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Cidades

Fim de uma era: mudança assustou, mas merenda sem “vilões” foi aceita

Crianças “denunciaram” sumiço do açúcar e ultraprocessados: entenda o que mudou e o porquê

Caroline Maldonado | 23/10/2022 10:10
Almoço na Escola Municipal de Tempo Integral Ana Lúcia de Oliveira Batista, no Jardim Paulo Coelho Machado, em Campo Grande. (Foto: Henrique Kawaminami)
Almoço na Escola Municipal de Tempo Integral Ana Lúcia de Oliveira Batista, no Jardim Paulo Coelho Machado, em Campo Grande. (Foto: Henrique Kawaminami)

Acabou a era do pão, margarina, leite e achocolatado. No primeiro dia do resto de suas vidas saudáveis, as crianças sentiram a diferença e muitas torceram o nariz. Não pensaram duas vezes e “denunciaram” aos pais: alguma coisa estava errada com a merenda. Tão pequenos, eles nem imaginam que o dissabor era uma fase de adaptação para uma vida saudável, que toda criança merece.

Começaram assim as mudanças nos cardápios da alimentação escolar impostas por portaria de 2020 do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) do Ministério da Educação.

Como a pandemia suspendeu as aulas, neste ano, as escolas começaram a implantar os novos cardápios. Teve mães relatando que os filhos disseram que "o leite estava aguado" e outras adorando a novidade, porque já estavam tentando mesmo cortar o açúcar no prato dos filhos, hoje, tido como vilão da vida saudável se consumido em excesso.

Novas regras - Para as crianças de até 3 anos de idade ficou proibida a oferta de alimentos ultraprocessados e a adição de açúcar, mel e adoçante nas preparações culinárias e bebidas.

Crianças e refeição nos Cein (Centro de Educação Infantil ) Irmã Angelina, em Bela Vitsta. (Foto: Divulgação/Secretaria de Educação)
Crianças e refeição nos Cein (Centro de Educação Infantil ) Irmã Angelina, em Bela Vitsta. (Foto: Divulgação/Secretaria de Educação)

Aos estudantes com mais de 3 anos, é permitido o uso do açúcar simples para alcançar, no máximo, 7% da energia total que a alimentação deve conter. Além disso, de 15% a 30% da energia total deve ser de gorduras totais e até 7% da energia total pode ser de gordura saturada.

Também há limites para o uso do sódio nas refeições e é proibida a oferta de gorduras trans industrializadas em todos os cardápios. O ministério faz ainda recomendações para ofertas de alimentos in natura ou minimamente processados, como frutas e sucos.

Merendeira prepara lanche na Escola Municipal de Tempo Integral Ana Lúcia de Oliveira Batista, no Jardim Paulo Coelho Machado. (Foto: Henrique Kawaminami)
Merendeira prepara lanche na Escola Municipal de Tempo Integral Ana Lúcia de Oliveira Batista, no Jardim Paulo Coelho Machado. (Foto: Henrique Kawaminami)

Adaptação - Não foi de uma hora para outra que tudo mudou e nas escolas do interior tem sido mais fácil e rápida a transição, devido ao volume de alimentos que as prefeituras têm que adquirir para dar conta dos cardápios. A portaria determinou, inclusive, que as escolas fizessem testes de aceitabilidade sempre que colocassem algo novo na merenda.

Nas 19 escolas de Bela Vista, a 324 quilômetros da Capital, a nutricionista da rede municipal, Andressa Dagostin Santos, fez reuniões com as merendeiras, pais e mães para cumprir a missão de por fim a era dos "aditivos do mal" na merenda.

A redução do açúcar vai evitar diversos problemas e doenças crônicas, como, por exemplo, diabetes e hipertensão. O café da manhã, tem leite, cacau 100% e para quebrar o amargo colocamos banana. Em algumas escolas leite e cacau apenas, depende da aceitação. O pão vai com requeijão feito pelas merendeiras todos os dias. O lanche da manhã é fruta, o almoço, geralmente, arroz, feijão todos os dias, proteínas e verduras”, conta Andressa.

Bolos adoçadas apenas com frutas em escola do município de Bela Vista. (Foto: Divulgação/Secretaria de Educação)
Bolos adoçadas apenas com frutas em escola do município de Bela Vista. (Foto: Divulgação/Secretaria de Educação)

No lanche da tarde, bolos e tortas são preparados sem trigo, com aveia e adoçados somente com frutas. “Foi um trabalho de formiguinha e hoje eles estão adaptados, inclusive levando para casa essas noções de alimentação saudável”, diz a nutricionista.

