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Capital

“Vítima de narcisista”, alega defesa de mãe que não impediu morte de Sophia

A cinco dias de julgamento, advogados de Stephanie procuraram a imprensa para divulgar relatos da cliente

Por Anahi Zurutuza | 29/11/2024 20:22
Christian Leitheim (de camiseta branca) e Stephanie de Jesus (de blusa clara) durante audiência do processo por homicídio (Foto: Juliano Almeida/Arquivo)
Christian Leitheim (de camiseta branca) e Stephanie de Jesus (de blusa clara) durante audiência do processo por homicídio (Foto: Juliano Almeida/Arquivo)

A cinco dias do julgamento de Christian Campoçano Leitheim, de 27 anos, e Stephanie de Jesus da Silva, 26, padrasto e mãe acusados de serem os responsáveis pela morte da menina Sophia, em janeiro do ano passado, a defesa da ré procurou a imprensa para expor relatos da cliente. Para os advogados, Stephanie vivia relacionamento abusivo, mas se via sem saída.

RESUMO

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O caso de Stephanie de Jesus e Christian Leitheim, acusados pela morte da filha Sophia, revela um ciclo trágico de violência doméstica. A defesa de Stephanie argumenta que ela era vítima de um relacionamento abusivo e que buscou ajuda, mas não recebeu apoio do Estado, o que a deixou presa em um ciclo de violência. Christian, descrito como manipulador, teria agredido a menina e a mãe, que, apesar de seus esforços para proteger a filha, não conseguiu escapar da situação. O julgamento do casal está marcado para 4 de dezembro de 2023, com a acusação de homicídio doloso por omissão contra Stephanie e homicídio qualificado contra Christian.

O time que defende Stephanie argumenta ainda que a cliente foi vítima da omissão do Estado e enfurnada no ciclo da violência doméstica, com duas crianças pequenas para alimentar, não conseguiu evitar a tragédia do dia 26 de janeiro de 2023, quando chegou com a filha morta nos braços para socorro na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Bairro Coronel Antonino.

“Já havia buscado ajuda, alertando uma amiga sobre a violência constante que sofria de seu então parceiro, Cristhian”, diz texto enviado pela defesa à reportagem. “Trabalhadora, Stephanie sustentava a casa com exaustivas jornadas de 11 horas diárias, das 7h às 18h, mas, ao retornar para casa, era recebida com agressões físicas e verbais. Vivendo presa no ciclo cruel da violência doméstica, Stephanie se via sem saída”, completa.

Segundo o advogado Alex Viana, que passou a integrar a defesa da mãe em outubro deste ano, o histórico de buscas feitas pela cliente pelo celular vai provar que ela encontrava maneiras de sair de casa. “Ela estava procurando creche para a Sophia [Christian era que cuidava da menina e da irmã dela, ainda bebê] e procurou como fazer denúncia contra ele”.

Além disso, a defesa afirma que Stephanie nunca recebeu assistência do poder público. “Mulheres no ciclo não têm força para dizer que estão naquela situação. Mulheres procuram muito unidades de saúde e escolas, porque ali se sentem seguras. Stephanie foi 30 vezes na UPA com a filha dela, que apresentava hematomas, e ninguém falou nada. Ninguém chamou o Conselho Tutelar. Se uma assistente social tivesse pegado ela e colocado numa sala protegida e perguntado o que estava havendo, ela teria se aberto”, conjectura Viana.

Os advogados de Stephanie afirmam ainda que Stephanie sempre cuidou bem de Sophia e nunca aceitou que Christian agredisse a filha, mas estava sendo manipulada pelo marido. “Ele enviava mensagens justificando cada hematoma com explicações falsas — tombos, pequenos castigos para disciplinar — numa tentativa perversa de tranquilizar Stephanie. Ela, exausta após longos dias de trabalho, chegava em casa apenas para suportar mais um ciclo de violência e controle, sem imaginar que Sophia também estava sendo alvo das agressões”.

