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Cidades

STF homologa acordo histórico de demarcação: “Urge evitar mais mortes”

Caso ficou parado no Supremo por 19 anos, enquanto conflito escalou na fronteira de MS com o Paraguai

Por Aline dos Santos | 30/09/2024 09:09
Protesto de indígenas durante audiência no Supremo Tribunal Federal, na última 4ª feira. (Foto: Ascom Aty Guasu)
Protesto de indígenas durante audiência no Supremo Tribunal Federal, na última 4ª feira. (Foto: Ascom Aty Guasu)

Por unanimidade, o STF (Supremo Tribunal Federal) homologou o acordo histórico para o fim de conflito fundiário entre fazendeiros e indígenas no município de Antônio João, fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai. Os kaiowá ficarão com a área de 9.317 hectares e a União e o governo de Mato Grosso do Sul farão depósitos judiciais para pagamento de R$ 146 milhões, indenizando por benfeitorias e terra nua.

O entendimento foi alinhavado pelo ministro Gilmar Mendes, relator do processo, na última quarta-feira (25),  após o STF passar 19 anos sem julgar a demanda onde fazendeiros pediam a nulidade da homologação da terra Nhanderu Marangatu, feita em 2005 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No sábado (28), o STF divulgou o resultado da votação em sessão virtual. Os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, André Mendonça e Nunes Marques acompanharam o relator. Os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia também acompanharam Gilmar Mendes, mas com ressalvas.

Para Fachin, o acordo deve ser homologado diante da excepcionalidade do caso concreto, mas sem gerar precedentes.

“É mesmo de assinalar o horror da violência e lamentar o sangue derramado. Urge evitar mais mortes. Isto posto, dada a excepcionalidade do caso concreto, sem aptidão para gerar precedente, e sem que o acordo afete direitos indisponíveis, homologo o acordo, condicionando-se a homologação ao pleno respeito à terra indígena, à desintrusão imediata não condicionada ao prévio pagamento pela União dos Valores de Terra Nua, bem assim à renúncia de todas as pretensões de particulares, pessoas físicas ou jurídicas, sobre a terra indígena e extinção, por desistência expressa ou tácita, do presente mandado de segurança”.

Para a ministra Cármen Lúcia, o processo mostra crueldade. “São cruéis os fatos descritos na ação contra a comunidade indígena, foi representada e esteve presente ao ato em exame, não tendo ela se oposto ao acordo. Observo não ter havido renúncia de direitos pelo povo indígena, nem poderia haver sobre direitos indisponíveis protegidos pela Constituição”.

Reunião em 25 de setembro, no Supremo, definiu termos de acordo sobre terra. (Foto: Antonio Augusto/STF)
Reunião em 25 de setembro, no Supremo, definiu termos de acordo sobre terra. (Foto: Antonio Augusto/STF)

Histórico - O laudo antropológico sobre o conflito fundiário em área de 9.317 hectares no município de Antônio João mostra uma história de expulsão de indígenas, principalmente na década de 1950, asilo dos kaiowa em aldeia do lado paraguaio, mortes e uma firme disposição em resistir.

Os relatos são de que várias famílias indígenas viviam nas imediações do Rio Estrela até começarem a ser desalojadas por pecuaristas, na década de 1950. A expulsão levou os grupos para Pysyry, aldeia no Paraguai. Outro destino era a Vila Campestre, ainda no território de Antônio João.

Para os fazendeiros, a posse de não indígenas na região remonta a 1863, quando a Fazenda São Rafael do Estrela foi adquirida por dona Rafaela Lopes, do governo da República do Paraguai. A área passou a pertencer ao território brasileiro por força do Tratado de Paz firmado em 1870. Os títulos de domínio teriam sido expedidos, posteriormente, pelo governo do Mato Grosso e ratificados pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), com anuência prévia do Conselho de Defesa Nacional.

Mortes - Antônio João está no centro de um conflito fundiário que já matou quatro indígenas ao longo de 40 anos.

O caso mais recente é do kaiowá Neri Ramos da Silva, de 23 anos, que foi morto no dia 18 de setembro, com tiro na cabeça, durante ação da PM (Polícia Militar). As outras vítimas são Marçal de Souza (em 1983), Dorvalino Rocha (2005) e Simeão Fernandes Vilhalva (2015).


Termos do acordo homologado:

  1. Pagamento de indenização pelas benfeitorias pela União, por crédito suplementar via depósito judicial no valor global de R$ 27.887.718,98;
  2. Retirada dos não indígenas da área, em até quinze dias após o pagamento;
  3.  A União, apesar de não concordar com a indenização pela terra nua, em sua interpretação do Tema 1031, pagará via precatório o valor de R$ 102.112.281,02 a esse título, ressalvado eventual direito de regresso contra o Estado do Mato Grosso do Sul;
  4. Reassentamento dos integrantes da Vila Campestre em outra área;
  5. Direito de regresso da União contra o Mato Grosso do Sul a ser debatido em conciliação interfederativa instaurada em até 30 dias da homologação do acordo;
  6. O Estado do Mato Grosso do Sul, apesar de não concordar com a indenização pela terra nua, em sua interpretação do Tema 1031, antecipará R$ 16 milhões à União, via depósito judicial;
  7. Extinção de todas as ações questionando a demarcação na área;
  8. Suspensão imediata das hostilidades na região;
  9. Garantia da realização de atos fúnebres em memória do indígena Neri da Silva, falecido nos conflitos.

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