Pouco conhecido, auxílio aluguel é "socorro" para vítimas de violência doméstica
Na Capital, programa da prefeitura já beneficiou, pelo menos, 80 vítimas de violência doméstica no último ano
Ainda desconhecida pela população, uma das medidas protetivas oferecidas às vítimas de violência doméstica é a possibilidade de ter o aluguel pago por até seis meses, por meio do aluguel social. A medida já beneficiou, pelo menos, 80 vítimas em Campo Grande no último ano, segundo dados da prefeitura, e que hoje também é garantida por lei federal.
O auxílio aluguel foi incluído no rol das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionar a Lei 14.674/2023, que prevê a concessão do benefício a mulheres vítimas de violência doméstica, em setembro do ano passado.
Entretanto, a coordenadora do Nudem (Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher), defensora pública Zeliana Luzia Sabala, explica que, por ser recente, o benefício ainda é pouco conhecido por uma parcela da população. “Ainda está no início, e muitas pessoas não sabem que têm direito a ele. Aqui em Mato Grosso do Sul, por exemplo, é algo que ainda está ganhando visibilidade”, afirma.
Zeliana destaca que o benefício é destinado a mulheres que enfrentam risco à integridade física e possuem dependência econômica do agressor. “É necessário demonstrar que, sem esse auxílio, ela não consegue se manter, incluindo o pagamento do aluguel. Se ela tiver que escolher entre pagar o aluguel ou comprar comida, fica evidente a necessidade do benefício”.
Para a mulher vítima de violência doméstica e que não tem como pagar um aluguel para mudar de casa, o município e a lei federal garantem um auxílio-moradia por até seis meses, com possibilidade de prorrogação. “O valor e o período de concessão são definidos caso a caso, com base na situação da mulher. A lei estabelece que o auxílio pode ser concedido por até seis meses, prorrogáveis por mais seis, dependendo da justificativa”.
Basta a mulher entrar com um processo judicial, por meio da Defensoria, Ministério Público ou advogado particular, para solicitar a medida protetiva. O apoio também pode ser solicitado pela CMB (Casa da Mulher Brasileira).
Segundo a defensora pública, nesse momento, o que vale é a palavra da mulher. “A mulher pode procurar a delegacia para registrar um boletim de ocorrência, mas isso não é obrigatório para ter acesso a qualquer medida protetiva. Não é necessário um boletim de ocorrência ou processo criminal”.
A defensora também pontua que o auxílio-moradia é garantido a toda vítima que mora no país, independentemente da nacionalidade, como no recente caso de uma mulher haitiana, que sofria violência doméstica do ex-companheiro e conseguiu o benefício por meio da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul. Ela vive no Brasil há sete anos e, há seis meses, reside em Campo Grande com seus dois filhos pequenos.
“Atendemos pessoas de diversas origens: paraguaias, venezuelanas, haitianas, entre outras. Qualquer pessoa que resida no Brasil e esteja em situação de violência doméstica ou familiar pode buscar ajuda, independentemente de sua nacionalidade”, explica Zeliana.
Outros benefícios - Em Campo Grande, a prefeitura tem, desde 2022, o Programa Recomeçar Moradia (Lei nº 6.797, de 30 de março de 2022), que concede um subsídio financeiro, de caráter eventual, para o custeio de despesas com aluguel e outros gastos emergenciais relacionados à habitação.
A principal diferença é que o Recomeçar Moradia se aplica não apenas às mulheres vítimas de violência, mas também a outras situações emergenciais, como desastres naturais e risco de desabamento.
Para solicitar o auxílio aluguel, mulheres que passaram pela Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande, uma referência nacional no atendimento a mulheres em situação de violência, são encaminhadas ao Programa Recomeçar Moradia. O processo começa com o atendimento na CMB, que realiza o encaminhamento para a EMHA (Agência Municipal de Habitação).
