Cidade onde violência de gênero matou 4 em um mês planeja ações de prevenção
“Costa Rica tem uma questão cultural, é muito alto o índice de violência doméstica", afirma o delegado do município
Em apenas um mês, a população de Costa Rica, cidade de pouco menos de 20 mil habitantes a 305 quilômetros de Campo Grande, viveu as experiências mais profundas da violência de gênero. Quadro vidas foram perdidas para o machismo, o sentimento de posse e o ciúme doentio.
Famílias alteradas completamente pela ausência e pela dor, agora servem de exemplo para a criação de um programa de enfrentamento a violência contra a mulher na região marcada por altos índices de agressões. Para entender os esforços e a necessidade do enfrentamento a esse tipo de violência no município, é preciso contar o fim da história dessas quatro pessoas, neste 1º de junho que, em Mato Grosso do Sul, é desde 2018 o "Dia de Combate ao Feminicídio".
Elza - No dia 11 de maio, Elza Lima Soares, de 46 anos, abriu mão da própria vida para salvar a da filha. Já era noite quando as duas foram surpreendidas por Weber Barcelos da Silveira, 36 anos, ex-marido de Roseli Costa Soares, de 28 anos, que estava proibido de se aproximar por força de uma medida protetiva.
Ainda assim, inconformado com a separação, ele se armou e foi até a casa em que a ex-mulher estava. Assim que os disparos foram feitos, Elza entrou na frente da filha e ali morreu por ela, antes do socorro chegar. Roseli ainda foi atingida, mas sobreviveu. Weber se suicidou em seguida e deixou o filho de 11 anos, que presenciou o assassinato da avó e a morte do pai, sozinho.
O ato de amor e sacrifício de Elza diante do “descontrole” de Weber, causou comoção entre policiais que atenderam ao caso e a própria população. A cidade ainda se “recuperava” da história trágica quando as outras duas mortes aconteceram.
Marilei e Gilcione - Marilei Ramo e o namorado dela, Gilcione Rodrigues Martins, de 33 e 34 anos, foram cruelmente assassinados no dia 28 de maio. A prisão do autor do crime, Jair Soares de Oliveira, revelou que o crime foi motivado pelo ódio e ciúme de um relacionamento que chegou ao fim.
Por não aceitar o término, Jair já havia agredido e ameaçado a ex-companheira. Marilei recorreu a polícia, registrou boletim de ocorrência, mas ainda assim foi perseguida. Em março, foi sequestrada pelo suspeito, que tentou fugir da cidade com ela. Para se salvar, a mulher pulou do carro em movimento e relatou momentos de desespero vividos nas mãos do ex.
Após a morte, a polícia descobriu várias ligações de Jair para ela. A perseguição não havia chegado ao fim mesmo com uma medida protetiva dividindo os dois. Na tentativa de afastar o ex, Marilei afirmou que o denunciaria novamente, mas não teve tempo. Acabou assassinada com um punhal caseiro ao lado do namorado e na frente da filha de apenas 3 anos.
Para o delegado titular da cidade e responsável pelo caso, Cleverson Alves, os dois crimes são resultados de uma cultura de violência contra a mulher na região. Para a autoridade policial, esse traço de comportamento foi ainda mais agravado com o aumento da convivência imposto como medida de combate a disseminação do coronavírus.
Essa leitura, de que a pandemia fez recrudescer a violência de gênero, tem sido feita pelos especialistas da área com base nas evidências do aumento de casos.
“Costa Rica tem uma questão cultura, uma questão local, é muito alto o índice de violência doméstica aqui na cidade. Mas agravou com a chegada da pandemia. Aumentou significamente o número de violência doméstica aqui em razão a pandemia e culminou com esses dois casos emblemáticos”, avalia o delegado.
Na data em que é comemorado o Dia Estadual de Combate ao Feminicídio, 1ª de junho, Cleverson fala na criação de um programa de enfrentamento a violência contra a mulher para fato conseguir frear os crimes na região. A medida ainda está sendo discutida na cidade.
Do interior a capital – Enquanto isso, em Campo Grande, a Deam (Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher) usa a data estadual para reforçar o combate diário contra os crimes de gênero utilizando as redes sociais para divulgar vídeos e assim chegar as casas das vítimas.
Na cidade foram já foram cinco mulheres assassinadas neste ano: Graziele Quele Ferreira Gomes, de 39 anos, Maria Graziele Elias de Souza, de 21 anos, Antônia Sales, de 72 anos, Maxelline da Silva dos Santos, 28 anos e Regiane Fernandes de Farias, de 39 anos.
Outra medida estudada pela delegacia especializada é aumentar a distribuição dos alarmes entre as mulheres com medidas protetivas. O equipamento, que deve ser adquirido em parceria entre os poderes estadual e municipal, garante que o autor não se aproxime mais de 500 metros da vítima.
Se isso aconteceu um alarme é disparado, alertando a aproximação do suspeito e permitindo tempo de reação para a vítima. O aparelho funciona como uma tornozeleira eletrônica. “Além disso nossa contribuição para o combate ao feminicídio é diária, investigando as denúncias e primando pela apuração de todas os feminicídios da capital como prioridade máxima”, destacou a delegada da unidade, Fernanda Felix.