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Cidades

Saudade marcou vida de familiares das 7.330 vítimas da covid no Estado em 2021

Ano que está acabando foi marcado por dois cenários distintos de mortes provocadas pela doença

Jhefferson Gamarra | 30/12/2021 07:39
Uma das útlimas fotos de Súzan com os pais e o único irmão (Foto: Arquivo Pessoal)
Uma das útlimas fotos de Súzan com os pais e o único irmão (Foto: Arquivo Pessoal)

A pandemia causada pela covid-19 trouxe mudanças, em maior ou menor escala, na vida de toda a sociedade. Para familiares dos 7.330 mortos pela doença em Mato Grosso do Sul apenas em 2021, as marcas dessas transformações serão ainda mais difíceis ou até impossíveis de curar. A chegada do fim do ano tem despertado lembranças que são um misto de dor e saudade no coração de quem precisou se despedir de forma repentina das pessoas que mais amavam.

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O ano que está acabando foi marcado por dois cenários distintos em relação doença. Enquanto o primeiro semestre de 2021 foi assustador com recordes de casos e mortes, com meses registrando mais de 1.000 óbitos. O segundo semestre do ano foi de queda acentuada nos casos e mortes, dando esperanças de retorno a rotina à população. A mudança foi em função do aumento da vacinação no Estado, que teve inicio em janeiro e foi destaque em nível nacional, o que contribuiu para redução dos casos e mortes da doença.

Os números das mortes por covid mostram a evolução deste cenário ao longo do ano. Em janeiro foram 573 óbitos, depois reduziu para 415 em fevereiro, com a aparição de novas variantes chegou a 1.108 mortes em março, tendo o ápice em abril com 1.411 mortes. O quadro continuou alto em maio 1.140 e junho 1.327, só caindo a partir de julho com 690. Com a rápida imunização, as mortes foram reduzindo e caiu para 398 em agosto, 158 em setembro, 52 em outubro. A queda continuou e em novembro foram apenas 31 e na última semana de dezembro, foram registradas 23 mortes.

Deputado Cabo Almi em uma das tradicionais pescarias ao lado do filho Flávio Moura (Foto: Arquivo Pessoal)
Deputado Cabo Almi em uma das tradicionais pescarias ao lado do filho Flávio Moura (Foto: Arquivo Pessoal)

Na política sul-mato-grossense, uma das perdas para a covid-19 mais sentida foi a do deputado estadual José Almi Pereira Moura, o popular Cabo Almi, que apesar de sua ascensão política não fugiu das suas raízes e permaneceu morando no mesmo bairro de sempre, a Cohab. Diabético, o parlamentar testou positivo para a doença em 5 de maio, iniciou acompanhamento médico em casa, mas precisou ser internado três dias depois devido a uma piora no quadro da infecção. O petista morreu no dia 24 de maio, aos 58 anos prestes a entrar no calendário da vacinação contra a covid, que havia parado na faixa etária dos 59 anos.

“Foi e está sendo muito dolorido conviver sem a presença do meu pai, tanto pra mim quanto para as minhas duas irmãs e minha mãe. Éramos muito apegados, ele era uma pai protetor e um ser humano incrível, atencioso e paciente que faz muita falta. Mas a morte é incontestável, Deus sabe de todas as coisas e temos muita fé”, relata Flávio Moura, após 7 meses da morte do pai.

Apesar da morte repentina de Cabo Almi pela doença até então desconhecida, o filho empresário e advogado conta que o pai deixou um legado que jamais será esquecido por todos que tiveram a oportunidade de conhecê-lo.

“Ele continua muito presente em nossas vidas mesmo tendo falecido por covid. Como o padre que realizou a missa de disse para gente: ‘Cabo Almi está dentro do coração das pessoas’ e por onde eu e minha família passamos, sentimos a presença dele no coração de todos, porque ele realmente conseguiu ser um politico presente que olhava nos olhos e abria a própria casa para todas as pessoas e amava tudo o que fazia. Meu pai foi descansar com Deus no auge de sua vida e mesmo com sete mandatos entre vereador e deputado saiu sem nenhuma mancha em sua carreira. Isso nos orgulha muito”, diz Flávio ao confirmar que pretende seguir carreira política, que estava sendo preparada e construída pelo pai antes do falecimento.

Reuniões e momentos em família eram frequentes no lar de Súzan (Foto: Arquivo Pessoal)
Reuniões e momentos em família eram frequentes no lar de Súzan (Foto: Arquivo Pessoal)

Sem ter a chance de ver a família imunizada, o que era um desejo do irmão para 2021, a jornalista Súzan Benites, 31 anos, viveu um verdadeiro pesadelo no mês de março. Em questão de 8 dias perdeu toda a família para o vírus. Primeiro perdeu a mãe, Roseneide Nara. Em seguida morreu o único irmão, Rafael Benites e logo em seguida morreu o pai, Atanacildo Nara.

