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Cidades

Sem estrutura, nada acaba com a “ambulancioterapia” para pacientes do interior

Governo promete descentralizar serviços para reduzir as viagens de quem precisa de cuidados

Maristela Brunetto | 03/05/2023 17:27
Seu José Ilton embarca para voltar a Três Lagoas, depois da primeira consulta após cirurgia de amputação. (Foto: Paulo Francis)
Seu José Ilton embarca para voltar a Três Lagoas, depois da primeira consulta após cirurgia de amputação. (Foto: Paulo Francis)

José Ilton Bezerra da Silva, de 55 anos, não sabe bem como o quadro de saúde dele foi se agravando, a ponto de precisar amputar o pé e parte da perna esquerda. Ele começou a sentir dores, aparentemente, um problema circulatório que evoluiu e ele foi trazido de Três Lagoas para Campo Grande para a cirurgia em março. Esta semana, fez o primeiro retorno, com consulta na Santa Casa e retorno para casa no fim do dia em ônibus da prefeitura, uma viagem de cerca de seis horas. O vigilante aposentado ainda tenta se adaptar à nova condição e a dificuldade de ir e vir para o tratamento.

A situação de Silva ilustra bem o que se convencionou chamar de “ambulancioterapia”, o transporte para a Capital de pacientes quando o quadro se revela um pouco mais complexo e os serviços de saúde local não dão conta. Da cidade dele, são trazidas de 300 a 500 pessoas por mês para receber atendimento. Há até uma casa alugada pela prefeitura na Vila Progresso, região do começo da Rua Rui Barbosa, com funcionários do município para administrar a rotina dos pacientes e acompanhantes, uma estrutura que existe há mais de década.

De Três Lagoas, são encaminhados casos de média e alta complexidades e pacientes em tratamento de câncer. Foi o que aconteceu com o filho de Helena Pinheiro de Azevedo, de 36 anos, internado na UTI da Santa Casa após cirurgia para retirada de um câncer no esôfago. Ela permaneceu com o filho uns dias no hospital e depois que ele foi para a UTI passou a ficar na casa alugada pela prefeitura. Eles já tinham vindo juntos antes para o diagnóstico. A própria Helena já tinha vindo anos atrás algumas vezes para procedimentos e tratamento cardiológico.

O embarque para casa; prefeitura de Três Lagoas mantém uma casa para acolher os pacientes na Capital. (Foto: Paulo Francis)
O embarque para casa; prefeitura de Três Lagoas mantém uma casa para acolher os pacientes na Capital. (Foto: Paulo Francis)

Juracir Batista Guimarães, de 59 anos, também está hospedado na casa. Ele vai todos os dias ao Hospital Universitário fazer sessões de radioterapia. O tratamento começou em março e já está na reta final. Vendedor de churros, ele não vê a hora de voltar pra casa e retomar a rotina. Guimarães se questiona por que ainda não há serviços mais complexos na cidade, que tem três hospitais.

A prefeitura aposta que em curto prazo já terá oferta maior de atendimentos no Hospital Regional Magid Thomé para diminuir os deslocamentos de pacientes. A assessoria informa que há leitos de UTI na cidade, mas não dispõe de serviços de alta complexidade.

A secretária de Saúde da cidade, Elaine Cristina Ferrari Fúrio, apontou a dificuldade de manter especialistas e até mesmo a estrutura para alguns serviços, como radioterapia e cirurgias cardíacas. Assim, a solução segue sendo a pactuação dos atendimentos com a Prefeitura de Campo Grande e a manutenção da casa para dar acolhida às pessoas, com 6.300 atendimentos ao longo do ano passado.

 Situação corrente - Três Lagoas não se trata de um caso isolado. Ao contrário, é muito frequente o transporte de doentes do interior em busca de serviços especializados em Campo Grande. A prefeitura da Capital, que faz a regulação de leitos, aponta uma média mensal de cerca de 1,6 mil pacientes trazidos do interior por mês, número que exclui as pessoas que puderam vir por conta própria, sem a intermediação das administrações municipais.

Nos três primeiros meses do ano, a média se manteve, com 1.664 pessoas por mês. Campo Grande é a cidade referência para atendimento de pessoas de 33 municípios da macrorregião. Semana passada, em outro local de acolhida, na região central da Capital, a reportagem ouviu relatos de pacientes de outras cidades distantes, como Corumbá e Sonora. A casa é mantida por um grupo de 17 prefeituras, para oferecer acomodação e refeição a quem vem para consultas e hospedagem aos que estão em tratamento e seus acompanhantes.

No fim da tarde, pacientes voltam a embarcar rumo à cidade de origem. (Foto: Paulo Francis)
No fim da tarde, pacientes voltam a embarcar rumo à cidade de origem. (Foto: Paulo Francis)

Frente de ações - Depois de ter experiências de gestão na Unimed, o atual secretário estadual de Saúde, Maurício Simões Corrêa, recebeu do governador Eduardo Riedel a meta de descentralizar serviços no Estado. Sem fixar prazos, ele defende várias frentes para lidar com o problema, mencionando a oferta de telemedicina, reforço na rede básica, desospitalização de pessoas com problemas crônicos, mas sem risco de vida, para reduzir internações e, ainda, um sistema robusto de regulação de vagas, que faça todas as cidades se comunicarem e a Secretaria Estadual fique na coordenação.

O secretário aponta que não basta a crença de que construir hospitais resolve o problema. A superlotação, que chega a 100, até 110% em hospitais de Campo Grande e Dourados, não se repete em outras cidades, havendo, inclusive, leitos ociosos.

Para ele, um grande desafio é fixar médicos altamente especializados no interior. Uma ideia que a pasta está formatando é de manter especialistas disponíveis para ajudar os médicos nas cidades a diagnosticar casos complexos, recebendo imagens de exames, comunicação feita através da telemedicina. Assim, seria possível filtrar situações que efetivamente demandam intervenções mais complexas, como cirurgias cardíacas, neurológicas, e transferir estes pacientes.

Sobre a capacidade de exames mais complexos, de imagem, o secretário considerou que já há equipamentos em várias cidades. Outro atendimento que força doentes a saírem de suas cidades, a hemodiálise, alguns centros regionais estão sendo construídos, como na região de Jardim e no sul do Estado.

Secretário Simões: conjugar ações para reduzir necessidade de transportar pacientes. (Foto: Paulo Francis)
Secretário Simões: conjugar ações para reduzir necessidade de transportar pacientes. (Foto: Paulo Francis)

Atenção básica - O secretário defende que é preciso fortalecer a cultura da atenção básica em saúde, conscientizando as pessoas a se cuidarem de doenças para que não se agravem, como pressão e colesterol altos e a diabetes. Para isso, o governo estuda ampliar o acesso a medicamentos de uso contínuo e fazê-los chegar à casa das pessoas, elevando de 3 mil para 11 mil inscritos.

Medidas assim ajudam a evitar, por exemplo, que pessoas desenvolvam problemas renais e se tornem pacientes de hemodiálise, explica Simões.

Para a atenção primária, o governo reservou R$ 60 milhões. Além disso, o próprio governador anunciou a reforma de 17 hospitais. A Agesul (Agência Estadual de Empreendimentos) está reformando os Hospitais Regionais de Campo Grande e Ponta Porã e construindo um em Dourados. Outras unidades estão recebendo recursos estaduais para as obras serem feitas pelas prefeituras.

(Texto editado para acréscimo de informações.)

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