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Cidades

Assédio e sobrecarga lideram causas de burnout no ambiente de trabalho

Dados do Ministério da Previdência indicam que 47 trabalhadores de MS foram afastados por burnout neste ano

Por Mylena Fraiha | 07/11/2024 17:09
Imagem ilustrativa de jovem durante momento de tensão no ambiente de trabalho (Foto: Juliano Almeida)
Imagem ilustrativa de jovem durante momento de tensão no ambiente de trabalho (Foto: Juliano Almeida)

"Meu processo de adoecimento veio com o assédio moral e desconfiança", é o que relata um bancário campo-grandense, identificado apenas como Soares*, de 55 anos, que foi afastado do emprego onde trabalhou por 30 anos após desenvolver um quadro de Síndrome de Burnout – doença que hoje é considerada pelo Ministério da Saúde como ocupacional, ou seja, aquelas produzidas, desencadeadas ou agravadas por condições especiais de trabalho.

Soares trabalhava em um banco de Campo Grande, em um cargo de chefia. "Eu ocupava um cargo de confiança em uma empresa. Esse cargo era de liderar 11 ou 12 pessoas, mais ou menos. Eu amava o que fazia."

Entretanto, o que era considerado uma paixão dele, se transformou, aos poucos, em um pesadelo. No seu caso, o assédio moral, com cobranças excessivas e humilhações, foi uma das principais causas do adoecimento. “Era muita cobrança, muita pegação no pé, que não acontecia com outras pessoas.”

De acordo com Soares, o ambiente de assédio moral também incluía humilhações e cobranças em público. “Também havia situações onde diminuíam as pessoas, cobravam individualmente, mas na frente de todo mundo. Chegavam a fazer um ranking entre funcionários. Isso tudo foi me tirando a vontade de trabalhar.”

O ex-funcionário de banco relata que as segundas-feiras, quando havia uma reunião semanal, tornaram-se um momento de "exposição" entre os colegas, o que começou a desencadear episódios de sofrimento. "Eu comecei a ter doença de pele e uma febre toda segunda-feira, que surgia no final da tarde e sem causa. Cheguei a fazer vários exames para ver o que era, mas era emocional."

Ele conta que demorou para compreender que estava doente e que a principal causa era o emprego que tanto gostava. Somente em fevereiro do ano passado, Soares entendeu que o que estava passando era uma doença, que culminou em seu afastamento.

Em uma segunda-feira de madrugada, eu não consegui mais sair da cama. Comecei a chorar, tive um ataque de pânico e não consegui me arrumar nem fazer nada. Aí acabei me afastando do trabalho. Eu nem sabia que havia um nome para isso, que se chamava Burnout. Só descobri depois que fui ao psiquiatra e outros especialistas disseram para mim”, relembra Soares.

A advogada especialista em direitos trabalhistas e previdenciários, Priscila Arraes Reino, explica que assédio moral e sexual, sobrecarga e cobranças excessivas estão entre as principais causas de adoecimento dos trabalhadores, seja por depressão, transtorno de estresse pós-traumático simples ou complexo, e Síndrome de Burnout.

No caso de Burnout, dados mostram que 47 trabalhadores de Mato Grosso do Sul foram afastados pela doença somente neste ano. Desse total, 33 benefícios foram concedidos a mulheres e 14, a homens, segundo dados do Ministério da Previdência Social.

Em nível nacional, o cenário também é alarmante. No ano de 2023, foram concedidos 288.865 benefícios por incapacidade em razão de transtornos mentais e comportamentais, um número quase 40% maior que o do ano anterior.

Além disso, o Brasil é o segundo país no mundo com maior número de trabalhadores com Síndrome de Burnout, ficando atrás somente do Japão, segundo a ISMA (International Stress Management Association), com 30% dos seus trabalhadores sofrendo de Burnout, segundo a ANMT (Associação Nacional de Medicina do Trabalho).

A advogada explica que esses dados também representam um problema para as empresas, uma vez que ignorar essa realidade é um erro estratégico que pode custar caro, afetando a competitividade e a sustentabilidade das empresas. “Além do impacto financeiro na lucratividade das empresas, há problemas para a imagem das empresas que não atuam em prol de um ambiente de trabalho saudável e a dificuldade em obter e reter talentos.”

“Será que tenho burnout?” - Também conhecida como “síndrome do esgotamento”, Burnout é um distúrbio psíquico caracterizado pelo esgotamento físico e emocional intenso relacionado ao trabalho e uma sensação de ineficácia e falta de realização pessoal no contexto profissional.

As principais causas dessa condição envolvem fatores como sobrecarga de tarefas, falta de controle sobre o ambiente de trabalho, expectativas irreais de desempenho, falta de suporte social e reconhecimento no trabalho, bem como conflitos entre as exigências do trabalho e os valores pessoais do indivíduo. Profissões com grande demanda emocional, como educação, saúde e serviços sociais, estão particularmente expostas a esse risco.

O médico psiquiatra Dr. Leandro Soares Oliveira explica que os primeiros sinais da Síndrome de Burnout geralmente começam com um aumento progressivo do estresse no ambiente de trabalho, podendo evoluir para sentimentos de exaustão constante, mesmo após períodos de descanso.

Inicialmente, o trabalhador pode perceber uma redução da motivação e um cansaço persistente que não é aliviado pelo sono. Outros sintomas incluem dificuldades de concentração, irritabilidade, distanciamento emocional de colegas e clientes, e uma sensação crescente de insatisfação e frustração”, explica.

Assim como foi com Soares, a síndrome de burnout surge aos poucos e também pode afetar fisicamente o profissional. “Conforme a condição se agrava, a pessoa pode desenvolver sintomas psicossomáticos, como dores musculares, problemas digestivos, insônia e até sintomas depressivos e ansiosos”, complementa Dr. Leandro.

Segundo o Dr. Leandro, o tratamento da Síndrome de Burnout envolve uma abordagem multidisciplinar, combinando estratégias psicoterápicas, médicas e organizacionais. Ele aponta que psicoterapias como a TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental) são frequentemente utilizadas para ajudar o indivíduo a identificar e modificar padrões de pensamento disfuncionais, além de desenvolver estratégias de enfrentamento mais eficazes.

Ele observa que, em casos mais graves e bem indicados, pode ser necessária a medicação, especialmente se o paciente apresentar sintomas depressivos ou de ansiedade concomitantes. “O acompanhamento médico e psicológico são essenciais para monitorar os sintomas físicos e psíquicos associados. Além disso, a promoção de uma cultura organizacional que valorize o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, o reconhecimento do trabalho e do trabalhador e a redução das demandas excessivas são fundamentais para a prevenção e o tratamento eficaz dessa síndrome.”

Direitos ao afastamento - Em novembro de 2023, o Ministério da Saúde atualizou a lista de doenças ocupacionais, com a inclusão de transtornos como burnout, depressão e até uso de drogas no rol de afastamentos. Essa atualização prevê os fatores de risco e as respectivas doenças relacionadas ao trabalho.

De acordo com a advogada Priscila, a principal forma de se avaliar se um problema de saúde mental está ou não relacionado com o trabalho é considerando o ambiente de trabalho, como ele é organizado, quais são os riscos psicossociais presentes e se estes riscos são considerados fatores para o problema de saúde mental apresentado pelo trabalhador.

Essa avaliação é feita por médicos, principalmente os médicos do trabalho, os peritos federais do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e os peritos judiciais. Entretanto, conforme explica a advogada trabalhista, nem só os médicos do trabalho podem avaliar se a doença é ou não relacionada ao trabalho. Outros médicos podem igualmente diagnosticar doenças ocupacionais, desde que, ao fazer o diagnóstico, considerem o ambiente de trabalho e seus riscos psicossociais.

A advogada explica que, caso o trabalhador se afaste por mais de 15 dias consecutivos ou não (dentro de 60 dias), ele recebe os primeiros 15 dias de salário do empregador e, a partir do 16º dia, o benefício B91 (incapacidade temporária acidentária) do INSS.

Durante o afastamento, o empregador deve continuar depositando o FGTS mensalmente. O trabalhador tem direito à estabilidade de 12 meses após o retorno ao trabalho, podendo ser demitido apenas por justa causa.

Se não se recuperar, o trabalhador deve ser reabilitado para outra função. Caso a reabilitação seja impossível, ele será aposentado por incapacidade permanente acidentária, com aposentadoria integral.

“É importante que o trabalhador se preocupe em ter reconhecida a doença ocupacional desde o início de seus afastamentos pelo INSS, para poder garantir todos os direitos do trabalhador que desenvolve doença ocupacional”, explica Priscila.

[*] Nome fictício para preservar a identidade do trabalhador e não prejudicar processos judiciais em andamento.

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