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Capital

MP investiga associação para dependentes após mãe ser impedida de ver filho

Local oferece recuperação para dependentes químicos no centro; responsável diz que tem apoio das famílias

Por Maristela Brunetto e Geniffer Valeriano | 01/07/2024 06:32
Associação funciona no centro de Campo Grande; responsável atribui investigação a queixa de familiar de dependente (Fotos: Paulo Francis)
Associação funciona no centro de Campo Grande; responsável atribui investigação a queixa de familiar de dependente (Fotos: Paulo Francis)

O MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) transformou uma investigação preliminar em inquérito civil para saber como funciona uma casa terapêutica que atua na região central de Campo Grande, próxima a um dos pontos de concentração de dependentes químicos, perto da antiga estação rodoviária, na Rua Dom Aquino. O caso chegou à 76ª Promotoria após familiar relatar que não conseguia acesso fácil e nem mesmo retirar parente que estava no local. Missionária responsável disse que reclamação foi situação isolada e fruto de desentendimento com mãe de jovem.

A apuração começou no início do ano, tendo havido vistoria por técnicos do MP e da Sesau (Secretaria de Saúde de Campo Grande), que expediu autuação após verificar alimentos vencidos no local e cobrou informações para concessão de licença de funcionamento, já que a anterior estava vencida.

A Associação Clinica de Recuperação Esperança da Família é conduzida por Rosa Neide Cardoso, missionária Neide. Nas vistorias foi possível verificar que o estabelecimento não oferece serviços médicos, com o encaminhamento dos moradores para atendimento em CAPs (Centros de Atenção Psicossocial), mantidos pela Prefeitura de Campo Grande.

Fiscais esclareceram que para atuar como uma comunidade, o local pode somente oferecer acolhida de pessoas, que estejam ali de forma voluntária, sem recebimento de quem tenha problemas de saúde ou internação contra a vontade.

Um documento que consta no inquérito, cópia de um contrato de adesão, demonstra que é oferecido tratamento com previsão de um ano, no qual metade dele ocorre no estabelecimento. Um dos artigos aponta que as famílias devem contribuir. Aos servidores do município, foi informado que as pessoas pagam entre R$ 800 e R$ 1.500 para ficar na comunidade.

O tratamento envolve a conscientização do paciente sobre os efeitos negativos das drogas e crescimento individual e social do interno, segundo o documento anexado ao inquérito, em um período de 12 meses, com seis primeiros constando como internação, envolvendo acompanhamento psicológico, atividades espirituais e esportivas, dinâmicas em grupo.

A Promotoria colheu algumas informações iniciais, repassadas pela Sesau, que esteve no local em mais de uma ocasião e com o relatório da vistoria de técnicos do próprio do MP, mas ainda não teve manifestação oficial da responsável pelo estabelecimento, o que deve ocorrer agora que a investigação inicial foi transformada em inquérito.

Um ponto é exatamente saber como é a relação com as pessoas que permanecem no local e se ela cumpre exigências da Anvisa e a previsão da Lei de Drogas sobre os serviços das comunidades terapêuticas, como avaliação médica, um plano individualizado, ambiente acolhedor e adesão e permanência voluntária.

Os familiares são convidados a participar de um culto na sexta-feira, ocasião em que podem ter contato com os moradores do local. A responsável informou, nas inspeções, que a participação no evento religioso era facultativa.

A informação repassada a técnicos foi que a comunidade teria um enfermeiro em seu quadro, que iria uma vez por semana e cuidaria de organizar a medicação indicada por receita médica a cada paciente. Na ausência de ele, a própria missionária e a filha forneciam o medicamento, que fica guardado em um local de acesso restrito. Uma psicóloga também atuaria no local, com duas jornadas por semana de duas horas cada. Na fachada e em um documento enviado à Sesau consta que a associação conta com atendimento de um clínico geral.

O serviço não tem convênios, mantendo-se com o valor pago pelas famílias e a alimentação doada por uma entidade que recebe do Sesc. Os produtos chegam à tarde e são servidos e na janta e no almoço do dia seguinte.

Associação tem 15 quartos, oferecendo tratamento associado a serviços oferecidos nos Caps da Prefeitura
Associação tem 15 quartos, oferecendo tratamento associado a serviços oferecidos nos Caps da Prefeitura

 SUS não tem dinheiro – A missionária Neide conversou com a reportagem do Campo Grande News e disse que tentou fazer convênio com a Prefeitura, que atua com várias comunidades terapêuticas, a partir de seleção por meio de chamamento público. “O SUS não tem dinheiro para contratar. Essa foi a devolutiva, porque eu fui lá e cobrei, cobrei, cobrei”, explica Neide.

Ela contou que decidiu se dedicar ao atendimento a dependentes químicos porque conhece a situação dramática que o vício provoca nas famílias. As mães são aliadas no tratamento, menciona.

Para um dos moradores deixar a instituição, ela diz que o familiar responsável precisa autorizar e defende o sucesso da forma de atuar da Associação Clínica. “O dependente ele é incapaz de decisão. Então o nosso tratamento aqui é com o apoio da mãe. A mãe que está vendo que vão matar o filho ou ele vai morrer", sentencia.

"Você pode entrar e perguntar pra cada um qual é o melhor lugar do Mato Grosso do Sul, é aqui. Se eu perguntar, eles vão dizer: 'eu durmo a hora que eu quero, eu amo aqui, eu sou bem tratado’, e eles vão jogar bola, eles vão pra igreja, que tem culto de sexta-feira", comenta.

Segundo a missionária o estabelecimento tem CNPJ e toda a documentação necessária, com licença e alvará. São 15 quartos, com duas camas cada.  Nesta quarta-feira, nove pessoas estavam internadas no local. "E nós temos clínico geral, toda a equipe né? Temos receituário, tudo é controlado, eles tomam. Então eles ficam resistentes. Igual, passa o dia, vem aquela abstinência, mas passa com a medicação, passa e dez, quinze dias, é assim, alterado. Mas depois eles mesmo caem na consciência que eles precisam, que eles querem. Todos eles. Mas maioria vem porque quer, porque pediu ajuda".

Rede pública - A Prefeitura informou que a SDHU (Subsecretaria de Direitos Humanos) tem convênio com 11 comunidades terapêuticas para atender somente adultos, selecionadas por chamamento público. Segundo a pasta, as comunidades não trabalham com lista de espera e o atendimento acontece através da procura e é também oferecido em situações de abordagens sociais realizadas por servidores de diferentes áreas da Prefeitura, como Guarda Civil ou saúde.

O serviço de internação compulsória não é feito pela prefeitura. No Judiciário é comum haver pedidos feitos por familiares, que, quando autorizados, é determinado ao poder público que ofereça o atendimento.

Na rede municipal de saúde estão contratados 48 leitos para atendimento a esse público, sendo 12 no Hospital Regional e 36 no Hospital Nosso Lar. Os serviços incluem 7 Caps, sendo dois para álcool e drogas e um infantil. Também há 4 residências terapêuticas oferecidas pela Prefeitura. A Administração Municipal informou, ainda, que tem uma equipe móvel de psiquiatria para atender em unidades de saúde e oferece a especialidade também no CEM.

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