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Cidades

Aos 81 anos, mulher viaja três vezes por semana para continuar viva

Dos 200 mil atendimentos de urgência e emergência por mês na Capital, 30% são destinados o a pacientes do interior do Estado.

Aliny Mary Dias e Aline dos Santos | 05/08/2014 09:56
Aos 81 anos, mulher viaja três vezes por semana para continuar viva
Aposentada Lucimar precisa enfrentar a estrada para passar pela hemodiálise na máquina, que ela diz ser sua única chance de viver (Foto: Marcos Ermínio)
Aposentada Lucimar precisa enfrentar a estrada para passar pela hemodiálise na máquina, que ela diz ser sua única chance de viver (Foto: Marcos Ermínio)

Noites mal dormidas, embarques na madrugada, cansativas horas de viagens e, no fim do dia, quando possível, a volta para casa. Essa é a rotina de pacientes que precisam de consultas médicas com especialistas ou tratamentos que não estão disponíveis na rede pública de saúde da maioria das cidades do interior de Mato Grosso do Sul. A saída encontrada pelas prefeituras é bancar uma estrutura que envolve transporte, alimentação e, em alguns casos, estadia e encaminhar os pacientes para os hospitais e clínicas de Campo Grande.

A estrutura precária dos hospitais de cidades do interior, que inclui a falta de equipamentos e, principalmente, de profissionais médicos faz com que os moradores percorram uma via crúcis para conseguir atendimento na Capital. Em alguns casos, os pacientes percorrem quase 500 quilômetros, ou seja, seis horas de viagem e tudo, eles contam, é necessário para sobreviver.

Aos 81 anos, a aposentada Maria Franco Souto encara as idas e vindas de Sidrolândia, distante 70 quilômetros da Capital, três vezes por semana. Diagnosticada com insuficiência renal há quatro anos, ela, mesmo tendo boas condições financeiras, precisa encarar a van que transporta os pacientes até o setor de hemodiálise da Santa Casa.

As dificuldades para caminhar não tiraram de dona Maria o direito de se revoltar. Ainda mais no caso dela, que durante toda a vida serviu ao Estado, trabalhando nas ferrovias, e agora depende de uma van e da 1 hora diária de viagem para continuar vivendo.

Aos 81 anos, dona Maria vai mudar de cidade para ter atendimento (Foto: Marcos Ermínio)
Aos 81 anos, dona Maria vai mudar de cidade para ter atendimento (Foto: Marcos Ermínio)

“Não é nada fácil, a gente precisa acordar de madrugada, embarcar na van e vir para Campo Grande. Tem dias que a gente não quer sair da cama, não quer passar por isso, mas é o único jeito que a gente tem de sobreviver”, diz a aposentada.

A situação de dona Maria é tão complicada que um dos filhos decidiu tirá-la de Sidrolândia, cidade que ela viveu por mais de 40 anos, e levá-la para Cascavel, no Paraná. Tudo para que aos 81 anos a aposentada não precise enfrentar a estrada para passar pela hemodiálise. “Eu não queria ir não, mas meu filho vai me levar pra eu não passar mais por isso”, desabafa.

Quem também enfrenta horas de viagem quatro vezes por semana é a aposentada Lucimar Santos Machado, de 57 anos. No auge da maturidade, ela sai de casa, em Sidrolândia, às 5 horas da manhã com destino a Santa Casa. Indignada com a falta de profissionais na cidade onde vive, ela não poupa críticas aos governantes.

“Só quem está nessa sabe o que passamos. Eles deveriam investir mais, comprar equipamentos e contratar gente. Uma máquina de hemodiálise na minha cidade já resolveria a vida de muita gente, pelo menos em casos urgentes. O mais frustrante é que eu não tenho escolha, a máquina é minha vida, se eu não vir pra cá eu morro”, diz.

