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Meio Ambiente

'Injustiçado do Cerrado', lobo-guará ganha cédula, mas sofre com atropelamentos

Símbolo da nota de R$ 200, o animal perde espaço para agricultura e é vítima de atropelamentos

Silvia Frias | 06/08/2020 16:34
Natural do Cerrado, lobo-guará é exímio caçador, com audição aguçada e extremamente ágil (Foto/Divulgação)
Natural do Cerrado, lobo-guará é exímio caçador, com audição aguçada e extremamente ágil (Foto/Divulgação)

O anúncio de que o lobo-guará foi o escolhido para estampar a nota de R$ 200 deixou em evidência o animal que pode ser considerado o grande injustiçado do Cerrado. Ele é o “semeador” do bioma, auxiliando na manutenção da mata nativa e está na lista de risco de extinção, potencializado em Mato Grosso do Sul pelos índices de atropelamento, caça e redução do habitat natural.

Aqui em Mato Grosso do Sul, estima-se que 70 animais morram atropelados todos os anos, nas rodovias que cortam o Estado.

“Necessitamos de uma transformação humana a ponto de conseguirmos assegurar o avistamento do lobo-guará não só numa cédula monetária, mas, sim, em seu ambiente natural”, alerta a biológa Simone Mamede, doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional pela Uniderp, em Campo Grande.

Anúncio da nova cédula de R$ 200 (Foto/Divulgação/BC)
Anúncio da nova cédula de R$ 200 (Foto/Divulgação/BC)

No ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) aparece na categoria vulnerável, sob risco de extinção.

O animal é o maior canídeo (mamífero da ordem carnívora) da América do Sul. Com pouco mais de 80 centímetros de altura e chegando a pesar 33 quilos na fase adulta, sofre com a ação humana. A estimativa é que há 24 mil desses animais em território brasileiro, segundo dados divulgados pela Agência Brasil.

O projeto Bandeiras & Rodovias, do Instituto de Conservação de Animais Silvestres faz o mapeamento dos casos de atropelamento em Mato Grosso do Sul desde 2017, monitorando as principais rodovias que cortam o Estado.

Em 3 anos de trabalho, foram registrados 23 lobos-guará atropelados nos trechos percorridos, o que representa 15% dos das rodovias pavimentadas de MS. De janeiro do ano passado até agora, o Cras (Centro de Reabilitação de Animais Silvestres) de Campo Grande recebeu 4 lobos-guará, vítimas de atropelamento.

De acordo com a veterinária do instituto, Débora Yogui, infelizmente, o número levantando no projeto é subestimado, considerado que muitas carcaças somem antes de serem contabilizadas e que alguns animais acabam morrendo longe da rodovia.

Por isso, segundo o coordenador do projeto, Arnaud Desbiez, o número real seja muito maior.

“Fazendo um cálculo para o estado inteiro, podemos estimar que cerca de 70 lobos-guará morrem por ano atropelados nas rodovias do Mato Grosso do Sul”.

Lobo-guará atropelado em rodovia brasileira, situação é uma das preocupantes em MS (Foto: Adriano Gambarini/Sou Amigo do Lobo)
Lobo-guará atropelado em rodovia brasileira, situação é uma das preocupantes em MS (Foto: Adriano Gambarini/Sou Amigo do Lobo)

O lobo-guará é animal predominante do Cerrado, bioma cortado por extensa malha viária. A movimentação deles, eventualmente, inclui cruzar as estradas. Na maioria, jovens em busca de áreas para se estabelecer ou animais mais velhos, sem a antiga destreza.

Simone Mamede também alerta que a espécie tem perdido espaço no seu habitat natural, em áreas abertas e matas, atingido pela expansão do agronegócio e as queimadas sem controle. Para a bióloga, falta rigor na aplicação das leis de proteção e ausência de educação ambiental.

“Mato Grosso do Sul se destaca no agronegócio brasileiro e o agravante é que monoculturas não compartilham espaço com vegetação nativa. Tem-se a ideia de que proteger matas ciliares sejam suficientes, mas, espécies dependentes de Cerrado aberto, como o lobo- guará, não vivem em mata fechada, precisam de área aberta nativa”,  explica a bióloga.

Filhote de lobo-guará (Foto/Divulgação)
Filhote de lobo-guará (Foto/Divulgação)

A ação humana impacta diretamente na preservação da espécie. Na inclusão do lobo-guará como vulnerável, o ICMBio justifica que a população deste animal no Cerrado será reduzida em cerca de 29% nos próximos 21 anos (3 gerações), embasada na taxa média de desmatamento do bioma de 1% ao ano.

Injustiçado – arredio e de hábitos solitários, o lobo-guará não convive nem com sua companheira. No site “Sou Amigo do Lobo”, que mantém mais de 10 anos de trabalho de pesquisa e conservação do animal, a informação é que o casal divide domínio de território, mas basicamente se encontra em períodos de reprodução e, tendo sucesso, nos primeiros anos dos filhotes. Apesar do distanciamento, os pares são formados para vida toda.

Exímio caçador, não é comum se deparar com lobo-guará, principalmente durante o dia. Em maio, vídeo feito em Naviraí, mostrou flagrante do bicho perambulando e invadindo posto de saúde, à noite.


O médico-veterinário Lucas Cazati, do Cras de Campo Grande, diz que o lobo-guará é animal tranquilo, se alimenta de pequenos mamíferos e de frutas.

“Ele é super audaz, tem audição incrível, ágil, se locomove muito bem em áreas fechadas, uma expertise fora do comum”.

Cazati reforça a importância dele para o equilíbrio ecológico. O lobo-guará se alimenta de frutas inteiras, ingerindo sementes que saem nas fezes, prontas para germinar. Muitas vezes isso acontece longe do local de onde o fruto foi apanhado, fazendo do animal um “semeador” do Cerrado.

Uma dessas frutas, segundo o veterinário é a “lobeira” ou “fruta-do-lobo” assim batizada justamente por ser uma das preferidas do animal.

Por se alimentar de pequenos animais (ratos, gambás, tatus, aves, lagartos e até cachorros do mato, acaba sendo visto com maus olhos por produtores rurais, que temem pelos animais domésticos e criações de aves.

Animal que vive em áreas abertas, lobo-guará sofre com ação humana (Foto: Adriano Gambarini/Sou Amigo do Lobo)
Animal que vive em áreas abertas, lobo-guará sofre com ação humana (Foto: Adriano Gambarini/Sou Amigo do Lobo)

O ICMBio desenvolve ações de conservação discutindo com produtores rurais empresas para planejamento das reservas legais com ajustes para permitir a manutenção de várias espécies, entre eles, o lobo-guará. As frentes de trabalho estão no leste da Bahia (onde há plantio de soja), São Paulo e Minas Gerais (produção de café), além dos pequenos produtores.

No Mato Grosso do Sul, Simone Mamede cita o monitoramento do projeto Bandeiras & Rodovias e cuidados com as espécies no Cras, mas avalia que ainda são ações isoladas e diz que precisa de um modelo que envolva governo, terceiro setor, empresas e comunidade. “Não podemos insistir  em um modelo de desenvolvimento que destrói o ambiente para a produção e concentração de recurso”.

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