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Cidades

Comércio de sentenças era “notório” nos corredores do TJ, revelou “grampo” da PF

Futuro presidente do Tribunal é citado em diálogo interceptado após operação contra desembargador aposentado

Por Anahi Zurutuza | 24/10/2024 16:12
Chegada de policiais federal pela entrada dos gabinetes do desembargadores do TJMS no início desta manhã (Foto: Henrique Kawaminami)
Chegada de policiais federal pela entrada dos gabinetes do desembargadores do TJMS no início desta manhã (Foto: Henrique Kawaminami)

O comércio de sentenças do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) era de “notório conhecimento” no Judiciário sul-mato-grossense e ficou evidente, de acordo com a PF (Polícia Federal), em diálogo interceptado logo após a Operação Tiradentes, que teve o desembargador Divoncir Schreiner Maran e os filhos dele como alvos. Na conversa informal, a assessora do desembargador hoje aposentado, Julio Siqueira, Natacha Neves de Jonas Bastos, diz a uma juíza que “todo mundo lá em cima fala” dos “negócios” de Sideni Soncini Pimentel, eleito presidente da Corte na semana passada.

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A Polícia Federal revelou que a prática de corrupção no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) era amplamente conhecida, envolvendo desembargadores que negociavam decisões judiciais através de escritórios de advocacia administrados por seus filhos. Conversas interceptadas indicam que os desembargadores, como Sideni Pimentel, influenciavam julgamentos em troca de pagamentos, utilizando seus filhos como intermediários para evitar rastreamento financeiro. A operação "Ultima Ratio" resultou em mandados de busca e apreensão e no afastamento de cinco desembargadores, com investigações focadas em corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa dentro do Judiciário.

A troca de mensagens com a juíza de Aquidauana Kelly Gaspar Duarte Neves, que até 2022 era diretora de Interior da Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul, resume todo o enredo narrado pela PF e pelo MPF (Ministério Público Federal) para conseguir do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decisão favorável ao afastamento de cinco desembargadores e os mandados de busca contra 27 alvos da Operação Ultima Ratio, desencadeada nesta quinta-feira (24). A magistrada não aparece na lista de investigados.

“Tais mensagens apontam que a prática de crimes por desembargadores é de notório conhecimento interno no Judiciário”, afirma a Polícia Federal ao introduzir trecho do diálogo em que a funcionária pública diz: “Todo mundo lá em cima fala negócio de Sideni, de rolo disso, daquilo, do povo... Até do Marcão e tal. Todo mundo fala: ‘ai, não sei como que o CNJ não pega, a Polícia Federal não pega’”.

Ainda conforme a investigação, os escritórios de advocacia dos filhos dos desembargadores que estão no alvo serviam como “balcão de negócios” para a conquista de decisões favoráveis do TJMS.

“As conversas travadas entre a analista judiciária e a magistrada corroboram a hipótese criminal levantada no presente inquérito policial, no sentido de que a negociação de decisões judiciais ocorra por intermédio dos filhos dos desembargadores, os quais são, em sua maioria, advogados e sócios de escritórios de advocacia e utilizariam de suas pessoas jurídicas na intenção de burlar os mecanismos de rastreamento do fluxo de dinheiro”, completa a PF, referindo-se a momento da conversa em que a juíza explicita:

“Do Sideni também tem e... só que sempre pelos filhos, sabe? Sempre pelos filhos. Mas a investigação lá tá há um tempão já no... no CNJ [Conselho Nacional de Justiça]”.

Citado 120 vezes na decisão do ministro Francisco Falcão, seja pelo próprio magistrado do STJ ou em trechos destacados por ele do relatório da PF, o desembargador Sideni Pimentel é apontado como o responsável por influenciar no resultado de vários julgamentos favorecendo clientes que pagavam por decisões por intermédio do escritório do filho do magistrado, Rodrigo Pimentel.

O advogado também foi interceptado e mostra que o esquema é de longa data. Ao travar diálogo com outro defensor, também investigado pela PF, Pimentel diz: “Vai sair hoje! Certeza! Perto das 6 da tarde! Pode falar para seus parceiros aí até o horário pra ver que temos o controle!”.

A conversa aconteceu em março de 2016 e foi encontrada em prints da tela do WhatsApp salvos em um HD externo apreendido na casa do interlocutor de Rodrigo, alvo de operação no passado. Para a PF, um “forte indício” que o desembargador e o filho direcionavam julgamentos que os interessavam.

“Outras conversas salvas na mídia apreendida reforçariam a hipótese criminal de que Rodrigo Gonçalves Pimentel atuaria na intermediação de negociação de decisões judiciais”, anotou o ministro na decisão a qual o Campo Grande News teve acesso.

Ultima Ratio – Nesta quinta-feira, a Polícia Federal foi às ruas para cumprir 44 mandados de busca e apreensão em Campo Grande (MS), Cuiabá (MT), Brasília (DF) e São Paulo (SP).

O STJ ainda deferiu o pedido de afastamento dos sigilos bancário e fiscal de investigados, além de determinar o afastamento das funções e o monitoramento por tornozeleira eletrônica dos desembargadores: Vladimir Abreu da Silva, Alexandre Aguiar Bastos, Marcos José de Brito Rodrigues, Sérgio Fernandes Martins e Sideni Soncini Pimentel.

A ação levou o nome de “Ultima Ratio”, expressão do latim traduzida literalmente como "[a força é] o último argumento dos reis" e que significa que esgotados todos os argumentos razoáveis num debate, impõe-se o uso da força.

Segundo a Polícia Federal, o objetivo é "investigar possíveis crimes de corrupção em vendas de decisões judiciais, lavagem de dinheiro, organização criminosa, extorsão e falsificação de escrituras públicas no Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul".

A reportagem esteve no escritório de Rodrigo Pimentel pela manhã, mas não o encontrou no local. A equipe também foi ao escritório da advogada Renata Gonçalves Pimentel. Ela é filha do desembargador Sideni Soncini Pimentel e citada como alvo da Polícia Federal. Por meio da recepcionista, Renata se disse surpresa com a operação e que, por enquanto, não prestará qualquer declaração. O espaço segue aberto para futuras manifestações.

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