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Cidades

Desembargador aposentado beneficiou médico e sobrinho de conselheiro do TCE

Julio Siqueira é apontado como um dos magistrados que vendiam sentenças no TJMS

Por Jhefferson Gamarra | 24/10/2024 15:55
Desembargador Julio Siqueira durante sua despedida do TJMS (Foto: Divulgação/TJMS)
Desembargador Julio Siqueira durante sua despedida do TJMS (Foto: Divulgação/TJMS)

No relatório de investigação da Polícia Federal sobre corrupção e venda de sentenças no TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), o desembargador aposentado Júlio Roberto Siqueira Cardoso aparece como um dos magistrados envolvidos de forma ativa no esquema, pelo menos, desde decisões da antiga Operação Lama Asfáltica.

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O desembargador aposentado Júlio Roberto Siqueira Cardoso foi encontrado com R$ 2,7 milhões em sua residência durante uma operação da Polícia Federal que investiga um esquema de corrupção e compra de sentenças judiciais no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. A operação, chamada Ultima Ratio, revelou a participação de Siqueira e outros magistrados em decisões judiciais questionáveis relacionadas a uma disputa por uma fazenda, além de indícios de favorecimento a advogados em processos que resultaram em pagamentos indevidos. Apesar do pedido de prisão feito pela PF, o Ministério Público Federal se manifestou contra, sugerindo que o afastamento dos envolvidos de suas funções seria suficiente para garantir a investigação.

A investigação teve início após a análise do telefone de Danillo Moya Jeronymo, servidor do Tribunal de Justiça e sobrinho do conselheiro do TCE, Osmar Jeronymo, que revelou negociações ilícitas envolvendo decisões judiciais relacionadas à disputa por uma fazenda situada em Maracaju.

O caso começou quando a proprietária da área contraiu diversos empréstimos do médico infectologista Percival Henrique de Souza Fernandes, com juros de 3%, dando como garantia parte da fazenda. Posteriormente, a fazenda foi entregue a empresas ligadas a Diego Moya Jeronymo, o que deu origem a ação judicial contestando a regularidade da venda e a validade das assinaturas.

A PF aponta  que o desembargador Júlio Siqueira e outros magistrados alvos da operação foram acionados para favorecer Diego e Percival, que teriam forjado assinaturas para negociar a fazenda.

Júlio Siqueira participou de julgamentos de recursos (agravos de instrumento) apresentados pelos dois, juntamente com os desembargadores Vladimir Abreu da Silva e Alexandre Aguiar Bastos. Nessas decisões, foi alegado que a matéria estava preclusa, que é a perda do direito de manifestação em um processo judicial.

A decisão, foi uma das que levantaram suspeitas sobre a integridade dos julgamentos e reforçaram as hipóteses de uma rede de corrupção no TJMS.

Outro caso que aponta a suposta venda de sentença por parte do desembargador aposentado, surgiu após resultados de provas compartilhadas pela Operação Lama Asfáltica (Fase VI), quando ele atuava na 5ª Câmara Cível.

A investigação abrange a suspeita de que Paulo Siqueira e o juiz Paulo Afonso de Oliveira, da 2ª Vara Cível de Campo Grande, favoreceram indevidamente a advogada Emmanuelle Alves Ferreira da Silva, esposa do juiz Aldo Ferreira da Silva Júnior, em um processo judicial que resultou no pagamento indevido de mais de R$ 5 milhões.

De acordo com o relatório da Polícia Federal, o juiz Paulo Afonso ignorou denúncias de falsidade ideológica em documentos que embasavam a ação, rejeitando tanto a impugnação quanto aos embargos à execução sob justificativas processuais questionáveis, e procedeu ao pagamento de mais de R$ 5 milhões sem qualquer verificação da confirmação dos documentos.

Por sua vez, o desembargador Júlio Siqueira, após inicialmente suspender a execução, revogou a sua própria decisão, permitindo o prolongamento do processo mesmo diante das alegações de falsificação.

Emmanuelle foi presa em julho de 2018 no episódio conhecido como o “golpe milionário”. No Entanto, em janeiro deste ano, ministro Sebastião Reis Júnior, do STJ, em decisão monocrática ao julgar habeas corpus, absolveu a advogada. A situação foi enquadrada em “estelionato judicial”, que não tem previsão na legislação penal.

