção alimentar, vim vomitando a estrada inteira. Eu tinha que parar o caminhão na beira da estrada e correr para o mato. Nunca esqueci essa coisa.”
Sobre os acidentes na estrada, Paulo afirma que não tem medo de morrer, mas que teme o sentimento de que algo possa acontecer e conta que isso aumentou depois que Noah nasceu.
“Eu sempre gostei muito de adrenalina e nunca tive esse medo, até que o Noah nasceu. Depois disso, constantemente, quando eu pego o caminhão e volto para a estrada, eu tenho medo de morrer. Mas não é um medo de deixar a vida, é um medo de que o Noah possa precisar de mim nos próximos anos. Não por questão de dinheiro, mas do pai dele. Eu quero viver muitos momentos com ele, quero passar por várias fases da vida dele".
Apesar de cansativo, dos perrengues, das surpresas do caminho e da saudade, Paulo faz o que ama.
“A cada dia que passa eu sinto que estou fazendo o que eu gosto, o que é para mim. Eu acho as coisas boas, os sentimentos bons que a gente tem ali em certos momentos. A gente não se cansa de trabalhar, apesar de ser cansativo”.

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