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Reportagens Especiais

Na luta do povo preto, marco é ninguém poder ignorar o Dia da Consciência Negra

Em MS, 1º feriado nacional é mais que um dia, é uma conquista para comunidade

Por Natália Olliver | 20/11/2024 07:21
De azul, Marcelus, ao meio Ana Clara e por último Gabriel (Foto: Osmar Veiga)
De azul, Marcelus, ao meio Ana Clara e por último Gabriel (Foto: Osmar Veiga)

O que para uns é apenas mais um dia, mais um feriado no calendário de Mato Grosso do Sul, para muitos é uma conquista, que apesar de tardia, relembra a luta, cultura e origens de um povo que ajudou a construir um país e o Estado. Para quem luta diariamente pelos direitos do povo preto, o primeiro feriado da Consciência Negra - celebrado em todo território nacional - é um marco. A data é um lembrete que diz: ‘Não dá mais para passar batido’ ou seja, ignorá-la.

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O recente reconhecimento do feriado nacional da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, é visto como um marco importante na valorização da cultura afro-brasileira, embora muitos considerem a medida tardia. Estudantes e educadores destacam a necessidade de uma conscientização contínua sobre a história e as contribuições dos negros para a sociedade brasileira, além de criticar a persistência do racismo e das desigualdades sociais. A data, que homenageia Zumbi dos Palmares, simboliza uma tentativa de reparação histórica e um convite à reflexão sobre a luta contra a opressão, ressaltando que a valorização da cultura negra deve ser um esforço diário e não limitado a um único dia no calendário.

Na Escola Estadual Joaquim Murtinho, localizada no centro de Campo Grande a mudança foi recebida com festa pelos estudantes, tanto pelos negros, quanto para os envolvidos na luta antirascista.

“Mostrado para todo mundo a importância de ver a nossa cultura negra, todo o que a gente passou e conscientizar as pessoas das lutas que a gente teve, conscientizar a comunidade branca que eles são  privilegiados sim e que eles têm que reconhecer esse privilégio sim. Que quando eles virem situações de injustiça que eles possam fazer alguma coisa, não fechar os olhos, não abraçarem o racismo”, conta a estudante Ana Clara de Carvalho, 17 anos.

Para ela, apesar dos poucos avanços relacionados ao povo negro, o Brasil ainda é um país preconceituoso. “Muito racista e as pessoas tem que ter essa conscientização para que haja mudança. Eu acho que colocar como algo nacional é falar para essas pessoas serem um pouco mais empáticas”.

Para o estudante Gabriel Hamaltyno, também com 17 anos, o 1º feriado nacional é uma forma de valorizar a cultura negra, não esquecendo como elas foram essenciais para construção de um país. Além disso, ele considera a data um convite a pensar no povo negro além da escravidão.

Estudante Gabriel Hamaltyno, na escola Joaquim Murtinho (Foto: Osmar Veiga)
Estudante Gabriel Hamaltyno, na escola Joaquim Murtinho (Foto: Osmar Veiga)

“Nessa escola quando cheguei comecei a ter outra visão. Eles não ensinam só sobre a escravidão, mas a importância da cultura. Muitas pessoas esquecem disso, de que os pretos, no começo do Brasil, tinham uma cultura, religião e diversas coisas que são esquecidas. Um feriado como esse é importante para relembrar e combater o racismo. Ele evidencia que existe um problema e isso faz lembrar sobre povos negros que tiveram uma luta contra a opressão”.

Com menos idade que Gabriel e Ana Clara, Marcelus Andrade, com 15 anos, conta que o dia chegou tarde demais, mas que apesar disso, ainda acredita que a conquista é  importante para a comunidade.

“O mês de novembro já é pra luta da consciência negra há muito tempo, mas agora, depois de tanto tempo, ser oficializado como feriado, eu vejo ainda como um problema. Depois de tantos anos de história só agora vir isso, por mim vejo como uma tentativa de reparação histórica, mas que não tem reparação. Claro, eu acho uma data importante para evidenciar tudo o que foi sofrido, até porque, pra gente estar aqui na escola estudando foi por conta do nosso passado. Acho sim importante mas a consciência negra não tem que ser só um mês ou um dia,ela precisa ser o ano inteiro”.

Marcelus Andrade, estudante e atleta paralímpico (Foto: Osmar Veiga)
Marcelus Andrade, estudante e atleta paralímpico (Foto: Osmar Veiga)

Marcelus é atleta paralímpico por ter deficiência visual, ele acrescenta que nas comunidades negras ainda falta acesso a lazer e esporte. “Tem poucos negros participando de competições esportivas, não porque não procuram ou não querem, mas porque não chega até eles. Acho que chegar nesses lugares é importante e exclui de certa forma. Muita coisa evoluiu mas tem muito a melhorar”.

Mais que um dia - Quem também levanta a discussão de que a conscientização precisa ser trabalhada durante os 365 dias do ano, 24 horas por dia é o historiador, pedagogo e mestre em educação e diversidade na instituição, Izadir Francisco de Oliveira.

“A questão negra, tem que ser tem que ser trabalhada diariamente porque o aluno negro não está aqui na escola só na nessa semana de novembro. A população brasileira não é só negra nesse momento. O feriado ele vem como mais um ato para completar a luta, a resistência. Porque parece que é um benefício, mas não é. Já que tem tantos heróis brancos, pegam a data de Zumbi dos Palmares [20 de novembro] para mostrar mais um ponto de partida para o combate o racismo lógico, à discriminação ou preconceito ao discurso de ódio”.

Para o professor, o cenário frente ao racismo melhorou no país, mas ainda está longe do ideal. Um dos parâmetros usados, além dos casos noticiados e de conhecimento informal, são os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas).

