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Interior

Na terra sem lei, execução de jornalista faz 1 ano e matadores seguem impunes

“Quem matou e quem mandou matar Leo Veras?” é pergunta sem resposta na fronteira; o medo impera até entre a polícia

Helio de Freitas, de Dourados | 12/02/2021 07:06
O jornalista Leo Veras com a esposa Cinthia González; “parte de mim foi embora com ele” (Foto: Arquivo pessoal)
O jornalista Leo Veras com a esposa Cinthia González; “parte de mim foi embora com ele” (Foto: Arquivo pessoal)

Hoje completa um ano da execução do jornalista brasileiro Lourenço Veras, o Leo. O crime ocorreu por volta de 19h de 12 de fevereiro de 2020, no Jardim Aurora, em Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia vizinha de Ponta Porã (MS), a 323 km de Campo Grande.

Amigo de todos, respeitado no jornalismo policial e sempre pronto para colaborar no que for preciso com colegas de outras cidades e de outros estados, Leo Veras, morto aos 52 anos de idade, foi mais uma das centenas de vítimas da violência que impera na linha internacional entre o Paraguai e Mato Grosso do Sul.

“Do que precisa, maninho?”, perguntava ele, em mensagem de texto ou áudio enviado pelo WhatsApp sempre que era chamado para ajudar a apurar as ocorrências diárias da fronteira que tanto rendem visualizações e comentários na internet.

Leo Veras estava em casa com a família na noite daquela quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020, poucos dias antes de o mundo ser sacudido pela pandemia do novo coronavírus.

Covardia – Ele jantava com a esposa, a estudante de medicina Cinthia González, o sogro e os dois filhos do casal quando os matadores chegaram e foram entrando. Quando percebeu que era o alvo dos pistoleiros, Leo correu para o fundo do quintal e os tiros começaram.

Minutos depois, o corpo do jornalista foi encontrado no quintal, com um pano no rosto. Ele foi morto com pelo menos 15 tiros de pistola 9 milímetros. O pano sobre a boca teria sido um recado do submundo do crime, indicando que Leo teria falado demais.

Mera especulação.

A verdade é que um ano depois, tirando os pistoleiros e os mandantes, ninguém sabe absolutamente nada sobre a execução de Leo Veras. E se existe alguém que sabe, essa pessoa vai levar o segredo para o túmulo. E o motivo é óbvio: medo de parar no túmulo antes da hora, talvez pelas mãos dos mesmos algozes.

Nesta semana, o Campo Grande News conversou com policiais e jornalistas da fronteira atrás de informações sobre o desfecho das investigações. Ninguém sabe de nada. O medo impera entre todos.

Familiares e amigos acompanham caixão com o corpo de Leo Veras, no dia 13 de fevereiro do ano passado (Foto: Arquivo)
Familiares e amigos acompanham caixão com o corpo de Leo Veras, no dia 13 de fevereiro do ano passado (Foto: Arquivo)

Crime sem castigo – Logo após a execução, várias pessoas chegaram a ser apontadas como suspeitas, foram presas, tiveram as casas vasculhadas, mas até agora não existe qualquer pista concreta que leve aos criminosos.

“Lastimosamente, a morte do nosso amigo não foi esclarecida e nunca será, assim como ocorreu com todos os outros jornalistas vítimas do crime organizado na fronteira”, disse um repórter, na condição de anonimato total. “A gente não pode nem mesmo questionar sobre as investigações, porque podemos ser os próximos”.

O que não falta é teoria para tentar encontrar explicação para a execução de Leo Veras. As suspeitas recaem sobre policiais corruptos do país vizinho e principalmente sobre a facção criminosa brasileira PCC (Primeiro Comando da Capital). Já se tornou clichê culpar a quadrilha pelas mazelas da fronteira, mesmo sem provas.

Até uma força-tarefa formada por promotores de Justiça da capital Asunción foi montada para investigar a execução de Leo Veras, mas nada adiantou. Um ano depois, o crime caiu no esquecimento.

O jornalista Leo Veras durante entrevista para falar da fronteira que tanto conhecia e que foi sua sepultura (Foto: Arquivo)
O jornalista Leo Veras durante entrevista para falar da fronteira que tanto conhecia e que foi sua sepultura (Foto: Arquivo)

“Tudo é cinzento” – Só não se esqueceram e nunca esquecerão de Leo Veras os seus amigos e familiares. A esposa dele, Cinthia González, a filha de 15 anos e o filho de 12 lembram do pai todos os dias e até hoje esperam por justiça.

“Um ano se passou daquela trágica noite, um ano de muitas perguntas sem resposta”, afirmou Cinthia González ao Campo Grande News.

“É difícil lembrar dele e os olhos não encherem de lágrimas. Tem dia que é um pouco mais difícil, ainda mais agora que vai fazer um ano, um ano sem poder sentir os abraços e sem poder escutar a voz dele falando para mim que tudo vai dar certo, olhar pro lado e não ter ele, é uma tortura”.

Cinthia González e os filhos tentam seguir em frente. Ela termina em agosto deste ano o estágio da faculdade de medicina que cursa em Pedro Juan Caballero. A pandemia atrasou tudo. O site fundado por Leo, o Porã News, continua ativo, com muita dificuldade. “Está cada vez mais difícil manter no ar com uma única publicidade de 300 reais”, disse ela.

“Chegar em casa e saber que não vou poder contar pra ele como tem sido, é muito difícil. Tínhamos muitos sonhos por realizar juntos, estou caminhando sozinha para poder realizá-los. Cada pedacinho dos nossos corações sente muita falta dele”, diz a viúva.

Cinthia afirma que as lembranças e a aprendizado são o que restaram de Leo Veras. “Só tenho que agradece pelo pai, marido, amigo e profissional que ele foi. Uma parte de mim foi embora com ele! Desde a hora que ele se foi, minha vida virou mar sem onda. Não importa o tempo, não interessam novas chances na vida, porque sem ele junto, tudo é cinzento”.

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