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Cidades

PMs rebatem fala de juiz: "utopia, romantizada e desconexa da realidade"

Magistrado criticou, ao Campo Grande News a forma como, segundo ele, se confronta os criminosos no Estado

Marta Ferreira | 09/12/2019 17:18
O presidente da Associação dos Oficiais Militares de MS, Alírio Vilassanti, que assina a nota em resposta a juiz. (Foto: Arquivo)
O presidente da Associação dos Oficiais Militares de MS, Alírio Vilassanti, que assina a nota em resposta a juiz. (Foto: Arquivo)

Provocou reação entre os policiais militares de Mato Grosso do Sul a entrevista dada ao Campo Grande News neste domingo (8) pelo juiz estadual José Henrique Kaster Franco, na qual ele faz críticas negativas à forma como, na visão dele, se combate os criminosos no Brasil e à “lógica do confronto” entre a polícia e bandido, com mortes em ambos os lados.

A entidade representativa dos oficiais da PM (Polícia Militar) veio a público, em texto de cinco páginas, para classificar a fala do juiz como “romantizada, com notas de utopia, e desconexa com a realidade social do país, e do Estado de Mato Grosso do Sul”.

No texto, aparecem 18 vezes a palavra “lamentamos”, acompanhada dos motivos pelos quais aassociação faz apontamentos contrários ao discurso adotado pelo magistrado. “Lamentamos que possa haver personalidades que se autoproclamem titulares do saber supremo sobre a pauta Segurança Pública, mesmo sem jamais ter sentido na pele ou vivenciado de perto a realidade da violência urbana, senão no conforto e na serenidade do gabinete”, começa o texto.

Nas cinco páginas, a AOFMS (Associação dos Oficiais Militares de MS), presidida pelo coronel Alírio Vilassanti, reclama de não ter sido ouvida a tempo de contrapor, ou até mesmo concordar com os argumentos, cita dificuldades enfrentadas pelos policiais que vão deste a falta de estrutura e de gente nos quartéis, além de reclamar de desvalorização salarial.

Outro trecho cita observação que o juiz também fez, de que a estrutura da Segurança Pública, “em verdade do Sistema de Justiça Criminal, pouco consegue alcançar os mandatários do crime organizado, aqueles que gerenciam atividades criminosas sem que se perceba, muitas vezes inseridos na vida social urbana, transitando livremente entre altas autoridades e poderosos, sem serem admoestados, muito pelo contrário, por vezes, sendo saudados e reverenciados”.

“Lamentamos que, mesmo quem já integrou o Sistema de Justiça Criminal, tenha uma fala onde atribui culpa exclusiva do flagelo civilizatório da violência somente à polícia”, continua o manifesto, em alusão ao fato de o magistrado já ter atuado na fronteira do Brasil com o Paraguai.

Para a entidade, a fala tem comprometimento com uma “única e exclusivamente com uma única visão acerca do problema, que aliás, é de alta complexidade, e de difícil solução”.

Problema complexo - Neste ponto, a nota ganha tom mais erudito ao fazer a citação do sociólogo francês Émile Durkheym. “Lamentamos que as políticas de Segurança Pública deixem de observar o delito como fenômeno social, não-patológico, normal e funcional (DURKHEYM), para concebê-los como simplesmente “problema de polícia”, o que contribui para o gravíssimo quadro de afastamentos por patologias psíquicas nas polícias brasileiras e, na mais extremada ação, com os suicídios de policiais.”

São elencados os inúmeros casos de suicídio nas forças policiais. Foram, anota o texto, 104 casos só no ano de 2018. Além disso, prossegue, “86 (oitenta e seis) policiais morreram em serviço, ou seja, em 2018 mais policiais morreram por suicídio do que em confrontos durante a execução da sua atividade-fim, o que por si só revela uma disfuncionalidade sistêmica”.

“Somos a polícia que mais morre no mundo!”, diz o material, ao relacionar 500 mortes em todo o país decorrentes do serviço policial no ano citado.

Não é mais assim – Quanto à afirmação do magistrado de que a Polícia Militar repete a lógica de guerra do Exército, a entidade refuta o teor e afirma que desde a redemocratização houve mudanças substanciais. “Lamentamos que nossos esforços de implantar práticas garantidoras de direitos e liberdades individuais tenham passado ao largo da fala do entrevistado, o que revela, em verdade, pouco conhecimento sobre a instituição Policia Militar”.

Também motivou critica o uso, “descontextualizado”, de expressão utilizada por oficial da PMMS (“Ninguém aprende a atirar na perna”), para criticar a corporação. “Reiteramos nosso compromisso com a preservação da vida, entretanto, conservamos plenamente nossa capacidade de ceifá-la, daqueles que injustamente investirem contra a integridade física de policiais ou de inocentes, ainda que o romantismo do entrevistado não comporte este tipo de ação, nem mesmo quando necessárias à preservação de vidas inocentes”, observa a entidade.

De acordo com a manifestação, o juiz deixou de exercer a consciência e refletir que as ações policiais que resultam morte, “obrigatoriamente ensejam uma investigação por inquérito policial militar (e muitas vezes por inquérito policial comum, em duplicidade), que são posteriormente submetidos ao juízo de admissibilidade de propositura de ação penal por parte do Ministério Público e que, sendo aceita a denúncia e se inaugurando o processo-crime, por fim, termina o feito sentenciado por um magistrado. Categoria que integra o entrevistado”.

Por fim, a associação defende que a nota não é de “repúdio”, pois “há concordância em boa parte
daquilo quanto dito pelo entrevistado”. Porém, finaliza o texto, há discórdia, “pontualmente, quanto ao diagnóstico, quando se tenta imputar culpa exclusiva pelo grave quadro da Segurança Pública em termos nacionais às Polícias Militares. Se há sangue sujando mãos de agentes públicos na barbárie cotidiana, também há sangue nas mãos governantes e de todos os que integram o Sistema de Justiça Criminal brasileiro.”

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