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O medo do diálogo e suas consequências desastrosas

Por Danilo Silva Guimarães (*) | 26/02/2025 13:30

O mês de janeiro foi marcado por movimentos indígenas em defesa da educação. Segundo a revista Amazônia Latitude, de ciência e jornalismo pela floresta, centenas de indígenas de diversas etnias ocuparam pacificamente a sede da Secretaria da Educação (Seduc), em Belém, em protesto contra a Lei n° 10.820, aprovada no final do ano passado. Os indígenas se preocupam com o fim da garantia de aulas presenciais em aldeias e com alterações no sistema de gratificação dos professores que atuam nas comunidades.

Desde a Constituição de 1988, o movimento indígena conquistou o direito de receber do poder público uma educação diferenciada, específica e bilíngue. Trata-se de uma educação escolar aliada aos costumes e práticas ancestrais. Conforme a Carta de Manaus, tais costumes e práticas são as referências para o pleno exercício da capacidade dos povos gerirem os processos de educação, promoção da saúde, economia, alimentação, apropriação de saberes e escolhas quanto ao que pretendem construir para as futuras gerações.

Uma das repercussões desta conquista têm sido as reivindicações indígenas por um vestibular diferenciado, que seja coerente com as matrizes curriculares interculturais das escolas indígenas. Para que um direito constitucional não se torne um ônus quando a pessoa busca acessar outro direito, o de cursar as universidades. Outra repercussão da lei seria a transformação da própria universidade, para que as formas indígenas de conhecer, suas epistemologias, possam ser respeitadas nos diálogos com as epistemologias até então dominantes na ciência brasileira.

Algumas universidades haviam sido fundadas em diversas partes do mundo muito antes de chegarem ao continente europeu. Contudo, nesse território a ciência acabou se aliando ao colonialismo para extração de conhecimentos de diversos povos em proveito das sociedades ocidentais modernas. Ocupar o território colonizado do conhecimento passou a ser, então, uma meta importante para muitas pessoas indígenas. Para acessar as informações produzidas e veiculadas pela ciência e para direcionar os processos de construção de conhecimento em favor de seus povos e comunidades, dentre outros propósitos.

No Seminário Presença e Ausência Indígena na USP, organizado por estudantes indígenas e apoiadores acadêmicos, que aconteceu em agosto de 2024, foram apresentados alguns dados sobre o crescente interesse indígena de acessar a formação acadêmica. O Jornal da Unifesp, por exemplo, aponta que o número de estudantes indígenas matriculados em cursos de graduação aumentou 374% nos últimos anos.

Importantes universidades como a UNB, UFSCar, Unicamp, dentre outras, já contam com programas bem-sucedidos de acesso e permanência indígena. Porém muitas instituições não têm ou estão dificultando o acesso indígena à educação formal. Daí uma preocupação dos movimentos e motivação de suas manifestações.

Tenho acompanhado as publicações sobre a luta pela educação indígena no Pará. É notável, de um lado, o pedido das lideranças indígenas para dialogar com o poder público sobre o tema. De outro lado, a presença intimidatória de um grande contingente policial em torno das poucas lideranças indígenas recebidas para uma conversa com o governador do Estado. Depois de mais de 15 dias de ocupação multiétnica da Seduc.

Para quem está de longe, ficam as questões: Por que dialogar é tão ameaçador? Por que o medo de dialogar?

Não há uma resposta simples para as questões acima. Cenas como as que temos visto nas últimas semanas são comuns na história da relação das instituições com as comunidades e movimentos indígenas. No livro Amerindian paths guiding dialogues with psychology, que organizei, abordamos questões relacionadas aos termos dos diálogos, aos tópicos situados dos diálogos, às consequências de não dialogar e as possibilidades de diálogo, de um ponto de vista histórico e filosófico. Ainda há muito o que fazer nesta direção.

Espero que as comunidades indígenas em luta possam ter seus direitos assegurados, sendo respeitada a necessária consulta aos indígenas sobre aquilo que lhes diz respeito. Ou seja, o dever das instituições de perguntarem aos povos indígenas, adequada e respeitosamente, sua opinião sobre decisões capazes de afetar suas vidas, por meio do diálogo intercultural marcado pela boa-fé. E que a escuta recíproca seja consequente para a efetivação das ações em todos os contextos educacionais. Para que as escolas e as universidades não continuem sendo embaixadas do colonizador, tal como reflete criticamente a antropóloga Guarani Sandra Benites.

(*) Danilo Silva Guimarães, professor do Instituto de Psicologia da USP

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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