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Interior

Ação milionária sobre bens de empresário se arrasta há 17 anos na Justiça

Primeiros herdeiros apontam decisões ilegais e desrespeito a direitos fundamentais por parte da Justiça

Por Helio de Freitas, de Dourados | 01/07/2025 13:53
Ação milionária sobre bens de empresário se arrasta há 17 anos na Justiça
Sede da Fazenda Garça, em Dourados, alvo de disputa entre herdeiros (Foto: Divulgação)

Processo de inventário em andamento há quase 20 anos pode se tornar mais um escândalo envolvendo o Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul. A ação tramita na 1ª Vara de Família e Sucessões da comarca de Dourados, mas o caso atinge também o Tribunal de Justiça. O objeto de disputa é uma fazenda de 1.452 hectares, localizada no distrito de Itahum.

RESUMO

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Disputa judicial por herança milionária se arrasta por 17 anos em Mato Grosso do Sul. Quatro filhos do primeiro casamento do empresário Massatoschi Kussumoto questionam decisões judiciais que favorecem a segunda esposa do falecido, em detrimento de seus direitos. O principal objeto da discórdia é a Fazenda Garça, uma propriedade de 1.452 hectares em Dourados. Os herdeiros alegam que a justiça considerou o início da união estável entre o pai e a convivente em 1982, baseando-se em um testamento questionado. Eles argumentam que a união começou em 1986 e que a fazenda foi adquirida antes disso, em 1984, não fazendo parte da partilha. A defesa aponta ainda para decisões contrárias à Constituição Federal e à jurisprudência do STJ. O caso, que tramita em segredo de justiça, foi denunciado à Polícia Federal e à OAB.

A história envolve os quatro filhos do primeiro casamento do empresário Massatoschi Kussumoto, a mulher com quem ele convivia quando morreu, em 2007, e até um advogado famoso de Dourados, Antônio Franco da Rocha (morto de covid, em 2021).

O processo tramita em segredo de justiça, mas o Campo Grande News teve acesso à denúncia encaminhada à Polícia Federal e à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em que o representante dos herdeiros aponta decisões judiciais ilegais para beneficiar a convivente do empresário em prejuízo aos quatro filhos que Massatoschi teve com a primeira esposa. Também relata descaso do Tribunal ao julgar o recurso, que foi indeferido.

No documento, o inventariante cita que decidiu fazer a denúncia após a Operação Ultima Ratio, deflagrada pela PF no ano passado para apurar vendas de sentenças no Tribunal de Justiça de MS.

O caso poderia ser simplesmente mais um processo de partilha que se arrasta por anos nas entranhas da Justiça se não fossem as decisões questionadas pelos herdeiros, algumas até mesmo ao arrepio de direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal.

Como tudo começou– Natural de Ituverava (SP), Massatoschi Kussumoto, conhecido como “Mário”, se casou com a primeira esposa em 1961. O casal teve quatro filhos – três homens e uma mulher, nascidos em 1963, 1965, 1967 e 1969.

Em 1973, a família se mudou para Dourados, onde Massatoschi abriu uma empresa cerealista, na Avenida Weimar Gonçalves Torres. Em março de 1982, a esposa morreu. Os filhos mais velhos estudavam fora e Massatoschi permaneceu morando na companhia da filha, à época com 13 anos de idade.

Em 1986, após a filha caçula se mudar para interior de São Paulo, para estudar, Massatoschi, aos 51 anos de idade, iniciou relacionamento com outra mulher, na época com 22 anos. É aí que reside o principal ponto de discórdia – a data em que começou a união estável do empresário com a nova convivente.

O casal teve um filho, nascido em 4 de janeiro de 1988. Aos 71 anos, Massatoschi Kussumoto morreu, em 31 de outubro de 2007, em decorrência de parada cardiorrespiratória, insuficiência renal e agravamento do quadro de diabetes.

Um mês depois, começou a tramitar na 1ª Vara Cível da comarca de Dourados o processo de inventário dos bens. Entre o patrimônio estavam terrenos, veículo, casas e uma fazenda de 600 alqueires (1.452 hectares) no município de Dourados.

Representada pelo escritório Rocha Advogados Associados, com sede em Dourados, a viúva prestou declarações à Justiça informando que manteve união estável com Massatoschi Kussumoto desde 1986. Em outra oportunidade, em 17 de dezembro de 2009, ratificou a afirmação, de que a união estável havia começado em 1986.

