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Capital

Em feira de produtos do Sul, drama é saber como e quando voltar para casa

Famílias vieram para a Fenasul antes da tragédia no Rio Grande do Sul; corpo está aqui, mas o coração distante

Por Ângela Kempfer e Geniffer Valeriano | 06/05/2024 17:28
Edna chora ao lembrar das filhas e netos que estão em Eldorado do Sul. (Foto: Paulo Francis)
Edna chora ao lembrar das filhas e netos que estão em Eldorado do Sul. (Foto: Paulo Francis)

Quando deixou Eldorado do Sul (RS), a vendedora Edna Maria Rosa, de 60 anos, não imaginava a catástrofe que os gaúchos iriam enfrentar. Na sexta (3), mesmo dia da abertura da Fenasul em Campo Grande, as águas do Rio Guaíba invadiram a cidade onde ela e as filhas de 37 e 39 anos vivem. Com o coração distante, Edna chora ao pensar na família e não tem ideia de como ou quando voltar para casa.

“Quando aconteceu tudo, eu já estava aqui montando a Feira, não sei nem para onde voltar, porque não temos mais casa. Quando terminar a feira, minha patroa vai ver se a água vai ter baixado. Senão, vou ter de continuar por aqui”, lamenta.

Vendedora de roupas do Sul, ela pensa nos netos de 18 anos, 16, 4 e 1 ano de idade. A família toda morava no mesmo terreno, dividida em três casas, agora engolidas pela água. "A minha é um sobrado. Quando a água começou a subir, foi todo mundo para o segundo piso, mas eles acordaram com a água chegando lá e então tiveram de subir para o telhado”, conta. A cidade foi 100% tomada pela enchente.

Rua tomada pela água em Eldorado do Sul. (Foto: Assessoria Prefeitura)
Rua tomada pela água em Eldorado do Sul. (Foto: Assessoria Prefeitura)

Uma das filhas teve a sorte de ser resgatada com as crianças logo que a cheia ganhou proporções preocupantes. Mas, por falta de barcos, os outros tiveram de esperar o socorro por dois dias no telhado, diz a vendedora.

Agora, os parentes de Edna estão em uma igreja, mas sem documentos ou celular. O tempo entre o resgate e a conversa com a mãe tornou tudo ainda mais difícil. "Só depois que chegaram no abrigo conseguiram se comunicar, porque uma das voluntárias emprestou o telefone para eles mandarem mensagem”.

No Círculo Militar de Campo Grande, o sotaque gaúcho é embargado pelo emoção de quem está assistindo a maior cheia da história recente do estado, sem poder fazer nada.

Clenecir Zanchetil tem irmão e cunhada atingidos pela enchente. (Foto: Paulo Francis)
Clenecir Zanchetil tem irmão e cunhada atingidos pela enchente. (Foto: Paulo Francis)

Em outro ponto da Fenasul, Clenecir Zanchetil, de 61 anos, vende roupas também. Apesar de viver ao norte do Rio Grande do Sul, a casa dela ainda não foi atingida. Mas irmão e cunhada, que vivem em Porto Alegre, ficaram ilhados no prédio onde moravam. “A gente fica com o coração partido, não tenho palavras para dizer o que a gente sente", resume.

Em setembro e novembro, ela lembra que a região enfrentou enchente, "mas a gente não imaginava que isso aconteceria novamente e nessa proporção. Tudo que a gente descrever, não passa perto do que a gente sente. Meu desejo era estar lá, mesmo não podendo fazer nada”.

Simone e Antenor, quase sem chocolate para vender por conta dos problemas de acesso ao RS. (Foto: Paulo Francis)
Simone e Antenor, quase sem chocolate para vender por conta dos problemas de acesso ao RS. (Foto: Paulo Francis)

O stande normalmente alegre, com cheiro de chocolate de Gramado, agora é pura tristeza para Antenor Júnior, de 54 anos, que veio com a esposa a Campo Grande, como já é rotina do casal. “O corpo está aqui, mas a mente está lá. Estamos na feira, tendo de recepcionar os clientes bem, com alegria, mas é um cenário (enchente) que nunca tinha visto. Nos sentimos acorrentados”, comenta.

Morador da região metropolitana de Porto Alegre, ele diz que teve sorte de a casa não ser atingida. Mas toda a família vive em Canoas e por lá eles sofrem os efeitos do mau tempo. "Meu desejo é que passe logo o tempo da feira para voltar para casa e abraçar os meus filhos".

Ele lembra das crianças e pede uma doação especial, em meio a tanta solidariedade demonstrada nos últimos dias. "Uma coisa que as pessoas também podiam mandar era brinquedos. Nós que somos adultos já não entendemos isso, imagine uma criança. Um brinquedo é um alento", avalia.

Rua alagada em Canoas (RS) (Foto: Divulgação Prefeitura de Canoas)
Rua alagada em Canoas (RS) (Foto: Divulgação Prefeitura de Canoas)

No total, há bloqueios em 102 pontos de rodovias estaduais do Rio Grande do Sul e, com previsão de mais chuvas, o acesso deve ficar cada vez mais complicado.

A esposa de Antenor, Simone Brogni, de 50 anos, conta que uma das irmãs dela conseguiu sair antes de a água invadir a casa, mas a tia e a avó paterna enfrentam o alagamento. Hoje, além da preocupação com o que ainda está por vir, ela tem de pensar em como tocar o negócio, diante da dificuldade de receber mercadoria. “Até chocolate a gente não está conseguindo. Os produtos estão quase acabando". Ela também conta os minutos para voltar ao Rio Grande do Sul. "Quando acabar a feira, não sabemos como, mas vamos pra casa”, avisa.

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