Não é birra, é crise! Entender o autismo é o caminho para a inclusão
Mesmo com muitas conquistas, autistas ainda sofrem preconceito
"A gente sabe distinguir uma crise de uma birra", diz Flávia Caloni, vice-presidente da AMA (Associação dos Pais e Amigos do Autista), o problema, segundo ela, é que a sociedade ainda não. O preconceito se manifesta de várias formas, mas para Flávia que é mãe de João Guilherme, um menino autista, hoje com 15 anos, o que mais dói são os olhares, que trazem consigo a pesada carga do julgamento. E não para por aí. Flávia afirma que, dentro desse universo, os adolescentes e adultos autistas estão esquecidos e, no caso deles, a exclusão se manifesta com muita frequência. A psicóloga Cidinha Veiga que tem 30 anos de experiência nessa área confirma: "Eles são constrangidos o tempo todo".
A especialista explica que é ainda mais complicado para o autista com nível de suporte 1. "Como ele não tem comprometimento intelectual, e ele percebe tudo o que se passa ao seu redor, ele percebe que ele é diferente e isso gera muita angústia", explica.
"Ele é excluído. Porque geralmente, a sociedade, ela quer juntar os iguais, ela não quer misturar os diferentes. Então, na escola, isso é muito evidente. O bullying é uma realidade muito frequente entre as pessoas iguais, e quando são diferentes, mais ainda".
O entendimento de que pessoas portadoras de TEA (Transtorno do Espectro Autista) têm peculiaridades, gostos e sensibilidades sensoriais é essencial para que haja acolhimento e respeito. Por isso, a comunidade onde o autista está inserido precisa conhecer essas características, esse é um passo importante no caminho da inclusão. "O diferente, a gente compreende e respeita. Não queiram fazê-lo igual aos outros", completa Cidinha.
O início - Ainda sem estatísticas no Brasil, o autismo não é considerado uma doença, mas necessita de levantamentos para que haja evolução e desenvolvimento para garantir mais direitos aos portadores dessa condição neurológica. A Associação de pais e amigos do autista de Campo Grande, uma referência no atendimento às famílias, em funcionamento há 34 anos, foi o local que acolheu uma mãe aflita e perdida, sem um diagnóstico para o filho. Foi assim que começou a história de Flávia Caloni com a AMA, 12 anos atrás.
“Eu cheguei lá chorando, e lá eu fui acolhida por essas mães que já conversaram comigo, me acolheram e tudo aquilo que eu gostaria de ouvir em outros lugares, eu ouvi lá e independente do diagnóstico, o João começou as terapias na AMA.”
Flávia conta que já tinha percebido que o comportamento de João era diferente, procurou vários médicos e psicólogos em Campo Grande mas nenhum fechou o diagnóstico para o autismo. “Teve um médico que chegou a me dizer para que eu ficasse tranquila, pois ele iria dar um remedinho e o meu filho ía soltar as palavrinhas”, lembra.
“O que tenho com a AMA é uma dívida de gratidão”, afirma Flávia que teve de sair de Mato Grosso do Sul para conseguir obter o diagnóstico para o filho. Só depois de conseguir um laudo com o médico e pesquisador José Salomão Schwartzman, uma referência nos estudos sobre autismo no Brasil, é que médicos e psicólogos de Campo Grande fecharam o diagnóstico.
“Pai e mãe têm que pecar pelo excesso. Se existe alguma suspeita, se você observou algum comportamento diferente no filho, vá em busca de ajuda”, alerta Flávia que se tornou vice-presidente da Associação.
João Guilherme, agora é um adolescente, e a família o ajuda a superar os obstáculos que surgem nessa fase.
"Hoje ele lida com adolescente mas a facilidade dele maior é com os menores porque, na verdade, ele está com um corpo de adolescente mas com a cabeça de uns 8, 9 anos e os adolescentes não têm muita paciência. Mesmo sendo nível de suporte 1, poucos têm amigos, por não se encaixar mesmo.”
Diagnóstico precoce - A história de Flávia e do filho João ilustra bem o impacto que um diagnóstico de TEA provoca em uma família. A psicóloga Aparecida Veiga que atende na AMA, reforça a importância do diagnóstico precoce.
O transtorno do espectro autista que é a nomenclatura atual, é um distúrbio do neurodesenvolvimento que afeta principalmente a comunicação, a interação social, em padrões restritos e repetitivos de comportamento.
"E esses sinais podem aparecer nos primeiros meses de vida da criança, não precisa esperar ter 2,3 anos, quando os sinais já estão muito marcantes para que seja buscado um atendimento. Os primeiros sinais são: não interagir, não olhar, não acompanhar a mãe, o pai, quando é chamado, ter um atraso no desenvolvimento neuropsicomotor que é, não sentar, não sustentar a cabeça, não engatinhar, são sinais bem importantes.”
Quanto mais cedo for feito o diagnóstico, maiores chances a criança tem de se desenvolver com as terapias e acompanhamentos oferecidos. “Há possibilidade de que um autista de nível suporte 2 passe a ser nível suporte 1 com as terapias”, explica a psicóloga.
Cordão do Girassol- "Autismo não tem cara. O cordão do girassol veio para dar visibilidade para essa condição especial", diz a vice-presidente da AMA ao se referir ao acessório que os autistas podem usar no pescoço como identificador. Para quem vive essa realidade, o cordão foi uma grande conquista, resultado da luta das mães por reconhecimento social.
“A principal questão do autista é você não conseguir, como o Down, visualizar que aquela pessoa é autista. E o principal que dói mais num pai e numa mãe é o olhar.”
"A cada 36 nascimentos, um nasce autista. Hoje, e cada vez mais, nós vamos nos deparar com pessoas com deficiência e a sociedade precisa estar preparada para isso", reforça Flávia.
AMA - A Associação de Pais e Amigos do Autista foi fundada em 26 de abril de 1990 por um grupo de acadêmicos de Psicologia da FUCMT (Faculdade Unidas Católicas de Mato Grosso) e hoje, atende mais de 135 pacientes. Entre os serviços que oferece estão o atendimento educacional especializado, Psicologia, Fonouadiologia, entre outros.
Clique aqui para saber mais sobre a AMA.