As mulheres beneficiadas recebem o subsídio de R$ 500,00 por mês, durante um ano, para custear parte do aluguel de suas residências. As solicitações passam por triagem e análise de vulnerabilidade, considerando as condições emergenciais das solicitantes. Esse benefício já atendeu cerca de 80 mulheres.
Uma das beneficiárias é Amália*, de 31 anos, que foi vítima de violência doméstica, mas conseguiu romper o ciclo de violência após acessar a medida protetiva e o benefício financeiro. Ela viveu em um ciclo de 10 anos de violência no antigo relacionamento.
“Resolvi me separar porque essa pessoa tinha problemas com drogas e bebidas”, conta Amália, no livro Com a Palavra, as Mulheres, publicado neste ano pela Subsecretaria de Políticas para a Mulher de Campo Grande.
Mesmo com dificuldades financeiras, ela decidiu alugar uma casa e viver com os quatro filhos. Porém, o ex-companheiro não aceitava o término. “Ele ia à minha casa e queria voltar. Certo dia, às 3 horas da manhã, ele me deu duas facadas e quebrou tudo que eu tinha”, relata.
Amália foi vítima de uma tentativa de feminicídio. Na mesma madrugada, o agressor cortou a mangueira do botijão de gás e espalhou gasolina pelos cômodos, tentando atear fogo na casa. Mesmo ferida, Amália conseguiu pedir socorro ao ligar para o 190.
Encaminhada à Casa da Mulher Brasileira, encontrou acolhimento e segurança. “Fui bem atendida, me levaram ao IMOL [Instituto Médico Odontológico Legal] para fazer o corpo de delito. Todas as vezes que precisei de ajuda, eles estavam ali.”
Para Amália, a CMB foi fundamental em sua reconstrução, oferecendo apoio psicossocial, medida protetiva de urgência e o programa Recomeçar Moradia. “Ainda recebo o auxílio aluguel e, até hoje, eles me ligam para saber como estou e se o agressor voltou a me procurar. Graças a Deus, não”, afirma.
Independência financeira - Para romper o ciclo de violência, a independência financeira das vítimas também precisa ser fomentada. Além do auxílio, existem programas que promovem a autonomia dessas mulheres, como explica Zeliana.
"Há uma rede de acolhimento que oferece capacitações, como cursos de panificação ou formação em outras áreas, para prepará-las para o mercado de trabalho. A Casa da Mulher Brasileira, por exemplo, tem projetos que auxiliam na qualificação profissional e no encaminhamento para empregos", aponta a defensora.
A SAS (Secretaria Municipal de Assistência Social) atua por meio de 21 CRAS (Centros de Referência de Assistência Social) e outras unidades de acolhimento, oferecendo cursos e capacitações pontuais. Nos últimos dois anos, cerca de 200 cursos foram realizados anualmente, certificando mais de 5 mil participantes em áreas como embelezamento pessoal, artesanato e culinária.
As mulheres que recebem o benefício do Recomeçar Moradia também são encaminhadas para cursos profissionalizantes, incentivadas a continuar os estudos e buscar vagas de emprego por meio do Serviço de Promoção da Autonomia Econômica, oferecido pela Funsat (Fundação Social do Trabalho de Campo Grande).
Além disso, o PRIMT, programa de inclusão social da Prefeitura, destina 5% das vagas às mulheres em situação de violência atendidas pela CMB.
Precisa de ajuda? - O Ligue 180 é um serviço público essencial no enfrentamento à violência contra a mulher. Além de receber denúncias, a central encaminha os relatos aos órgãos competentes e monitora o andamento dos processos.
O serviço também orienta mulheres em situação de violência, direcionando-as para os serviços especializados da rede de atendimento. No Ligue 180, é possível obter informações sobre os direitos das mulheres, a legislação vigente e a rede de acolhimento disponível para quem se encontra em situação de vulnerabilidade.
[**] Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada.
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