“Narcisista e manipulador, ele a prendeu em um ciclo de violência e humilhação do qual ela tentou escapar, mas acabou presa, ainda mais após descobrir estar grávida dele”, também diz a nota da defesa.

Para a reportagem, Viana afirma ainda que ouviu a cliente relatar o medo que tinha de Christian. “Ele ameaçava ‘tirar’ a filha bebê da mulher, assim como ele tirou o filho da ex, porque o pai era policial”.

Stephanie mostra olho machucado após apanhar do marido, segundo advogados; foto foi localizada no celular dela (Foto: Reprodução)
Stephanie mostra olho machucado após apanhar do marido, segundo advogados; foto foi localizada no celular dela (Foto: Reprodução)

Abuso psicológico – Além dos espancamentos que Stephanie alega que sofria sempre que intervia para impedir que Crhistian fosse violento com as crianças, ela era vítima de abusos psicológicos, segundo a defesa.

“Stephanie estava presa no ciclo da violência doméstica, marcado pela tensão, explosão de agressões e um breve período de ‘lua de mel’, onde Cristhian prometia mudar, apenas para recomeçar o abuso. Isolada e manipulada emocionalmente, ela não conseguia escapar da relação, mesmo tentando, como tantas outras vítimas. Essa realidade trágica, somada à falta de apoio, culminou na perda de sua filha e na injusta acusação que enfrenta agora”.

Algumas das situações até foram retratadas pelo Campo Grande News, com base nos relatórios policiais que vasculharam os diálogos do casal pelo WhatsApp. Uma das reportagens mostrou, por exemplo, que, durante exatamente 23 minutos, logo após a morte de Sophia ser constatada na UPA e a polícia ser chamada, o padrasto ameaça suicídio quatro vezes em mensagens trocadas com a mulher e mãe da vítima, além de cobrar dela o “status” do relacionamento.

“Eu vou me matar. Tô saindo. Não vou levar o celular, nem identidade, pra quando me acharem, demorar para reconhecer ainda. Desculpa, Stephanie”, diz Christian.

Depois disso, ele não para de enviar mensagens: “Vou sair da sua vida. Eu sei que depois de hoje a gente não vai mas [sic] conseguir ficar juntos”. Mas logo, no mesmo minuto, ele muda de ideia sobre tirar a própria vida: “Me manda preso pra eu pelo menos me sentir menos culpado. Se eu tivesse te escutado aquela hora, ela tava [sic] bem agora”.

A mãe da criança ignora e faz outra revelação: “Disseram que ela foi estuprada”. O marido nega, manda várias mensagens e três áudios seguidos, enquanto Stephanie explica que estava falando com a polícia e Christian insiste em saber se os dois estão juntos ainda: “Você quer ou não continuar comigo? Eu tô quase saindo para fazer merda. Depende da sua resposta”. Ela responde com o sucinto “sim”.

Foto enviada por Stephanie ao marido mostram marcas roxas no pescoço da criança (Foto: Reprodução)
Foto enviada por Stephanie ao marido mostram marcas roxas no pescoço da criança (Foto: Reprodução)

Revelações – Em outras trocas de mensagens, antes da morte, Christian revela à mulher como faz para a enteada “ficar quieta” e Stephanie não parece esboçar reação. “Registra-se, ademais, que já restou noticiado o mecanismo violento usado pelo acusado, consistente em tapa e 'quebra-costela', para punir a vítima, agressões que eram seguidas de sufocamento como forma de interromper o choro da criança, cujo pranto era silenciado pela ânsia de respirar enquanto tinha seu rosto pressionado contra um colchão”, diz relatório anexados aos autos.

