Os segredos de Londres Machado: seis décadas de poder silencioso
Com papel central na criação do Estado, faz carreira marcada por prudência, articulação e longevidade
Às vésperas do aniversário de 48 anos de criação de Mato Grosso do Sul, a ser celebrado em 11 de outubro, um nome se confunde com a própria história do Estado: Londres Machado. Ao longo de seis décadas, ele cultivou o poder como quem puxa as cordas nos bastidores. Nunca ambicionou ser senador, deputado federal ou ministro; sabia que seu campo de força era a Assembleia Legislativa.
RESUMO
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Londres Machado, figura central na política de Mato Grosso do Sul, completa seis décadas de atuação política marcada pela discrição e articulação nos bastidores. Com 13 mandatos como deputado estadual, ele participou ativamente da criação do Estado e presidiu a Assembleia Constituinte em 1979, sendo fundamental para a estabilidade política regional. Conhecido por sua habilidade em mediar conflitos e construir consensos, Londres manteve-se próximo a todos os governos estaduais desde a década de 1970. Aos 83 anos, planeja disputar mais uma eleição em 2026, consolidando sua posição como recordista nacional em mandatos parlamentares e representante de uma era política focada no diálogo e nas articulações institucionais.
Não foi “menos” por ficar lá, mas estrategicamente escolheu ser deputado estadual como forma de controlar a política pela coxia, articular maiorias, ajudar a salvar governos em crise, evitar rupturas institucionais e, é claro, liderar como a eminência parda do poder, numa via de mão dupla com o Executivo. Sua presença na política é mais longeva que o próprio Estado.
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Guardião
A criação de Mato Grosso do Sul é parte inseparável dessa trajetória. Em 11 de outubro de 1977, o general Ernesto Geisel, penúltimo presidente da ditadura de 1964, assinou a Lei Complementar nº 31, que desmembrou Mato Grosso e instituiu a nova unidade federativa. Desde então, Londres se tornou não só emissor da certidão de nascimento sul-mato-grossense como um dos guardiões que definiram quase meio século da política regional.
Em 1979, presidiu a Assembleia Constituinte, responsável pela primeira Constituição estadual, e voltou a comandar o Legislativo na adaptação da Carta em 1989, após a Constituição Federal de 1988. Ele se lembra da própria participação com orgulho: “Tive a honra de ser o presidente da Constituinte.”
O nascimento do Estado não foi tranquilo. Entre 1979 e 1980, período de grande turbulência, com o regime ditatorial em plena vitalidade, Mato Grosso do Sul teve quatro governadores: Harry Amorim, Marcelo Miranda, Pedro Pedrossian e o próprio Londres, na primeira interinidade em que se tornou chefe do Executivo, em 13 de junho, quando promulgou a primeira Constituição estadual, em cujo texto teve papel central.
Esteve presente em todas essas articulações, costurando saídas discretas nos subterrâneos do poder. Como recorda Valter Pereira, ex-deputado, ex-senador e colega: “Na presidência da Assembleia, Londres exerceu equilíbrio notável, sinalizando estabilidade política em momentos de forte tensão. Foi decisivo para a própria formatação do Estado.”

Estratégia e Discrição
Extremamente fechado e discreto, Londres evita entrevistas mais amplas do que os “quebra-queixos”, fica incomodado e sai pela tangente quando é questionado sobre sua vida pessoal ou os segredos da política. Sérgio Cruz, ex-deputado e escritor que atuou com ele na Assembleia, resume: “Fala mais não falando” — o silêncio como estratégia. Para ele, essa discrição foi determinante para a longevidade política: “Sobreviveu politicamente graças a essa discrição: não gosta de aparecer, trabalha seu eleitorado fiel.”
Valter Pereira completa: “Dificilmente subia à tribuna para falar. Não era orador frequente, mas um articulador permanente. Muitas vezes foi ele quem definiu peleias silenciosas que ocorriam no Legislativo. Enquanto meu estilo era de tribuna, com resultados que só aparecem no futuro, o dele era de bastidor, produzindo efeitos imediatos. Investia nas bases, prestigiava lideranças, mantinha tudo sob controle. Era pragmático e cuidadoso: não se expunha, buscava resultados.” Pereira e Cruz atuaram como deputados junto com Londres também no velho Mato Grosso.
A história de Londres continuará sendo uma tentação para biógrafos. Aos 83 anos, o que ele viu e viveu na construção do Estado é um daqueles segredos que só serão revelados quando algum familiar abrir o cofre de Londres, algo que provavelmente ficará para a posteridade.
Testemunha ocular viva de um longo período em que exerceu, em sua plenitude, a atividade parlamentar — e com planos de disputar mais uma reeleição no ano que vem —, conhece como poucos as entranhas dos Três Poderes, sem nunca ter se deixado atrair por vaidades ou pelo descuido que derrubou tantas reputações varridas por sucessivos escândalos de corrupção. É um profissional da política cuja ideologia nunca se sobrepôs à prática do poder. “Figura típica do Centrão, transita da esquerda à direita sem dificuldade. Atende compromissos e honra acordos — isso consolidou sua respeitabilidade”, descreve Sérgio Cruz.
Para Valter Pereira, trata-se de um político de centro-direita por estilo, não por ideologia. “Não tem apego à doutrina, tem apego ao resultado. Tocava sem alarido, sem muita mídia, mas com a base dele sob firmeza e o mandato produzindo efeitos.”
Ao longo da carreira, Londres esteve próximo de todos os governos estaduais, sem jamais se colocar em oposição frontal. Participou das administrações dos governadores biônicos Harry Amorim, Marcelo Miranda e Pedro Pedrossian — inclusive em suas interinidades — e de todos os seis governos eleitos desde 1982, incluindo o atual, Eduardo Riedel, de quem é líder na Assembleia.
Sérgio Cruz resume: “Se adapta a qualquer configuração de poder.” Valter Pereira acrescenta que Londres, muitas vezes invisível, mas decisivo, soube exercer liderança e estabilidade mesmo em crises profundas. É um camaleão que os mais antigos, pelos movimentos discretos, ainda chamam carinhosamente de “China”.
O episódio mais recente envolvendo um conflito aberto pelo deputado Marcos Pollon (PL) contra o ex-governador Reinaldo Azambuja reforçou sua fama de mediador silencioso. Pollon, após ataques públicos ao ex-presidente Jair Bolsonaro, Valdemar Costa Neto, presidente do PL, e Azambuja, só foi levado a um acordo graças à intervenção de Londres. O encontro, inimaginável antes, consolidou sua reputação como último “bombeiro político” do Estado.
Pollon pediu desculpas, argumentando que as críticas haviam sido motivadas pela condenação do PSDB, partido do ex-governador, a seus projetos armamentistas, e passou-se uma borracha no conflito. Se conseguirá a vaga de senador que reivindicou a Reinaldo Azambuja, ninguém sabe. O encontro mostrou que, se falta articulação em Brasília, Mato Grosso do Sul ainda conta com um negociador capaz de transitar entre extremos e reduzir tensões.

