MP cobra explicação da Santa Casa e Sesau sobre mortes de 20 bebês
Hospital, que é referência no SUS, aponta superlotação na UTI; MP entrou no caso após denúncia de pais
A titular da 32ª Promotoria de Justiça, Daniela Costa da Silva, cobra explicações da Santa Casa e da Prefeitura de Campo Grande, gestora do SUS (Sistema Único de Saúde), informações sobre os atendimentos e mortes de 20 bebês e crianças com doenças cardíacas na Capital. Ela iniciou uma investigação a partir do relato da enfermeira Gabrielle Montalvão, que no ano passado contou ao Campo Grande News a situação dramática que vivenciou, em ver o pequeno Calleb, de 3 meses, nascido com doença cardíaca, perder a vitalidade enquanto esperava atendimento no hospital e falecer.
A apuração começou no final de março, com o pedido de esclarecimentos. Em 1º de abril houve pedido de informações à presidente do hospital, Alir Terra, solicitando o quadro de especialistas em cardiopatia, a escala de trabalho, o número de mortes e de recuperação de crianças com doenças coronarianas. A promotora ainda questionou sobre o andamento dos procedimentos cirúrgicos, como espera, pós operatório, técnicas cirúrgicas e a fila de espera.
Outro documento foi enviado à secretária de Saúde, Rosana Leite de Melo, cobrando informações especificamente sobre a morte do filho de Gabrielle, sobre a realização de procedimentos no hospital credenciado e, ainda, providências adotadas pelo Município após receber pais integrantes do instituto Um Só Coração, em reunião ocorrida no final de novembro do ano passado. O CRM (Conselho Regional d Medicina) também foi acionado e confirmou ter uma sindicância sobre a morte do bebê Calleb, que pode durar de dois a quatro anos até o desfecho. A Santa é o hospital referência em alta complexidade de cirurgia cardíaca pediátrica.
No final de abril, a promotora estendeu o prazo para resposta ao hospital e repetiu o pedido de explicações à Sesau. A Santa Casa informou que dados referentes ao atendimento foram enviados à equipe de sindicância da Sesau.
O hospital apontou a ocorrência de superlotação nos seis leitos credenciados para crianças com cardiopatia. Conforme a resposta enviada pela presidente e pelo diretor-clínico, William Leite Lemos Jr, há centro cirúrgico específico, com equipe multidisciplinar, seguindo padrões da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardíaca e protocolos internacionais.
De acordo com a Santa Casa, são feitos cerca de 150 procedimentos, com taxa de mortalidade de 14%, constando no documento que a média nacional fica entre 7 e 17%. As cirurgias são eletivas ou realizadas de forma emergencial. O hospital explica que os bebês e crianças são encaminhados por pediatras ou neonatologistas e, após o procedimento, ficam em UTI específica, e que essa permanência pode se estender e causar falta de leito, já que são seis credenciados ao SUS, forçando a espera por novas cirurgias.
O hospital enviou a escala de cirurgiões de sobreaviso, escala fixa para a UTI com médicos em todos os horários e de duas médicas, com horários se intercalando em um período do dia. Ainda foi acrescentada uma relação com várias páginas e o nome das crianças encaminhadas para cirurgia e as datas para o procedimento até julho deste ano, com o alerta da necessidade de haver leito de UTI liberado. O hospital informa que recebe pacientes de todo o Estado.
A Sesau ainda não prestou informações, com o terceiro pedido enviado pelo MPMS em 20 de maio, recebido no dia seguinte na pasta, definindo dez dias para resposta, que ainda não foi incluída ao procedimento.
Casos noticiados - A morte de Calleb, em maio do ano passado, não foi o único caso noticiado pelo Campo Grande News. Cerca de dois meses após, outro bebê nasceu com cardiopatia, com a mãe escolhendo o hospital para o parto exatamente por ser referência no SUS e igualmente ter que passar muitas horas à espera do atendimento especializado, que somente chegou após a publicação da reportagem e acionamento da Sesau noticiando o caso.
À época, o hospital explicou que a contratualização com o SUS era para os procedimentos cirúrgicos, mas não para cardiologia pediátrica e que não mantinha os profissionais no quadro, mas os acionava quando havia necessidade. A reportagem do Campo Grande News noticiou ainda a luta de outra mãe, que reuniu doações e conseguiu levar o recém nascido para cirurgia em São Paulo. Quando deu seu relato, ela contou que tomou a decisão de levá-lo para fora porque foi informada que em Campo Grande a cirurgia demandaria abrir o peito do bebê e ela temeu que ele não resistisse. O procedimento foi bem sucedido.
Já Gabrielle, transformou e a dor em luta e se reuniu com outras mães de crianças com doenças cardíacas, fundando o instituto Um Só Coração. Segundo consta em publicação da investigação do MP, ela relatou que a entidade reunia cerca de 60 famílias. A enfermeira apontou à Promotoria ter conhecimento de 20 mortes de bebês ao longo do período de seis meses e defendeu que havia falta de profissionais e demora nos procedimentos cirúrgicos urgentes.