Como primeira inventariante, a viúva propôs acordo de divisão da fazenda – 150 alqueires para ela e 90 alqueires para cada um dos cinco herdeiros (o filho dela e os quatro filhos do primeiro casamento). Entretanto, segundo a família do empresário, esse acordo nunca foi cumprido.

Testamento – Conforme dados do processo, o escritório de advocacia que atende a convivente apresentou testamento deixado por Massatoschi e foi redigido pelo advogado Antônio Franco da Rocha, em que o empresário reconhecia o início da união estável em 1982. Entretanto, um familiar conversou com a reportagem na condição de anonimato e explicou o ocorrido.

“A Fazenda Garça havia sido trocada pelo senhor Massatoschi por outra propriedade, no município de Porto Murtinho, comprada em 1984, ou seja, antes do início da união estável com a convivente”, disse ele.

O processo começou nas mãos do juiz Eduardo Machado Rocha. Após a promoção dele como desembargador, a causa foi assumida pela juíza Ana Carolina Farah Borges da Silva.

A convivente foi nomeada inventariante até julho de 2014, quando foi removida, com suspeita de desvio de bens e dinheiro. Foi aberta ação de prestação de contas. Em novembro do mesmo ano, o herdeiro Mário (segundo filho de Massatoschi) foi nomeado como inventariante.

Esse herdeiro apresentou petição sobre o acordo nunca concretizado e explicando a razão pela qual não houve contestação do testamento dentro do prazo legal.

“Com o óbito da genitora e esposa [em março de 1982], nasceu o direito sucessório dos herdeiros. Porém, nessa ocasião, eram menores de idade e não foi feita a devida transmissão formal aos filhos. Assim, a parte metade proveniente da mãe confundiu-se com o patrimônio do genitor, autor da herança. No entanto, tal parte foi incorporada ao patrimônio dos filhos, pois, trata-se de direito intertemporal. Não se trata de mera expectativa e, sim de verdadeiro direito adquirido, sendo certo, líquido e exigível”, diz trecho dos documentos.

De acordo com a defesa dos herdeiros, para ter direito à metade da fazenda, caberia à meeira comprovar sua contribuição na aquisição da propriedade, segundo a Súmula 380 do STF (Supremo Tribunal Federal). “Meeiro” é o cônjuge que tem direito à metade do patrimônio do casal, adquiridos durante a união.

“O artigo 612 do Código de Processo Civil dispõe que as questões de direito que podem ser provadas por documento serão decididas dentro do próprio inventário. A matrícula comprova a aquisição do imóvel pelo autor da herança figurando-o (e somente ele) como proprietário legítimo”, afirma a defesa dos herdeiros.

Sentença – Apesar de todos os argumentos da defesa dos herdeiros, em 22 de abril de 2019, a juíza Ana Carolina Farah Borges da Silva deu ganho de causa à convivente, reconhecendo a união estável a partir de 1982, adotando o testamento como principal prova.

Para os herdeiros, a sentença foi ilegal por ter concedido meação à convivente somente 10 dias após a morte da mãe, configurando violação de direito líquido e certo.

O artigo 1.523 do Código Civil em vigor estipula: “não devem casar o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros”.

Segundo a defesa dos herdeiros, conceder à convivente a condição de meeira a todo o período, ou seja, desde abril de 1982 até o falecimento do empresário, em 31 de outubro de 2007, sobrepõeo direito dos herdeiros, “presumindo que a fazenda Garça, adquirida pelo de cujus [o empresário] em período anterior à lei 9.278\96, na constância da união estável, é fruto do trabalho e da colaboração comum”, em sentido contrário à jurisprudência do STJ. Entretanto, a 1ª Câmara Cível do TJMS, por unanimidade, manteve a sentença de 1º grau.

Agora, nesta fase de partilha dos bens, os herdeiros esperam de forma justa e imparcial que os seus direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988 sejam respeitados.

O Artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal garante que a lei “não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Essa norma assegura a segurança jurídica, impedindo que leis retroativas afetem situações consolidadas no tempo.

Revelam que os direitos adquiridos têm o status de “cláusula pétrea” e não podem ser retirados ou suprimidos por lei ou sentença posterior. Os direitos de herança são garantidos pelo artigo 1.784 do Código Civil e são muito anteriores às sentenças proferidas em 1º e 2º graus, conforme a defesa dos herdeiros.

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