O documento então faz um parêntese, para recordar diálogo do casal que aconteceu exatamente um ano antes da morte de Sophia, no dia 26 de janeiro de 2022. Stephanie reclama que a filha não para de chorar e o padrasto “ensina” como calá-la. O método é asfixia:

Dá uns tapão nela, aí você vira a cara dela pro colchão e fica segurando porque aí ela para de chorar. É sério. Parece até tortura mais [sic] não é, porque aí ela fica sem ar para chorar e para de chorar. Entendeu?”, orienta o Christian Leitheim, conforme transcrito pela acusação.

Setenta e um dias antes de morrer, Sophia foi socorrida até a UPA do Coronel Antonino com vômito duas horas e meia depois de levar surra do padrasto. É o que revela outro diálogo trazido em matéria do Campo Grande News. "Dei uma surra nela”, admitiu Christian Leitheim à mãe da criança antes de ela passar mal, em novembro de 2022.

Alex Viana, defensor de Stephanie, afirma que os diálogos revelam apenas a vida cotidiana e que a cliente nunca acreditou que o marido era capaz de fazer as atrocidades que verbalizou. “Uma mulher sobrecarregada que faz um desabafo e recebe aquilo como respostas. Mas ela não levou a sério. Para ela, isso não existia. Não acreditava que ele era capaz de chegar a esse ponto. Ele sempre prestava contas do que supostamente acontecia com a Sophia, desviando da culpa. Se ela fosse conivente, Christian não teria de prestar contas”.

Advogadas que acompanham Stephanie, como Camila Garcia e Katiussa do Prado, afirmam que ela nunca presenciou Cristhian agredir Sophia e acreditava nas desculpas que ele dava para cada marca ou hematoma. Herika Rato, criminalista e perita criminal, assinala que a verdade sobre o caso foi completamente distorcida. “No dia da morte de Sophia, Stephanie a levou à UPA, acreditando que a filha estava com uma virose, e entrou em choque ao descobrir o que Cristhian havia feito. Nada disso, porém, foi devidamente noticiado”.

Outro lado – A defesa de Christian afirma que as alegações dos advogados de Stephanie têm objetivo de “afastar sua responsabilização do crime que figura autora”. “A defesa dela fez juntada de documentos tais como cartas, fotos entre outros que, francamente, ainda serão analisadas pelos advogados que atuarão no caso – Pablo Gusmão, Renato Franco e Willer Almeida –, no júri próximo. Em depoimento, também perante o Juízo, Christian nega violência ou agressões contra ela”.

“A defesa de Christian, em relação ao processo, esclarece que no dia do julgamento espera que seja alcançado julgamento justo. Ressalta a importância do Tribunal do Júri, local em que se apura crimes dessa natureza e, após tanto tempo, será dado o veredicto ao caso”, completa a nota enviada à reportagem.

A acusação – Na tarde do dia 26 de janeiro de 2023, a menina deu entrada na UPA do Bairro Coronel Antonino, no norte de Campo Grande, já sem vida. Inicialmente, a mãe, que foi até lá sozinha com a garota nos braços, sustentou versão de que ela havia passado mal, mas investigação médica encontrou lesões pelo corpo, além de constatar que a morte havia ocorrido cerca de quatro horas antes da chegada ao local.

O atestado de óbito apontou que a garotinha morreu por sofrer trauma raquimedular na coluna cervical (nuca) e hemotórax bilateral (hemorragia e acúmulo de sangue entre os pulmões e a parede torácica). Exame necroscópico também mostrou que a criança sofria agressões há algum tempo e tinha ruptura cicatrizada do hímen – sinal de que sofreu violência sexual.

Para a investigação policial e o MP, Sophia foi espancada até a morte pelo padrasto, depois de uma vida recebendo “castigos” físicos.

O padrasto será julgado por homicídio qualificado por motivo fútil, meio cruel e praticado contra menor de 14 anos. Ainda responderá por estupro de vulnerável. Já a mãe será julgada por homicídio doloso por omissão. O julgamento do casal está marcado para começar no dia 4 de dezembro.

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