"Ainda Estou Aqui": pela memória, pela verdade e por justiça às vítimas
O país está de volta ao topo da premiação mais prestigiada do cinema internacional. Dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello, "Ainda Estou Aqui" concorre a três estatuetas do Oscar 2025, nas categorias Melhor Atriz, Melhor Filme Internacional, e Melhor Filme - esta última indicação, aliás, inédita para o Brasil.
Impossível não lembrar que, há 26 anos, outra produção nacional, "Central do Brasil", também sob direção de Walter Salles, concorreu na categoria Melhor Filme Internacional e teve a indicação de Fernanda Montenegro, mãe de Fernanda Torres, como Melhor Atriz.
Nos últimos meses, "Ainda Estou Aqui" recebeu mais de 20 prêmios, com direito, entre eles, a um Globo de Ouro, outorgado à Fernanda Torres como Melhor Atriz de Drama - motivo de celebração e de orgulho por parte da nação brasileira. A torcida, agora, é pela consagração, na icônica cerimônia do Oscar, em Los Angeles, nos Estados Unidos.
As conquistas já obtidas são reflexo da produção baseada em fatos reais retratados no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. O longa conta o drama da família do escritor, após o pai, o ex-deputado Rubens Paiva, ter sido levado para interrogatório por agentes do regime militar e, depois disso, ter "desaparecido".
Político de oposição nos idos de 1970, Rubens Paiva foi, na verdade, preso, torturado e assassinado pela Ditadura. O corpo nunca foi encontrado, apesar da indiscutível luta de Eunice Paiva, a esposa - que, mais tarde, se tornaria símbolo de ativismo pelos Direitos Humanos. Somente 25 anos depois, em 1996, a certidão de óbito foi emitida e entregue, enfim, à família enlutada e sempre indignada.
"Ainda Estou Aqui", que, hoje, projeta brilhantemente o cinema nacional mundo afora, também traz, com toda a sua repercussão, a necessidade de se discutir a importância da proteção e do amparo às vítimas no Brasil. Tanto Rubens Paiva quanto sua família, incluindo cinco filhos menores de idade, sofreram abusos e violência do poder estatal, durante um regime não-democrático, o que denota total fragilidade das vítimas à época.
Apesar de estamos quatro décadas à frente do período retratado no longa e, atualmente, experienciando a Democracia, este debate se faz atual e necessário. Neste sentido, importante lembrar que, recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 3.890/2020, que cria o Estatuto da Vítima - fruto de anos de mobilização da sociedade civil e de Organizações Não-Governamentais (ONGs) como o Instituto Brasileiro de Atenção Integral à Vítima, o Pró-Vítima. A expectativa, agora, é pela chancela no Senado Federal e a sanção presidencial.
Não há mais tempo a esperar. Uma atenção especial às vítimas precisa ser dada pela classe política brasileira, a fim de garantirmos que abusos e a barbárie, como fielmente retratada no filme de Walter Salles, nunca mais voltem a acontecer em nosso País.
Práticas restaurativas que visem reconhecer à memória dos que sofreram a violência estatal desse período tão trágico de nossa história, e levar justiça aos sobreviventes e familiares, são urgentes e demandam pronta implementação pela legislação vindoura.
Reconhecer e validar a narrativa das vítimas diretas e indiretas são, em suma, o primeiro passo para a restauração de suas dignidades brutalmente violadas.
(*) Dra. Celeste Leite dos Santos é presidente do Instituto Brasileiro de Atenção Integral à Vítima (Pró-Vítima); promotora de Justiça em Último Grau do Colégio Recursal do Ministério Público (MP) de São Paulo; doutora em Direito Civil; mestre em Direito Penal; e idealizadora do Estatuto da Vítima. Dr. Pedro Pereira Gomes é mestre em Direito Internacional Privado, pela Universidade de São Paulo (USP); advogado; bacharel em Administração Pública, com formação complementar em Relações Internacionais; e conselheiro do Instituto Pró-Vítima.
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