No coração do Pantanal, uma família de antas quebra tabus sobre fidelidade
Inspirado na novela global, projeto científico transformou 15 anos de pesquisa em saga digna de horário nobre

Quem disse que genética é assunto árido nunca visitou a Fazenda Baía das Pedras, no Pantanal da Nhecolândia. Ali, desde 2008, a equipe do INCAB-IPÊ monitora antas (Tapirus terrestris) com coleiras de GPS, armadilhas fotográficas e coletas de sangue dignas de reality show animal.
RESUMO
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No Pantanal da Nhecolândia, pesquisadores do INCAB-IPÊ monitoram antas desde 2008, desvendando seus complexos relacionamentos e comportamentos sociais. A "Novela pANTAnal", série publicada em 2022, narra a saga de antas como Rita, Benjamin, Justine e Felippe, revelando detalhes sobre seus romances, traições e dramas familiares. O estudo, que utiliza coleiras de GPS, armadilhas fotográficas e coletas de sangue, comprovou que as antas não são monogâmicas, como se pensava. Benjamin, por exemplo, teve filhotes com pelo menos cinco fêmeas diferentes. A pesquisa acompanha diferentes gerações de antas, desde Rita, a matriarca, até sua neta, Tetê, revelando informações cruciais sobre reprodução, dispersão e ameaças à conservação da espécie, classificada como Vulnerável à extinção.
O resultado virou a “Novela pANTAnal: uma saga antológica” com dez capítulos publicados em 2022 nas redes do projeto e agora relançados em português e inglês, com novo design e download gratuito.
Os pesquisadores descobriram tudo: quem se apaixonou, quem traiu, quem sumiu misteriosamente, quem marcou a história da pesquisa sobre as antas, quem era o Don Juan da espécie e até quem não era pai de quem.
Rita, a Maria Marruá da espécie Tapirus terrestris
Tudo começou em agosto de 2010, com a captura de Rita, uma anta madura, serena e carismática, e que viria a ser a protagonista da saga. Com mais de 30 recapturas ao longo dos anos, Rita foi equipada com três colares de GPS e produziu uma avalanche de dados científicos. Mas sua vida sentimental não foi menos agitada.
Após alguma resistência inicial, Rita se envolveu com o galanteador Benjamin, um jovem macho que já dava sinais de seu futuro título: Don Juan do Pantanal. Eles tiveram ao menos três filhotes juntos, dois não sobreviveram, mas o terceiro, Doínho, cresceu saudável e se tornaria parte essencial da geração seguinte.
Benjamin: entre Zé Leôncio e Tenório
Benjamin era presença constante nos registros fotográficos, mas os pesquisadores só entenderam sua verdadeira fama após os testes genéticos: ele teve filhotes com pelo menos cinco fêmeas diferentes, incluindo Justine (que era casada com Felippe!) e até Duda, matriarca de outra linhagem.
Resultado? Um escândalo genético à la novela das nove. Um dos filhos de Justine, Columbus, foi criado por Felippe, mas na verdade é filho de Benjamin.
Apesar do sucesso reprodutivo, Benjamin hoje está sozinho. Teve um filho com Wie (chamado Bastardo), que não sobreviveu. Sua fama não foi suficiente para sustentar relacionamentos duradouros. A vida imita a arte.
Justine, Felippe e o drama de uma mãe que só queria uma filha
Cheia de charme e sonho de maternidade, Justine chegou jovem à fazenda e formou um par improvável com Felippe, um baixinho nervoso que espirrava urina nos cientistas. Tiveram seis filhotes, dos quais quatro sobreviveram, um feito extraordinário para uma espécie com gestação de 13 meses e alta taxa de mortalidade infantil.
Justine sempre quis uma filha fêmea, mas só conseguiu sua Manchinha após muitos machos. E, então, desapareceu misteriosamente. Estava saudável, bem alimentada e ativa. Teorias vão de reencontro com filhotes dispersos a uma busca por um novo amor.
Enquanto isso, Felippe parece ter reencontrado a paixão nos olhos dourados de Wie, a jovem anta que também teve reveses românticos. A união pode ser o recomeço de um novo clã pantaneiro.
A família de Duda e Caio: conflitos geracionais e novos romances
Duda e Caio, casal equilibrado e simpático, formaram a família mais estruturada da novela. Seus filhotes, Valentina, Paula, João Guilherme e Panqueca, tomaram rumos distintos. Valentina 'casou-se' com Doínho (filho de Rita), e juntos tiveram a pequena Tetê, a primeira anta da terceira geração da novela.
Paula se uniu a Victor, um macho forasteiro, e deu à luz a Amanda. E Panqueca, a caçula rebelde, abandonou o problemático Farofo e encantou-se pelo misterioso Trindade, recém-chegado à Baía das Pedras.
Ariel, Jamie e o poder feminino pantaneiro
Outra história que movimenta os capítulos mais recentes é o romance entre Ariel, filha de Wie, e Jamie, filho de Justine. Ariel chegou dominando território e, sem cerimônia, tomou Jamie para si.
Juntos, os dois agora lideram a região das invernadas da Barragem e do Manduvi, monopolizando as salinas e afugentando outras antas. Ariel, aliás, é uma rebelde de primeira: já foi capturada dez vezes e retirou sozinha os colares de monitoramento. Um ícone.
Entre fotonovela e ciência: o Pantanal como laboratório de amor
Apesar da linguagem leve e do humor irresistível, a Novela pANTAnal cumpre um papel científico crucial. A vida das antas, monitorada com precisão, ajuda a entender sua biologia, taxas de reprodução, dispersão e ameaças à conservação. A anta brasileira está listada como Vulnerável à extinção, e sua proteção depende de informações como essas.
Segundo a bióloga Patrícia Medici, coordenadora do INCAB, foi no Pantanal que caiu por terra a ideia de que a espécie é monogâmica. "Hoje sabemos que as antas têm relacionamentos múltiplos ao longo da vida. É uma espécie com comportamento social muito mais complexo do que se imaginava."
Com a chegada da terceira geração (Tetê, Amanda e os que virão), a novela continua, e, com ela, a esperança de que contar novas histórias 'antológicas'.
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