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Cidades

Gratificação "engorda" salários de juízes e coloca TJMS entre mais gastadores

Magistrados podem "vender" dias de folga ganhados, "jeitinho" que rendeu até R$ 75 mil em 6 meses a cada juiz

Por Anahi Zurutuza | 10/01/2024 21:04
Pedestres passam pela deusa Thêmis, da Justiça, em frente ao Fórum de Campo Grande (Foto: Henrique Kawaminami/Arquivo)
Pedestres passam pela deusa Thêmis, da Justiça, em frente ao Fórum de Campo Grande (Foto: Henrique Kawaminami/Arquivo)

O TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) copiou fórmula criada pelo Ministério Público para pagar mais uma gratificação a juízes e desembargadores driblando o teto constitucional – regra que impede o pagamento de salários maiores que o de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). O “jeitinho” custou R$ 2,5 milhões em novembro do ano passado, mas há a suspeita que já tenha levado R$ 15,4 milhões dos cofres públicos, conforme denúncia da Transparência Brasil.

Relatório divulgado em dezembro pela organização mostra ainda que membros do Judiciário podem ter recebido até R$ 75,5 mil (cada um) do “novo” benefício em seis meses. O curioso, destaca a entidade que fiscaliza os gastos públicos, é que a gratificação chamada de licença compensatória foi criada sob o pretexto de economizar dinheiro do erário.

A Transparência Brasil montou linha do tempo até a criação do novo “penduricalho”. Em 2015, de acordo com o levantamento, o Congresso aprovou e a presidente Dilma Rousseff (PT) sancionou lei que criou a gratificação por exercício cumulativo para juízes e desembargadores federais e da Justiça do Trabalho. O bônus é de um terço do salário concedido a magistrados que trabalham em mais de um juízo ou são responsáveis por muitos processos. A legislação trata o benefício como de caráter remuneratório e, portanto, atrelado ao teto constitucional.

Cinco anos mais tarde, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) autorizou que os tribunais estaduais pagassem a gratificação, mas foi no ano passado que veio a “inovação”. Em janeiro, o CNMP (Conselho Nacional de Ministério Público) regulamentou essa mesma bonificação no Ministério Público da União, com uma adaptação: o benefício passou a ser concedido como dias de folga – 1 para cada 3 dias trabalhados –, a título de licença-compensatória, para os procuradores e promotores que acumulam funções. Só que os membros do MP “vendem” esses dias de folga e como o pagamento recebido tem caráter indenizatório, não entra na soma que precisa ficar dentro do teto previsto em lei.

Em abril, o presidente do TJMS, desembargador Sérgio Martins, enviou projeto de lei à Assembleia Legislativa modificando trecho de lei que versa sobre o pagamento de gratificação por acúmulo de trabalho e permitindo que o benefício pudesse ser substituído pela licença compensatória. “A nova redação suprimiu a observância ao teto remuneratório, e instituiu a licença compensatória como alternativa à gratificação, nos mesmos termos do que o CNMP havia editado. Segundo a justificativa do projeto, com a medida o órgão iria ‘economizar recursos ao erário’, por instituir uma ‘forma não pecuniária’ do benefício”, registrou a Transparência Brasil no relatório.

A proposta foi aprovada pelos deputados e sancionada em maio. Segundo a organização que vasculhou os gastos do TJ, há indícios que já em junho os magistrados passaram a “vender” as folgas, isso porque resolução, também assinada por Martins, autorizou a conversão da licença em pagamento. “Portanto, apesar de a justificativa do projeto de lei, assinada pelo presidente do TJMS, ser de que a criação da licença compensatória economizaria recursos públicos por instituir uma folga ‘não pecuniária’, o Judiciário permitiu que essa mesma folga fosse passível de conversão em pecúnia, desta vez em caráter indenizatório, portanto não sujeito ao teto constitucional”, completa o documento elaborado pela organização.

A análise feita pela Transparência Brasil, com base nos dados da remuneração dos juízes e desembargadores enviados pelo TJMS ao CNJ, chegou à conclusão que as licenças compensatórias foram pagas em dinheiro a 220 magistrados em novembro de 2023, o único mês em que o Judiciário sul-mato-grossense carimbou o pagamento. Só naquele mês foram gastos R$ 2.568.136,14 com as licenças e cada servidor recebeu entre R$ 9,7 mil e R$ 12,5 mil.

Custo médio – O custo médio por juiz no Brasil é de R$ 69,8 mil mensais. No país que emprega 18.117 na magistratura, o TJMS é a segunda Corte que mais gasta com “benefícios, encargos, previdência social, diárias, passagens, indenizações judiciais e demais indenizações eventuais e não eventuais” pagas a magistrados e servidores, conforme o relatório “Justiça em Números 2023”, do Conselho Nacional de Justiça, que tem por base dados das despesas de 2022.

São 225 juízes e desembargadores e 5.167 servidores empregados no Judiciário de Mato Grosso do Sul.

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