Dinheiro que somou R$ 2,7 milhões estavam na casa de desembargador aposentado (Foto: Divulgação/PF)
Dinheiro que somou R$ 2,7 milhões estavam na casa de desembargador aposentado (Foto: Divulgação/PF)

Pedido de prisão – A PF (Polícia Federal) havia pedido, inclusive, a prisão do desembargador aposentado Júlio Roberto Siqueira Cardoso. No entanto, ao ser consultado, o MPF (Ministério Público Federal) se manifestou contra a prisão, alegando que, embora os elementos de provas sejam “robustos e de demonstradores de fatos graves”, o afastamento dos servidores das funções públicas seria suficiente “para estancar a prática delitiva e assegurar o bom andamento das apurações”.

No despacho, o ministro do STJ concordou com o argumento do MPF e indeferiu o pedido de prisão.

Hoje, durante busca e apreensão,foram encontrados, em posse do desembargador aposentado, R$ 2,7 milhões de reais em dinheiro vivo, em casa, durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão contra ele.

O ex-magistrado é um dos 27 alvos de busca e apreensão da Operação Ultima Ratio, que apura esquema de compra de sentenças judiciais.

Os desembargadores da ativa, investigados na operação, foram afastados das funções, conforme determinação do STJ (Superior Tribunal de Justiça): Marcos José de Brito Rodrigues; Vladimir Abreu; Sérgio Fernandes Martins; Sideni Soncini Pimentel; e Alexandre Aguiar Bastos. Também apura envolvimento do desembargador aposentado Divoncir Schreiner Maran.

Para os investigados que ocupam cargos públicos ainda foi deferido o afastamento das funções pelo prazo de 180 dias e uso de tornozeleira eletrônica.

“Embora presentes os requisitos e pressupostos que autorizariam a decretação da prisão preventiva, é forçoso reconhecer que há medida menos gravosa que pode vir a ser decretada, com o objetivo de fazer cessar a prática delitiva e resguardar os valores em jogo (...)”, discorreu o ministro Francisco Falcão, relator do processo no STJ.

Segundo o ministro, “fica claro de tudo quanto narrado e demonstrado na representação policial que os crimes que vem sendo, em tese, praticados têm como meio o cargo público ocupado pelos investigados, de modo que se mostra razoável que, antes de se recorrer à medida extrema de prisão preventiva, seja determinado o afastamento dos respectivos cargos”.

Busca e apreensão – O ministro também autorizou a busca e apreensão nos endereços ligados aos investigados.

No caso dos desembargadores, além do endereço residencial, também foi determinada a varredura “especificamente nos gabinetes”, inclusive, os ocupados no exercício da função de presidente e vice-presidente da Corte. A PF pode vasculhar, ainda, as salas do servidor do judiciário, Danillo Moya Jeronymo.

A varredura foi concedida também na casa dos desembargadores aposentados, as sedes das empresas Florais Transportes e Florais Táxi Aéreo, ambas de Cuiabá (MT), escritórios e casa dos advogados. Além dos já citados, foi determinada busca e apreensão em endereço pessoal ligado ao procurador de Justiça Marcos Antônio Martins Sottoriva, da 5ª Procuradoria da Justiça Cível do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul).

Os policiais tiveram autorização para confiscar agendas, inclusive de anos anteriores, documentos, rascunhos, decisões, contratos, prestações de serviços, notas fiscais, planilhas de custos contabilizados, recibos, comprovantes de depósito ou de transferências bancárias, entre outros documentos comprobatórios de pagamentos de vantagens financeiras, procurações, contratos de promessa de compra e venda de bens, licenciamento de veículos, pendrive HD externo, notebook, telefone e outros arquivos. “Está autorizado, ainda, o arrombamento de cofres caso não sejam voluntariamente abertos”.

Na operação, foram cumpridos 44 mandados de busca e apreensão em Campo Grande (MS), Cuiabá (MT), Brasília (DF) e São Paulo (SP).

A reportagem tentou contato com todos os citados em contatos e endereços disponíveis, mas até a publicação da matéria não houve retorno. Em nota, o TJMS, através da vice-presidência, informou que a "investigação é sigilosa e determinou medidas direcionadas exclusivamente a alguns desembargadores, magistrado e servidores do Tribunal, as quais estão sendo regularmente cumpridas, sem prejuízo a quaisquer dos serviços judiciais prestados à população".

A Corte reforçou, ainda, que os investigados terão certamente todo o direito de defesa e os fatos ainda estão sob investigação, não havendo, por enquanto, qualquer juízo de culpa definitivo.

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