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Tentando dar razão à uma vida sem sentido

A busca por propósito na política e outros assuntos

Por Cristiane Lang (*) | 31/01/2025 13:29

Muitos de nós enfrentamos momentos em que a vida parece perder o sentido. A falta de clareza sobre o que queremos, combinada com um vazio emocional ou profissional, pode levar a uma sensação sufocante de estar perdido. Para algumas pessoas, esse estado de desconexão as empurra a buscar um sentido em questões externas, como a política, religiões, ideologias ou até hobbies obsessivos. A pergunta é: por que isso acontece?

O vazio interno e a necessidade de pertencimento 

O ser humano é, por natureza, um ser social. Sentir-se parte de algo maior – seja uma comunidade, um movimento ou uma causa – é uma maneira de preencher um vazio existencial. Quando alguém se sente emocionalmente perdido ou insatisfeito profissionalmente, é comum buscar alívio em algo que ofereça:

  • Identidade: Fazer parte de um grupo dá um senso de quem somos, muitas vezes substituindo a falta de uma identidade pessoal bem definida.

  • Propósito: Um objetivo, mesmo que externo, pode trazer a sensação de que a vida tem valor.

  • Conexão: Engajar-se em discussões políticas ou sociais, por exemplo, é uma forma de sentir-se próximo de outras pessoas que compartilham das mesmas ideias

A política como refúgio emocional 

A política é, para muitos, um caminho natural quando procuram significado. Isso porque ela está carregada de narrativas emocionais, dramas e promessas de transformação. Para quem está perdido, ela oferece:

  • Uma causa a defender: Lutar por um ideal político pode criar uma ilusão de controle e impacto, mesmo que a pessoa esteja enfrentando uma sensação de impotência em sua própria vida.
  • Inimigos claro: Muitas vezes, o discurso político cria um “nós contra eles”, o que pode simplificar questões complexas e oferecer alívio imediato ao criar um senso de justiça ou vingança simbólica.
  • Validação social: Estar engajado politicamente atrai outros indivíduos que compartilham das mesmas crenças, validando opiniões e, por extensão, a existência daquela pessoa no grupo.

Outras formas de buscar sentido 

Nem todos se voltam para a política.

Outros buscam sentido em diferentes áreas, como:

  • Religiões ou espiritualidade: Essas práticas frequentemente oferecem explicações para o sofrimento humano e um propósito maior.
  • Consumo de hobbies obsessivos: Desde mergulhar profundamente em fandoms de filmes e séries até buscar conforto em esportes, essas práticas criam pequenos universos que ajudam a anestesiar as dores existenciais.
  • Redes sociais: A validação constante por meio de curtidas e comentários cria uma ilusão de relevância, compensando a sensação de não pertencimento.

O perigo da fuga: quando o externo se torna uma muleta 

O problema de buscar sentido exclusivamente em fatores externos é que isso frequentemente leva a uma vida baseada na reação, e não na ação. Quando as causas defendidas são atacadas ou questionadas, o indivíduo pode se sentir novamente vazio, frágil e desamparado. Além disso, esse tipo de busca pode causar:

  • Radicalização: Pessoas emocionalmente frágeis podem se agarrar a ideais de forma extrema, porque qualquer ameaça a eles é vista como uma ameaça à própria identidade.
  • Alienação de si mesmo: A pessoa pode perder de vista quem realmente é, tornando-se uma extensão da causa que defende.
  • Desgaste emocional: A constante luta por algo externo não resolve os conflitos internos, apenas os mascara temporariamente.

Caminhos para encontrar sentido internamente

Embora buscar sentido em causas externas não seja errado, é fundamental equilibrar essa busca com o fortalecimento interno. Algumas reflexões que podem ajudar incluem:

  • Autoconhecimento: Fazer terapia, meditar ou dedicar tempo para entender quem você realmente é pode trazer clareza sobre o que você precisa, e não apenas o que está ao seu alcance.
  • Aceitar o vazio como parte da vida: É impossível preencher o vazio o tempo todo, e aprender a conviver com ele é libertador.
  • Construir uma narrativa própria: Em vez de se perder em narrativas externas, questione: quais são os seus valores? Suas paixões? Seus talentos?
  • Estabelecer pequenas metas pessoais: Reconectar-se com algo simples e cotidiano pode ser mais transformador do que lutar por causas gigantescas.

A política ou a causa como complemento, e não como base 

Se envolver com política, religião ou qualquer outra paixão é uma maneira legítima de dar mais sentido à vida, mas é importante lembrar que essas coisas devem ser um complemento à nossa identidade, e não a sua base. É saudável questionar:

- Eu realmente acredito nisso, ou estou apenas seguindo o fluxo?

- Essa causa está me tornando uma pessoa melhor ou apenas mascarando minha dor?

- Estou usando isso para me conectar com os outros, ou para evitar minha própria solidão?

Todos, em algum momento, buscam sentido em lugares fora de si mesmos. Isso é natural e pode ser útil, desde que não se torne uma armadilha. A verdadeira força surge quando aprendemos a equilibrar o externo e o interno, construindo uma vida que, mesmo em meio ao caos, nos traga momentos de paz e significado genuíno. Afinal, dar sentido à vida é menos sobre encontrar respostas prontas e mais sobre criar respostas únicas, que ressoem com quem realmente somos.

(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica, especialista em Oncologia pelo Instituto de Ensino Albert Einstein de São Paulo.

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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