Legado e Longevidade
Em plena era digital, em que a trilha são as redes sociais como canais da política, o estilo Londres é uma demonstração de que a clássica velha política, dos conchavos aos compromissos honrados, se debate, mas ainda não morreu. O reconhecimento por sua experiência e longevidade é transversal.
Quando foi indicado líder do governo Riedel, em fevereiro de 2023, Zeca do PT, ex-governador, enfatizou do microfone do plenário: “Foi através do deputado Londres que aprovamos o Fundersul, os fundos de cultura, esporte e saúde, a reforma administrativa que criou a Cassems. Ele foi inquestionável e imprescindível para viabilizar nosso governo. Cumprimento o governador Riedel pela escolha: o deputado mais importante e mais experiente que esta Casa tem.”
O deputado Junior Mochi (MDB) reforçou que ninguém chega a 13 mandatos por acaso e o também deputado Roberto Hashioka (União Brasil) lembrou que, mesmo tendo sido adversário, Londres garantiu sua permanência no serviço público e viabilizou sua eleição como prefeito de Nova Andradina. O presidente da Assembleia, Gerson Claro (PP), destacou o “silêncio do plenário” quando Londres começou a falar, o que revelou seu peso histórico e a autoridade política.
Sérgio Cruz descreve seu estilo estratégico de nunca se expor sem ter a certeza de que a pretensão tinha margem segura para ser alcançada: “Cogitou ser candidato a governador, mas nunca forçou a barra: dizia que se o cavalo passasse arreado, montaria. Prudência e previsibilidade garantiram sua longevidade política sem aventuras arriscadas.” Sua trajetória é histórica.
Com 13 mandatos como deputado estadual, intercalados apenas pela cadeira da filha Grazielle entre 2015 e 2018, Londres completará 60 anos de vida pública em 2026, sempre em partidos de direita, como a Arena, no bipartidarismo da ditadura, depois, o PDS, até chegar ao PP.

Iniciou a carreira em 1966 como vereador em Fátima do Sul e, quatro anos depois, conquistou o primeiro mandato de deputado estadual pelo antigo Mato Grosso, reeleito no pleito seguinte. O terceiro mandato foi como constituinte de Mato Grosso do Sul, em 1978, e, em seguida, vieram outros oito mandatos até o intervalo de 2014, quando disputou o cargo de vice-governador ao lado de Delcídio Amaral, à época no PT, que a direita sul-mato-grossense, da qual é expoente, combate a ferro e fogo. Ainda assim, saiu incólume da derrota.
Retornou às urnas em 2018 e foi novamente eleito, mantendo em 2022 o posto de recordista nacional com o 13º mandato. Na prática, porém, o número é ainda maior: o período em que a filha Graziele ocupou a cadeira (2015–2018) corresponde ao 14º mandato conquistado por ele nas urnas, e a disputa de 2026, nem os adversários duvidam, deverá levá-lo ao 15º. Trata-se de uma marca histórica que dificilmente algum político estadual ou federal alcançará, um feito digno de figurar no Livro dos Recordes.
Zelador da memória institucional, valoriza o municipalismo como pilar do desenvolvimento estadual. Entre suas contribuições históricas destacam-se a presidência da Assembleia por sete vezes, a liderança em diversas comissões permanentes e uma atuação que resultou na criação de 30% dos 79 municípios de Mato Grosso do Sul.
Londres Machado é o sobrevivente de uma era política em extinção, em que tanto o necessário diálogo quanto o nada republicano clientelismo andavam pela mesma picada. Negociador silencioso, atravessou seis décadas conciliando interesses, apagando incêndios e também ajudando a preservar a estabilidade do Estado — um ativo político em tempos de polarização radicalizada.