Responsável pelo transporte de pacientes de Bela Vista, distante 322 quilômetros, até Campo Grande, todos os dias há 13 anos, Jauri Borges dos Santos, 46, é testemunha do drama vivido pelos pacientes. Dono de uma van, que antigamente fazia transporte escolar, ele foi parar no transporte de doentes após ver a quantidade de moradores que saíam da cidade com destino à Capital.

Vans, ambulâncias e carros de prefeituras chegam a todo momento nos hospitaos com pacientes (Foto: Marcos Ermínio)
Vans, ambulâncias e carros de prefeituras chegam a todo momento nos hospitaos com pacientes (Foto: Marcos Ermínio)

“Nós temos contrato com a prefeitura e fazemos esse transporte. Todos os dias eu saio 1 hora da manhã de Bela Vista, chego às 6 horas aqui e por volta das 15 horas levo os pacientes de volta. Todo o dia é a mesma rotina e os pacientes só vem para cá porque precisam mesmo, é muito cansativo”, explica.

Acostumado com as viagens de 260 quilômetros, de Coxim a Campo Grande, o servidor público aposentado João Firmino, 62 anos, é submetido à hemodiálise três vezes por semana. Com as marcas deixadas pelas agulhas, ele lembra de tudo o que já passou para ser atendido, tudo porque na cidade onde vive a saúde pública é precária.

“Se a situação fosse melhor na nossa cidade, eu e vários outros moradores não precisariam viajar tanto para consultas e tratamentos. Eu estou 4 anos nessa vida e sei que vou continuar por muito mais tempo, a gente pede para Deus nos guardar durante a viagem e que a gente tenha saúde para continuar passando por isso”.

O que diz a Saúde? - De acordo com a assessoria de imprensa da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde), os atendimentos na rede de urgência e emergência totalizam, em média, 200 mil por mês. Do total, a estimativa é que 30% venham do interior. A assessoria não informou qual a capacidade de atendimento de toda a rede. A estrutura conta com três UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) e seis Centros Regionais. A maior unidade é a UPA do Coronel Antonino, que faz por dia de 600 a 800 procedimentos.

Segundo o coordenador de urgência e emergência, Paulo Henrique Tognini, é feito levantamento dos dados para se ter o número preciso de atendimentos no setor, inclusive do total que vem de outras cidades. No mês de junho, foram 110 mil pacientes atendidos.

“Na verdade, essa questão é complexa. A rede tem déficit em receber pacientes de qualquer lugar. São 110 mil, é além da capacidade. Uma demanda muito pesada. Isso tem atrapalhado a qualidade”, salienta o coordenador.

João passa por hemodiálise três vezes por semana (Foto: Marcos Ermínio)
João passa por hemodiálise três vezes por semana (Foto: Marcos Ermínio)

No ano passado, em troca de verbas do governo federal, algumas UPAs foram regionalizadas. A UPA 24h Dr. Walfrido Arruda (Coronel Antonino) virou referência para as cidades de Bandeirantes, Jaraguari, Figueirão, Paraíso das Águas e Chapadão do Sul. A unidade Santa Mônica,construída na região da Vila Popular, será referência para os municípios de Terenos, Guia Lopes da Laguna e Bodoquena. A UPA das Moreninhas será referência para o município de Maracaju.

“Tem fatos que na teoria representam uma coisa e na prática, outra Estamos absolutamente sobrecarregados. Bastante preocupados”, afirma Paulo Tognini. A regionalização das UPAs também foi reprovada pelo coordenador do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), Eduardo Cury.

“O paciente entra pela UPA sem controle nenhum. Começamos a ter número de casos graves incompatíveis com o número de leitos”, afirmou ao Campo Grande News em junho.

O básico - De acordo com a Sesau, na atenção básica, não há atendimentos para pacientes de fora da Capital, porque a partir do cartão SUS é indicada a unidade mais próxima da residência. Tudo é feito no próprio município. Por mês, conforme dados da secretaria, são feitos 303 mil procedimentos e consultas por mês, em média. Durante o ano todo, são 3,5 milhões.

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