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Capital

Morte de Valdecir não faz justiça para quem perdeu Kátia pelas mãos dele

Vítima de latrocínio, policial nunca foi preso por matar Kátia e a família dela sente que Justiça não funciona

Geisy Garnes | 14/06/2020 11:21
Kátia, ao lado da filha, morreu aos 35, baleada por Valdecir, com quem se relacionava (Foto: Divulgação)
Kátia, ao lado da filha, morreu aos 35, baleada por Valdecir, com quem se relacionava (Foto: Divulgação)

Kátia morreu em outubro de 2016, assassinada por Valdecir Ferreira. Quatro anos depois, a vítima foi Valdecir, morto a facadas no dia 6 de junho, em crime de latrocínio. Para a família dela, a morte do agressor redobrou a dor de perdê-la: o policial morreu sem sequer cumprir a pena pela qual foi condenado. Ele deixa para trás sentimento de impunidade e impotência em quem não teve justiça com sua morte.

É assim que Katiusci Valejo, de 37 anos, descreve o que sentiu quando soube da morte do policial militar da reserva Valdecir Ferreira, de 59 anos. Ela é irmã de Kátia Campos Valejo, que aos 35 anos foi assassinada a tiros pelo policial com quem mantinha um relacionamento.

Pelo crime, Valdecir foi julgado e condenado a uma pena de 4 anos no regime aberto. À época, fevereiro de 2019, ganhou o direito de recorrer da decisão dos jurados do Tribunal do Júri em liberdade. Foi exatamente o que aconteceu. Com a tese de legitima defesa, os advogados do policial da reserva tentaram reduzir a condenação nos tribunais superiores.

A resposta chegou recentemente. O pedido foi negado e Valdecir precisava cumprir a pena determinada no ano passado. Não houve tempo. No dia 6 de junho deste ano foi vítima de latrocínio, o roubo seguido de morte.

Foi com a notícia do assassinato do policial que a família de Kátia descobriu que ele nunca cumpriu a pena. A dor e a saudade, que mal começavam a serem amenizadas, foram mais uma vez intensificadas. O rosto e o nome da irmã, conta Katiusci, voltaram a fazer parte das notícias, mas não como a família esperava.

“Quando ele foi condenado, a gente procurou o Ministério Público porque achamos a pena muito branda, mas eles falaram que não tinham como recorrer, não tinha possibilidade. Se negaram”, lamenta Katiusci. Para a família, as injustiças com Kátia começaram no momento da sua morte, quando ela foi exposta como traficante.

A foto amplamente divulgada na época mostrava Kátia presa, anos antes, depois de uma ação da polícia contra o tráfico em Campo Grande. Hoje, Katiusci conta que a irmã foi inocentada do crime, que era dependente química e por isso estava na casa alvo dos policiais.

Por muito tempo, a maior batalha de Kátia foi justamente contra as drogas. Com ajuda da família, foi internada em clínicas de reabilitação, mas não conseguiu deixar o vício. “Tenho isso no coração, ela tinha vontade de sair daquele mundo, mas o vício era mais forte. Isso as pessoas não compreendem. É uma doença”.

Para a família, durante o julgamento, mais uma vez, a injustiça se sobressaiu. Katiusci afirma que a irmã tinha um relacionamento com Valdecir, que foi mais uma vítima de feminicídio no país, mas que isso foi afastado no tribunal. A versão contada pelo policial venceu. “Foram sete tiros. Minha irmã tinha 40 quilos, como eles podem falar que ela queria atirar nele, que foi legitima defesa? É muita injustiça isso, um cidadão tirou a vida dela cruelmente”.

A história que ninguém contou, afirma, era como a Kátia era boa, como era amada pelos pais, pelos irmãos e pelos três filhos – hoje com 21, 18 e 15 anos. Foi esse amor que levou Katiusci para a faculdade de direito. “Ela falava: mana você vai ser advogada e vai me defender. Quando o julgamento aconteceu eu prometi que ia passar na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e reabrir o caso, esse sonho não vou conseguir realizar. Mas eu tinha que lutar pela minha irmã”.

Em meio às lembranças, o sorriso logo aparece quando Katiusci fala da força de Kátia para defender a família. “Minha irmã? Batia em namorado meu se brigasse comigo. Ela falava: tudo que tenho na minha vida é minha família. Ela era muito boa. Se ela precisasse de um chinelo para não andar descalço e você precisasse de uma lata de leite, ela comprava o leite e ficava sem o chinelo”.

“O sorriso dela era contagiante, todo mundo sabia que era ela rindo.... Somos bem parecidas. Não tenho vergonha do que ela era, não tenho. Ela foi discriminada. Já passamos muita coisa. Quero de todo coração que ela seja lembrada, mas de uma forma positiva”, enquanto fala da irmã protetora e carinhosa e revive também as conversar e o amor, Katiusci escuta ao fundo o louvor preferido de Kátia, quase como um pedido.

“Uma chance igual a essa

Talvez eu não tenha mais

Quero estar em Tua presença

Nem que seja a última vez".

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