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Cidades

Autor de tarifaço, TJ tem fundo milionário que banca de obra a galeria de juízes

Tribunal de Justiça também se prepara para erguer um novo palácio no Parque dos Poderes

Aline dos Santos | 08/01/2023 15:17
Tribunal de Justiça ornado com decoração natalina no Parque dos Poderes. (Foto: Marcos Maluf)
Tribunal de Justiça ornado com decoração natalina no Parque dos Poderes. (Foto: Marcos Maluf)

Autor de projeto de lei que penaliza a população com 100% de reajuste nas custas judiciais para três modalidades de processo, o TJ-MS (Tribunal de Justiça) tem fundo que registrou excesso de arrecadação de R$ 22,3 milhões em 2021, conforme informa o último dado disponível no Portal da Transparência do Poder Judiciário. O fundo milionário banca de reformas a homenagens.

Neste ano, o Tribunal de Justiça também se prepara para tirar do papel um novo palácio no Parque dos Poderes, com custo de R$ 4 milhões somente na elaboração do projeto arquitetônico e cercamento da área em Campo Grande.

Nos últimos anos, o Funjecc (Fundo Especial para o Desenvolvimento e o Aperfeiçoamento das Atividades dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais) custeou de reforma na ala da presidência do Tribunal de Justiça, incluindo pedra de mármore Carrara em dois banheiros, a carrões de luxo blindados.

O dinheiro também fez escala numa homenagem aos magistrados, com galerias de fotos espalhadas por Mato Grosso do Sul. Essa inovação, aliás, ainda resulta pagamento de diárias a juízes e desembargadores, que se deslocam pelo Estado para os eventos de inauguração.

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Conforme as demonstrações contábeis do fundo, divulgadas em 28 de abril de 2022, a receita orçada foi prevista em R$ 193 milhões, mas, efetivamente, a arrecadação resultou em R$ 215.352.930,29. Portanto, excesso de R$ 22.352.930,29. “O que corresponde a um excesso de arrecadação de 12% em relação à previsão inicial para o exercício de 2021”.

Dessa receita de R$ 215 milhões, 60% (R$ 128,7 milhões) vieram das custas judiciais e 16% (R$ 33.468.124,65) de emolumentos e custas extrajudiciais de cartórios. Outros 11% (R$ 24.285.698,90) são proveniente de gerenciamento de contas e 13% (R$ 33.026.642,92) vêm do genérico termo “outras receitas”.

Criado pela Lei 1071, de 11 de julho de 1990, o fundo tem as seguintes destinações: custeio das atividades forenses (inclusive para treinamento e aperfeiçoamento de pessoal), ajuda de custo, equipamentos e materiais permanentes de qualquer órgão do Poder Judiciário, obras em edifícios de fóruns das comarcas do Estado, e retribuição pecuniária de conciliadores e juízes leigos, com exceção da folha de pagamento de pessoal e seus encargos.

Para 2023, a previsão do fundo é arrecadar R$ 275 milhões. O Tribunal de Justiça também receberá R$ 1,1 bilhão do orçamento do Estado. A peça orçamentária de MS totaliza R$ 22 bilhões neste ano.

Projeto sobre tarifaço das custas judiciais vai voltar a ser discutido na Assembleia em 2023. (Foto: Luciana Nassar/ALMS)
Projeto sobre tarifaço das custas judiciais vai voltar a ser discutido na Assembleia em 2023. (Foto: Luciana Nassar/ALMS)

Tarifaço – O projeto do Tribunal de Justiça para tarifaço das custas judiciais chegou à Assembleia Legislativa em outubro do ano passado, mas não foi votado por conta da pressão da sociedade e OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil), que alerta para a inconstitucionalidade da proposta.

O projeto aumenta em 100% as custas judiciais para processos de busca e apreensão em alienação fiduciária, contratos bancários e seguro.

Considerando a Uferms (Unidade Fiscal Estadual de Referência de Mato Grosso do Sul) de janeiro, usada para a cobrança da taxa, a ação de até R$ 5 mil terá o custo dobrado de R$ 708 (15 Uferms) para R$ 1.416 (30 Uferms). A unidade é fixada mensalmente pelo governo por meio de resolução. Atualmente, cada unidade equivale a R$ 47,20.