O secretário de Educação de Bela Vista, Idelcides Gutierres, conta que a adaptação foi mais difícil no café da manhã.

Crianças comendo legume no Cein (Centro de Educação Infantil ) Dona Zifa, em Bela Vitsta. (Foto: Divulgação/Secretaria de Educação)
Crianças comendo legume no Cein (Centro de Educação Infantil ) Dona Zifa, em Bela Vitsta. (Foto: Divulgação/Secretaria de Educação)

“Porque temos uma cultura de tomar leite com bastante açúcar, achocolatado e essa resolução retira esses ingredientes. Não podemos nem colocar no processo licitatório, existe um controle do Tribunal de Contas do Estado e FNDE na prestação de contas”, detalha Idelcides.

Velhos hábitos - Andressa conta que alguns pais e mães ficaram com medo das crianças passarem fome por causa de recusar os leites sem achocolatado açucarado, mas sempre são oferecidos outros alimentos de opção às crianças.

Nós temos que deixar a criança escolher. Caiu por terra a situação de que a criança tem que comer, fazer aviãozinho. Ela tem que ser respeitada. A nutrição nas escolas é muito importante para desmistificar o que nossas avós trouxeram para nossas mães. Temos que ouvir o que a criança tem para nos falar, mas lógico que temos que orientar e monitorar”, explica Andressa.

Merendeiras e a nutricionista da rede municipal de Educação de Bela Vista, Andressa Dagostin Santos. (Foto: Divulgação/Secretaria de Educação)
Merendeiras e a nutricionista da rede municipal de Educação de Bela Vista, Andressa Dagostin Santos. (Foto: Divulgação/Secretaria de Educação)

Menos açúcar, mais verdura - Em Campo Grande, a nutricionista da rede municipal Marina Gabinio, também comemora os avanços na adaptação dos cardápios. Ela conta que alguns pais também questionaram as mudanças porque as crianças com mais de 3 anos notaram o sabor diferente do cacau com 32% de açúcar adicionado, mas entenderam os motivos.

Alguns poucos pais são resistentes, mas já sabem que a criança escolhe o que comer, não vai ficar com fome e essas refeições já impactaram no dia a dia. Os estudantes precisam disso, porque Campo Grande está entre as Capitais com mais pessoas obesas do País e com isso há muitas doenças. A alimentação saudável vai mudar essa realidade e já está mudando, por exemplo, o dia a dia na sala de aula. Com menos açúcar, eles têm mais concentração”, explica Marina.

Nutricionista da rede municipal de Educaçãod e Campo Grande, Marina Gabinio. (Foto: Henrique Kawaminami)
Nutricionista da rede municipal de Educaçãod e Campo Grande, Marina Gabinio. (Foto: Henrique Kawaminami)

Na Escola Municipal de Tempo Integral Ana Lúcia de Oliveira Batista, no Jardim Paulo Coelho Machado, uma horta garante boa parte dos legumes e verduras usados na merenda.

Hora do almoço - O cheiro está maravilhoso: arroz, feijão, carne moída com legumes e salada. É aí que podemos flagrar o que as nutricionistas já relataram.

Tem criança que enche o prato, outras não querem feijão nem pensar, outras só querem feijão por hoje e está tudo bem. É assim mesmo, porque logo mais vem outra refeição com frutas e elas poderão escolher a favorita.

 Alana Figueiredo e Lívia de Oliveira, na Escola Municipal de Tempo Integral Ana Lúcia de Oliveira Batista, em Campo Grande (Foto: Henrique Kawaminami)
 Alana Figueiredo e Lívia de Oliveira, na Escola Municipal de Tempo Integral Ana Lúcia de Oliveira Batista, em Campo Grande (Foto: Henrique Kawaminami)

“Gosto mais do tomate, da carne e maçã", elenca Alana Figueiredo. "Não gosto de beterraba, mas eu ponho em cima do arroz, do feijão e da carne um pouquinho", confessa Lívia de Oliveira. "Não gosto de carne, mas eu como porque meu pai falou que é bom comer", revela Ester Helena Damasceno.

Com 5 anos de idade, elas têm liberdade na escola para comer o que sentirem vontade, mas os professores e merendeiras ficam de olho para ajudar na conscientização da importância dos alimentos à saúde. Alguns legumes e verduras vêm da horta da escola. "As crianças visitam a horta e participam do cultivo, fazem perguntas. Elas gostam muito", conta o responsável pela horta, Clodoilson da Costa.

Para conferir cada detalhe da portaria que institui o cardápio mais saudável nas escolas do Brasil clique aqui.

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