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Interior

Demarcações de terras que "entraram em agenda" de ministra empacaram há 7 anos

Sônia Guajajara faria anúncios sobre essas áreas em visita a MS, mas tratou do assunto só em reunião fechada

Por Caroline Maldonado | 20/11/2023 13:25
Indígenas das aldeias Taunay/Ipegue, em Aquidauana (Foto: Campo Grande News/Arquivo)
Indígenas das aldeias Taunay/Ipegue, em Aquidauana (Foto: Campo Grande News/Arquivo)

Em 152 locais de Mato Grosso do Sul, famílias cujos ancestrais foram chamados de “índios” e “confinados” em espaços insuficientes, vivem esperando que as terras sejam finalmente “devolvidas”. De outra parte, proprietários com títulos de boa-fé vivem defendendo suas divisas da “invasão”.

Três dessas terras voltaram ao noticiário na última semana, após o MPI (Ministério dos Povos Indígenas) informar à imprensa que a ministra Sônia Guajajara faria o anúncio de “conclusão do estudo da terra indígena Kinikinau e da demarcação das terras Cachoeirinha e Taunay/Ipegue”.

A ministra esteve em Nioaque, mas os anúncios não foram feitos. Os temas foram tratados em reunião com autoridades, incluindo o governador Eduardo Riedel (PSDB), conforme a assessoria do ministério. Apesar de afirmar que a conclusão da demarcação está “em total conformidade com as fases do rito demarcatório estabelecido pelo Decreto nº 1775/96”, a equipe não explicou o motivo da mudança de planos.

Essas três terras entraram e saíram da pauta da visita da ministra a Mato Grosso do Sul, porque fazem parte dessa lista imensa de locais em processo demarcatório que, em resumo, passa por nove passos desde o estudo antropológico para demonstrar se ali é mesmo terra ocupada por indígenas tradicionalmente até a homologação da demarcação.

Demarcação e indenização - Cachoeirinha e Taunay Ipegue passaram pela identificação, mas empacaram na fase de declaração, um passo importante para que ocorra a homologação. Proprietários dessas áreas em Miranda e Aquidauana recorreram à Justiça. No caso dos Kinikinau, o processo está em fase de identificação, ou seja, é feito um estudo sobre as áreas em Miranda e Aquidauana, conforme o monitoramento do ISA (Instituto Socioambiental).

A informação de que os anúncios seriam feitos pela ministra levaram a crer que seria divulgado o estudo da terra Kinikinau e a terra dos Terena já declarada em 2007 seria finalmente demarcada.

Ocupação de fazenda na Terra Indígena Cachoeirinha em 2013 (Foto: Cimi/Divulgação)
Ocupação de fazenda na Terra Indígena Cachoeirinha em 2013 (Foto: Cimi/Divulgação)

Taunay/Ipegue e Cachoeirinha - O antropólogo Antônio Hilário Urquiza explica que o sertanista Marechal Rondon passou pela região, onde hoje fica Miranda e Aquidauana, por volta de 1905, e viu a situação das famílias da etnia Terena, depois da Guerra do Paraguai, o maior conflito armado internacional ocorrido na América Latina.

As terras dos Terena foram “usurpadas" e “eles ficaram espremidos em uma área pequena”, conforme Urquiza. Rondon, de forma voluntária, demarcou onde estavam os indígenas, mas ignorou que a terra deles era bem maior. “Rondon foi omisso à época. Ele sabia que o território era muito maior. O território demarcado era de fragmentos, mas nessa época nem existia o SPI (Serviço de Proteção ao Índio) e foi voluntarioso do Rondon demarcar dessa forma”, detalha.

Os terena passaram 60 anos brigando para ampliar o território, lideranças foram até para o Rio de Janeiro atrás das autoridades, até que no começo dos anos 2000, a Funai (Fundação Nacional do Índio) contratou um antropólogo para fazer o estudo dessas áreas e assim surgiram relatórios que indicam a área total.

“Esse processo ficou engessado na Justiça, porque os proprietários entraram com o contraditório. Somente de 2016 para cá surgiram portarias declaratórias e, já resolvidas as pendências judiciais, foi declarado que é terra indígena, mas isso não significa que terminam os conflitos”, lembra o antropólogo.

Kinikinau - Povos que ocupavam o território em Mato Grosso do Sul próximo ao Rio Agachi estão hoje também em Aquidauana e Miranda. A diferença é que hoje os Kinikinau não têm “um palmo de terra” para viver. Por isso, alguns vivem junto aos terena no Acampamento Mãe Terra e outros com os Kadiwéu, em Porto Murtinho.

Área reivindicada pelo povo Kinikinau, que foi palco de conflito em 2019 (Foto: Cimi/Divulgação)
Área reivindicada pelo povo Kinikinau, que foi palco de conflito em 2019 (Foto: Cimi/Divulgação)

O processo demarcatório da terra deles está em fase inicial, de estudo. Eles fizeram tentativa de retomada em 2017, quando um líder foi atingido por bala de borracha em meio ao confronto com a polícia. Em abril deste ano, a Funai designou, por meio de portaria, um grupo de trabalho para propor medidas resolutivas sobre a situação fundiária.

O próximo passo é a entrega do Recide (Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação). Depois disso, assim como ocorreu com Cachoeirinha e Taunay/Ipegue, haverá 90 dias para contestação dos proprietários da terra. Em seguida, o relatório deverá ser publicado no Diário Oficial da União e segue o processo demarcatório.

Passos da demarcação - O processo é extenso e cheio de procedimentos, mas o MPI fez um compilado para explicar como ocorre uma demarcação.

Tudo começa com estudos de identificação e delimitação com grupos de trabalhos instituídos pela Funai. Depois disso, os proprietários das fazendas têm direito ao contraditório administrativo. O MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública) deve fazer a declaração dos limites. Então, a Funai faz a demarcação física.

Os próximos passos são o levantamento fundiário de avaliação de benfeitorias implementadas pelos ocupantes não indígenas, a cargo da Funai, realizado em conjunto com o cadastro dos ocupantes não indígenas, a cargo do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

Cabe então à Presidência da República fazer a homologação da demarcação. Aí então, é realizada a retirada de ocupantes não indígenas, com pagamento de benfeitorias consideradas de boa-fé pela Funai.

Por fim, dá-se o reassentamento dos ocupantes não indígenas que atendem ao perfil da reforma, a cargo do Incra; o registro das terras indígenas na Secretaria de Patrimônio da União, a cargo da Funai; e a interdição de áreas para a proteção de povos indígenas isolados, a cargo da Funai.

Das 736 terras indígenas no Brasil nos registros da Funai, 477 estão regularizadas e dessas 19% estão na região Centro-Oeste. No entanto, a Funai ainda analisa outras 490 reivindicações de povos indígenas.

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