A questão negra, tem que ser tem que ser trabalhada diariamente , diz o historiador Izadir Francisco de Oliveira (Foto: Osmar Veiga)
A questão negra, tem que ser tem que ser trabalhada diariamente , diz o historiador Izadir Francisco de Oliveira (Foto: Osmar Veiga)

“Já mudou muito, melhorou, mas há muito que mudar porque afinal pelas estatísticas a maior parte da população desempregada é negra, a maior parte da população das prisões, a população negra recebe salário menor, as mulheres negras recebem menos ainda. Então tem muita para melhorar”.

O historiador desenvolve um projeto de diversidade étnica-racial e cultura há 17 anos na instituição. Na grade curricular os alunos aprender a pensar o povo negro por completo e valorizar culturas.

Luta antirrascista - Longe de ter a pele negra, mas perto o suficiente para participar da luta pelas pautas pretas, Nathalia Angelica, de 17 anos, comenta que já tinha passado da hora para que todo os estados instituíssem o feriado.

A estudante Nathalia Angelica afirma que é preciso pensar nos negros como protagonistas da história do país (Foto: Osmar Veiga)
A estudante Nathalia Angelica afirma que é preciso pensar nos negros como protagonistas da história do país (Foto: Osmar Veiga)

A estudante que se considera parda, comemora a conquista. “Acho muito importante porque temos um feriado para  Tiradentes há muito tempo no brasil e não tinha um feriado realmente para consciência negra. A gente lembra de Zumbi e podemos olhar como reparação histórica.  Há muito tempo os povos negros não foram valorizados sendo que foram os protagonistas. Então, finalmente, depois de séculos, ter um feriado pra eles é mais que uma vitória, a gente deve isso para ele. Ainda acho que tá muito atrasado ter isso em 2024”.

Valentina Soares de Souza Ludwig, também com 17 anos, é branca e também vibrou com a data. Ela ressalta que a data ser uma oportunidade para pensar a população negra além da escravidão, como pessoas, que possuem culturas e crenças.

“Acredito que é um pequeno avanço. Nos estudantes acompanhamos a história, o que a  gente vê da cultura africana, negra, o que foi trazido para o Brasil. A gente sempre observa e pensa que se trata apenas de muita luta e escravidão, e anula todo o restante, origem a cultura, religião a pessoa. É um pequeno avanço. É uma situação muito maior do que só uma data, você tenta reparar aquilo que não pode ser reparado. A escola quebra isso, de achar que era só escravidão, te mostra a cultura. A pensar em um povo”.

Valentina Soares de Souza acredita que a data é um passo a mais para valorização do povo negro (Foto: Osmar Veiga)
Valentina Soares de Souza acredita que a data é um passo a mais para valorização do povo negro (Foto: Osmar Veiga)

Por que só agora? - Edineia da Silva Santos, historiadora, mestre em educação e especialista em escravidão no antigo Mato Grosso explica que o feriado, ou seja o reconhecimento do Estado, aconteceu de maneira tardia por ser historicamente formado pela elite agrária e escravização.

“Baseou-se na exploração do trabalho escravizado. Essa ordem vigente escravocrata ainda encontra por vezes respaldo e desmontar essa ordem significa dar visibilidade aos povos escravizados e evidenciar as práticas exploratórias dos grandes proprietários rurais”.

Para ela, a data reforça o valor de um povo que ajudou a construir Mato Grosso do Sul e representa uma forma de reparação histórica. “Também é um momento de reverenciar a cultura afrodescendente tão rica e presente no cotidiano do povo brasileiro. Seria dar visibilidade a uma cultura tão diversa e importante”.

 Para estudantes, mudança é conquista tardia, mas comemorada (Foto: Osmar Veiga)
 Para estudantes, mudança é conquista tardia, mas comemorada (Foto: Osmar Veiga)

Para entender o avanço tardio no Estado é necessário explicar que a data, 20 de novembro, - que faz alusão ao dia da morte de Zumbi dos Palmares, um dos símbolos de resistência contra a escravização no Brasil - foi criada em 2011 e inserida no calendário nacional apenas em dezembro de 2023.

No ano, o texto não colocava o dia como feriado nacional, sendo optativo para cada Estado aderir ou não. Na época, apenas Alagoas, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, São Paulo e Rio de Janeiro consideravam a data como feriado estadual.

O que a advocacia diz sobre isso -  O presidente da Comir (Comissão de igualdade racial) da OAB-MS (Ordem dos advogados de Mato Grosso do Sul) Chrystian de Aragão Ferreira dos Santos - pontua que embora tenha sido instituída apenas em 2023, estar oficialmente incluída como feriado nacional, marca um avanço importante na política de valorização da história e cultura afro-brasileira.

“Essa medida soma-se a outras iniciativas recentes, como a sanção da Lei nº 14.553/2023 que alterou o Estatuto da Igualdade Racial, que aprimorou mecanismos de proteção e combate ao racismo estrutural e institucional, e a ampliação de políticas de ações afirmativas. Para a COMIR, essas mudanças legislativas reforçam o compromisso nacional com a promoção da igualdade racial, valorizando a diversidade e combatendo o racismo de forma mais efetiva”.

O representante da comissão também pontua que políticas públicas como o Plano Municipal de Promoção da Igualdade Racial - PLAMPIR de Campo Grande e da criação pelo estado do Grupo de Trabalho Interinstitucional para Elaboração da Política Estadual de Promoção da Igualdade racial colaboram com a ampliação do debate e somam à luta contra o racismo.

 Estudante reunidos no pátio da escola conversando sobre a pauta racial (Foto: Osmar Veiga)
 Estudante reunidos no pátio da escola conversando sobre a pauta racial (Foto: Osmar Veiga)

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