Transformar escolas em fortalezas não impede violência, dizem especialistas
Especialista em educação diz que é preciso combater as causa da violência na sociedade
A instalação de detectores de metais ou a contratação de vigias para a porta das escolas, pode até melhorar a sensação de segurança, mas só "aumentar o tamanho dos muros" não será a solução para frear a onda de violência em colégios. Para o especialista em educação, José Licínio Backes, é preciso combater a causa do problema. É o que diz também a nota publicada na quarta-feira, 12, pelo Instituto Sou da Paz, referência em estudos de segurança pública.
Segundo o professor José Licínio, que coordena o Mestrado e o Doutorado em Educação da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), a violência é uma produção social. “Claro que num primeiro momento, é importante identificar um agressor, por exemplo, para coibir a violência, mas isso é insuficiente. Precisamos, como sociedade, pensar um projeto de educação para a paz, o que, pautado nas pesquisas do campo da educação, significa pensar uma educação que além de ensinar Português e Matemática, e contemple as discussões de raça, classe e gênero”.
O especialista acredita que seja necessário mais envolvimento da comunidade para “blindar” as escolas. “A sensação de segurança pode ser aumentada por meio de um aparato tecnológico, mas a segurança de fato só é possível por meio da mobilização e engajamento de toda a sociedade, no sentido de desenvolver uma educação em todos os espaços que leve todos a combater diariamente todo o tipo de violência, seja ela por meio da fala, de imagens, de textos, de propagação de mentiras nas redes sociais (violência simbólica), seja ela física”.
Para José Licínio, também é preciso ainda que se debata temas sociais importantes dentro das escolas. “A educação, nos últimos anos, teve dificuldade de trabalhar contra a violência foi passada, com muita força, a mensagem que é pela violência que se resolve os problemas. O que dificulta um trabalho é que hoje as escolas são vigiadas e influenciadas por uma retórica conservadora que defende, por exemplo, que não se pode discutir gênero nas escolas, não se pode discutir racismo nas escolas, não se pode discutir a desigualdade nas escolas... Ora, se as pesquisas nos mostram que a maior violência no Brasil é a violência racial, de gênero e de classe, como a escola vai dar conta de combatê-la se os professores não têm a liberdade de trabalhar esses temas?”
O professor defende que um ambiente escolar saudável é aquele no qual todos os estudantes se sentem bem e, portanto, possam ser o que são, sem enfrentar racismo, sexismo ou qualquer forma de discriminação.
O especialista destaca que esse projeto de combate à violência nas escolas não pode ser pensado de cima para baixo, “como foi a BNNC [Base Nacional Comum Curricular] e o ‘Novo’ Ensino Médio”. “É preciso ouvir, sobretudo, o campo científico da educação. Nos últimos anos quem mais impactou as políticas educacionais foram os grupos que estão mais preocupados em obter lucro com a educação do que produzir uma educação para a paz. Quando o lucro se torna a finalidade, as possibilidades de uma educação para a paz estão comprometidas”.
José Licínio completa criticando a proposta de reforma do Ensino Médio e reforçando o entendimento de que é necessário comprometimento de todos, envolvidos direta ou indiretamente nas comunidades escolares. “Você não vai construir uma educação para a paz, diminuindo nos currículos os conhecimentos de História, Sociologia, Filosofia, Psicologia... Só nos sentiremos mais seguros se tivermos uma sociedade e uma educação comprometidas em combater as causas estruturais da violência (racismo, patriarcado, desigualdade social)”.
Exemplo – O Instituto Sou da Paz relembra o massacre de Columbine, em 1999, que deixou 15 mortos e cita que a partir dele, os Estados Unidos realizaram uma série de medidas como instalar detectores de metais, portas reforçadas e câmeras de segurança com reconhecimento facial, além de policiais armados em escolas. “Mas elas não foram suficientes para diminuir o número de casos violentos”.
Prova disso, diz a nota, é que as cidades de Parkland e Santa Fé tinham policiais armados dentro de unidades escolares, “mas eles não foram capazes de impedir ataques em 2018, que deixaram 17 e 10 mortos, respectivamente”.
Para o Sou da Paz, transformar escolas em fortalezas não resolve o problema. “Trazer um grande aparato de segurança que torne as escolas parecidas com prisões não resolve. O principal investimento deve ser em identificar conflitos, bullying e lidar com eles, fortalecendo a estrutura escolar e a capacidade dos professores e equipe técnica para isso, além de trazer apoio para a saúde mental dos trabalhadores e estudantes”.
Carol Campos, diretora-executiva do Vozes da Educação, faz coro ao posicionamento do Sou da Paz e acredita ainda que o exagero no aparato de segurança pode até surtir efeito contrário. “Colocar polícia na porta da escola não vai resolver o problema, porque aí nós naturalizamos que aquele espaço é um lugar onde pode acontecer violência”, disse em entrevista ao Estadão, na semana que passou.
Por fim, o instituto que estuda a criminalidade, violência e segurança afirma que apesar de difícil, é preciso evitar o pânico, porque o compartilhamento falsas ameaças de atentado só faz espalhar mensagens de ódio. “Também é importante que pais e familiares não entrem em pânico e tomem bastante cuidado com as fake news, porque não são todas as escolas brasileiras que estão sob ameaças. Ao receberem denúncias, é fundamental que os alunos ou responsáveis entrem em contato com a diretoria da escola para informar e saber a verdade sobre a suspeita, em vez de espalhar os boatos para outros pais”.
O Governo Federal também criou um canal onde é possível fazer denúncias.
O cenário - Com o bom exemplo da unidade da Reme (Rede Municipal de Ensino) no Santo Amaro, o Campo Grande News abriu neste sábado (14) série de matérias sobre a cultura da paz nas escolas, em semana que o medo se instalou nas comunidades escolares.
As polícias Militar e Civil de Mato Grosso do Sul já receberam 60 denúncias de perfis nas redes sociais fazendo apologia a ameaças de ataques em escolas e tenta combater as fake news. Os alarmes falsos começaram a ser relatados depois do massacre na creche em Blumenau (SC).