Para causas de R$ 5 mil a R$ 10 mil, a taxa passa de 26 para 52 Uferms. Em cálculo atualizado, sobe de R$ 1.227 para R$ 2.454, por exemplo. Ações com valor de R$ 50 mil a R$ 100 mil terão custas judiciais elevadas de R$ 4.720 para R$ 9.440.

Em qualquer processo, pode ser solicitada a Justiça gratuita caso a parte seja hipossuficiente. Essa possibilidade é assegurada pelo Código de Processo Civil e na Constituição Federal.

Contudo, o que pesa são os requisitos para a concessão da gratuidade e nem sempre uma pessoa que não tem condição de arcar com as custas consegue provar essa dificuldade.

Na justificativa do projeto, o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Carlos Eduardo Contar, informou que o aumento vai custear a instalação, ampliação e manutenção das estruturas judiciárias voltadas à solução de conflitos. Dos 12.618 processos em andamento nas três Varas dedicadas a questões bancárias em Campo Grande, 8.302 são relacionados à busca e apreensão de veículos e contratos bancários.

Em novembro do ano passado, por exemplo, o Tribunal de Justiça teve receita de R$ 13,4 milhões em custas judiciais.

'É um desestímulo e a parte beneficiada serão as instituições bancárias", diz Luiz Fernando (Foto: Idaicy Solano)
'É um desestímulo e a parte beneficiada serão as instituições bancárias", diz Luiz Fernando (Foto: Idaicy Solano)

Parte beneficiada - De acordo com o advogado Luiz Fernando Cardoso Ramos, o Tribunal de Justiça tem cada vez mais limitado o acesso e criando obstáculos para os cidadãos.

“Agora, o tribunal lança essa proposta querendo, de uma forma injustificada, usar parâmetros distintos para processos de contratos bancários. O projeto é inconstitucional e não foi aprovado porque a OAB de MS foi enérgica e evitou que passasse na calada da noite. É um desestímulo e a parte beneficiada serão as instituições bancárias”, diz Ramos.

Ainda conforme o advogado, outro ponto importante é que o Tribunal de Justiça apresentou o projeto de lei sem detalhar o quanto a mais será arrecadado e sua destinação.

No ano passado, o advogado foi parar no radar do TJ-MS por mover 40 mil ações, o que seria advocacia predatória. Ramos negou a prática e afirmou que menos pessoas procurariam o Poder Judiciário contra os bancos se fossem aplicadas altas indenizações.

Em documento encaminhado à Assembleia Legislativa, a Associação dos Advogados de Mato Grosso do Sul destaca que não há estudo justificando a necessidade de aumento em 100%.

“Todavia, não há, nem mesmo, estudo do real impacto financeiro na alteração das custas. Qual o valor a mais seria arrecadado e de que forma esse valor seria repassado, em benefícios, ao jurisdicionado? Onde de fato esses valores seriam investidos? Como o TJMS chegou ao montante de 100%”, questiona o documento assinado pelo presidente André Luís Xavier Machado.

Enquanto isso, no Paraná – Já no vizinho Paraná, que é bastante procurado pelo sul-mato-grossense para escapar das taxas altas cartorárias praticadas aqui, as custas judiciais também são menores. Uma ação com valor de R$ 15 mil contra banco pagou custas de R$ 737.

Em Mato Grosso do Sul, ação no valor de R$ 15 mil tem atuais custas de R$ 1.652. Com o tarifaço proposto pelo TJ, passa para R$ 3.304. De acordo com a advogada Rita Franco, o Tribunal de Justiça do Paraná cobra as custas judiciais por porcentagem. Em Mato Grosso do Sul, são sete faixas de cobrança conforme o valor da causa em reais.

“Já não é justa essa forma de cobrança. Não faz sentido a pessoa que discute mil reais pagar o mesmo de quem discute R$ 5 mil”, avalia a advogada.

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