"Não só o natal e o ano novo tem sido difícil pra mim. Passei pelo dia das mães, dia dos pais, aniversários dos três e todas as datas foram bem difíceis. No fim do ano não foi diferente, eu não quis me reunir com quase ninguém, fiquei em casa com meu namorado, com os irmãos dele que também ficaram órfãos e com uma prima que foi o que sobrou da minha família, que foi criada com os meu pais. Todos os dias são difíceis, são nove meses que eu passo todos os dias pensando neles.", conta a jornalista.

Emocionada, Súzan recorda ainda da publicação de Natal feita pelo irmão em sua rede social em 2020. "Ninguém ainda tinha tomado vacina em casa, inclusive no Natal do ano passado meu irmão postou uma foto de nós quatro e a legenda era a seguinte: 'feliz natal a todos e um ano de jacaré para todo mundo'. Era o que a gente mais queria [a vacina], passamos o final de ano apenas nós quatro em casa torcendo para a vacina chegar logo e a gente ter uma vida melhor. Nos cuidamos bastante, sempre acreditamos na doença e tivemos muito medo dela, tudo que foi possível fizemos para nos cuidar, então me sinto injustiçada porque vejo tanta gente que negou e se recusou a tomar vacina e 'porque a minha família não teve essa chance?'", questiona.

Enquanto "enterrava" os pais e o irmão, a jornalista que estava contaminada pelo vírus, torcia pela recuperação do namorado que também estava internado pela doença e assim como ela, perdeu o pai e mãe para a covid-19.

Brisabela da Cunha e Vera Lucia Cunha, mãe e filha morreram com poucos dias de diferença (Foto: Arquivo Pessoal)
Brisabela da Cunha e Vera Lucia Cunha, mãe e filha morreram com poucos dias de diferença (Foto: Arquivo Pessoal)

Também em questões de dias Ana Lúcia Vicente, 50 anos, se despediu de sua mãe e avó devido a covid-19. As duas mortes marcam a família, principalmente com a chegada do fim do ano. A avó Brisabela da Cunha Vicente morreu aos 88 anos, no dia 23 de dezembro e a mãe Vera Lucia Vicente Cunha Gamarra, aos 67 anos no dia 4 de janeiro.

"Foi uma dor muito grande, ainda mais em tão pouco tempo. Perdi a minha casa toda. Minha mãe era maravilhosa, uma pessoa que amava ajudar tanto a família como os outros", lamenta.

Deise Cristina Borges de Moraes, 41 anos, ainda sente a dor pela morte da mãe Sônia Salomão Borges, que não resistiu a covid-19 e morreu aos 63 anos. Ela relembra, com saudade, que a mãe era uma mulher alegre, gostava de viajar, reunir a família e "aprontar todas" com a neta.

Dona Sônia com a neta xodó Eduarda na comemoração do Natal de 2020 (Foto: Arquivo Pessoal)
Dona Sônia com a neta xodó Eduarda na comemoração do Natal de 2020 (Foto: Arquivo Pessoal)

"Sempre morei com ela e meu com meu pais, então ela pirou de felicidade quando eu engravidei. Ela e Eduarda [neta] eram melhores amigas, faziam várias artes juntas. Eu sempre fui mãe das duas na verdade. Ela tem mais quatro netos, mas a Eduarda sempre morou junto, por isso o forte vínculo", lembra a filha dos bons momentos vividos com a mãe.

Com a partida da mãezona, o clima no fim do ano em família não será o mesmo. "Minha mãe achava o Natal triste, mas sempre nos reuníamos pra comemorar e ela se divertia. O Ano Novo ela gostava muito, sempre achava que seria melhor e que aconteceriam coisas boas. Acho que nunca mais as festas de fim de ano terão o mesmo significado a mesma intensidade e alegria. Ela estará eternamente tatuada na minha alma, enquanto eu respirar e meu coração bater, ela estará viva em mim", relata a filha com o coração cheio de saudade.

Sem comorbidades nem nada que pudesse indicar sua partida tão repentina, Célia Ceballos,  49 anos,  foi mais uma vítima da covid-19 em 2021. Ainda sem acreditar na partida de sua mãe, a depiladora Orquídea Zelia Ceballos de Oliveira, 34 anos, relata a tristeza do lar nas festividades de fim de ano.

"Sempre no fim de ano ela gostava de reunir todos e churrasquear. Esse ano foi bem triste sem ela, minha única tia que restou da família passou o Natal conosco pra suprir um pouco a perda, mas nada é igual. Parece que ainda não caiu a ficha ainda", lamenta a filha Orquídea, lembrando da paixão da mãe por gatos e o inseparável tereré.

Além de reunir a família, Célia amava os gatos e tomar um tereré (Foto: Arquivo Pessoal)
Além de reunir a família, Célia amava os gatos e tomar um tereré (Foto: Arquivo Pessoal)


 

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