Tatuagem pode acabar com sonho de ser bombeiro em concurso com 230 vagas
Edital prevê eliminação por desenhos que firam “honra, ética e decoro” da corporação militar
Embora o Supremo Tribunal Federal já tenha decidido que ter tatuagem não pode impedir alguém de assumir cargo público, o novo edital do Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso do Sul traz regras que podem eliminar candidatos com base justamente nesse critério. O documento, publicado na última sexta-feira (30), afirma que serão impedidos de ingressar no serviço temporário da corporação aqueles que tiverem tatuagens que “ofendam os deveres e as obrigações militares, a ética, a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe”.
RESUMO
Nossa ferramenta de IA resume a notícia para você!
O novo edital do Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso do Sul estabelece critérios que podem eliminar candidatos com tatuagens, contrariando decisão do Supremo Tribunal Federal. O documento proíbe desenhos que "ofendam os deveres militares" ou sugiram ligação com organizações criminosas. Especialistas apontam que a subjetividade dos critérios pode resultar em exclusões arbitrárias. Em 2023, o Tribunal de Justiça de MS anulou a eliminação de um candidato desclassificado por ter uma tatuagem de carpa, considerada erroneamente como símbolo de facção criminosa.
A redação consta no item 2.2, inciso XIV, do edital do processo seletivo simplificado que oferece 230 vagas para Soldado Auxiliar de Operações de Bombeiro Militar (SD-AOBM), com salário inicial de R$ 3.815,88. O trecho estabelece que qualquer tatuagem que “expresse ou sugira ligação com organizações criminosas, estímulo à violência, uso de drogas ou conteúdos contrários à ordem, à moral ou à democracia” pode ser motivo para desclassificação. A avaliação será feita durante a investigação social, uma das fases do certame.
O problema, segundo juristas e especialistas em concursos públicos, está na amplitude e subjetividade desses critérios. Expressões como "decoro da classe" e "honra pessoal" não têm definição clara em lei, o que abre margem para interpretações individuais das comissões responsáveis. A falta de parâmetros objetivos pode resultar em exclusão arbitrária de candidatos com tatuagens de natureza artística, cultural ou simbólica, sem qualquer conotação criminosa.
Entendiento dos tribunais - Em 2023, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul anulou a eliminação de um candidato ao concurso dos bombeiros que havia sido desclassificado por ter uma tatuagem de carpa no braço, sob a alegação de possível associação com o crime organizado. A banca considerou que o desenho — acompanhado de gueixa, samurai e flores de cerejeira — sugeria vínculo com o PCC, que usa informalmente esse símbolo. No entanto, o TJ entendeu que os elementos eram típicos da cultura japonesa e não configuravam apologia ao crime, autorizando a continuidade do candidato no certame.

Em 2016, o Supremo Tribunal Federal fixou a tese de repercussão geral (RE 898.450) afirmando que é inconstitucional a eliminação de candidatos em razão de tatuagens, salvo em casos excepcionais — como desenhos que façam apologia ao crime, incitem a violência ou contenham mensagens discriminatórias. Na decisão, os ministros reafirmaram o direito à liberdade de expressão e ao livre acesso a cargos públicos como garantias fundamentais.
Casos como o do candidato eliminado por ter uma carpa tatuada, em concurso anterior da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, reforçam as controvérsias. À época, o Tribunal de Justiça considerou que não havia qualquer elemento ofensivo na imagem e determinou a reintegração do candidato ao certame.
O edital atual prevê investigação social com análise de conduta moral e antecedentes, mas não detalha como será feita a avaliação das tatuagens — o que pode gerar novos questionamentos.
As inscrições para o processo seletivo vão até 26 de junho e a classificação final está prevista para 9 de setembro.
Procurado pela reportagem, o Governo de Mato Grosso do Sul foi questionado sobre os critérios adotados para eliminação de candidatos com tatuagens. Em nota, a a SAD (Secretaria de Estado de Administração) e Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) manifestaram que nenhum candidato será desqualificado por ter tatuagem visível.
“Mas tão somente aquelas de conteúdo nitidamente incompatível com a função pública militar, como símbolos de organizações criminosas, apologia à violência ou ao uso de drogas, e mensagens que atentem contra a ética, a honra e o decoro exigidos da carreira militar".
*Matéria atualizada 16h15, do dia 31, para acréscimo do posicionamento do governo.
Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais.