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Cidades

Morte, destruição e domínio do PCC: 10 anos da maior rebelião em MS

Um preso foi morto, mas reféns "morreram" por dentro

Aline dos Santos | 27/04/2016 13:56
Uma cabeça exibida na muralha: assim começou negociação com presos em maio de 2006. (Foto: Minamar Júnior/Arquivo)
Uma cabeça exibida na muralha: assim começou negociação com presos em maio de 2006. (Foto: Minamar Júnior/Arquivo)
Tropa de Choque entra na Máxima. (Foto:Adriano Hany/ Arquivo)
Tropa de Choque entra na Máxima. (Foto:Adriano Hany/ Arquivo)

Nas mãos de um preso, uma camiseta retorcida sustentava uma cabeça carbonizada. Era 14 de maio de 2006, era Dia das Mães, era a Máxima e era tempo de o PCC (Primeiro Comando da Capital) tomar os presídios.

Numa rebelião, que do epicentro São Paulo se irradiou por quatro cidades de Mato Grosso do Sul, a vítima fatal foi Fernando Aparecido do Nascimento Eloy. Com homicídios no histórico, inclusive dentro do presídio, sua morte foi um retrato da barbárie: todos os dentes arrancados em vida, esquartejado, carbonizado e decapitado.

Mas na rebelião, que chegou às unidades penais de Campo Grande, Dourados, Três Lagoas e Corumbá, também teve quem morreu um pouco por dentro. Cinco agentes se aposentaram e dois, passados dez anos, não se recuperaram do trauma psicológico. Na penitenciária Jair Ferreira de Carvalho, a Máxima, na Capital, um deles foi obrigado a ingerir carne e informado de que era humana.

Uma década depois, o Campo Grande News revisita os momentos de tensão da maior rebelião do sistema penal de Mato Grosso do Sul.

O negociador – De folga naquele Dia das Mães, mas de prontidão, Franco Alan Amorim era chefe da equipe de negociação da PM (Polícia Militar). Com a rebelião, dois negociadores, psicóloga e um anotador foram ao complexo penitenciário da Capital. O então capitão assumiu a condição de negociador principal e, a partir da tarde daquele domingo, seria a sua voz em ritmo modulado o canal de comunicação com os rebelados por 24 horas.

Atualmente subcomandante da Bptran (Batalhão de Polícia de Trânsito), ele lembra que a recepção não foi nada amistosa. “Para demonstrar força, eles apresentaram a cabeça do preso. Isso foi logo no início. E como em toda a crise, o início da negociação é o momento mais crítico. As duas primeiras horas são de muita tensão. Os agentes estavam sendo agredidos, tinha discussão entre os membros da quadrilha. O papel ali era de contenção, para não avançar e estabelecer uma comunicação”, relata. Dentro do presídio, os números eram de três agentes reféns, 1.327 presos e centenas de visitas, incluindo crianças.

Correria em frente ao presídio: um Dia das Mães cheio de tensão. (Foto: Adriano Hany/Arquivo)
Correria em frente ao presídio: um Dia das Mães cheio de tensão. (Foto: Adriano Hany/Arquivo)
Tiros e rebelião na Máxima. (Foto: Adriano Hany/Arquivo)
Tiros e rebelião na Máxima. (Foto: Adriano Hany/Arquivo)
Presos deixando presídio. (Foto: Adriano Hany/Arquivo)
Presos deixando presídio. (Foto: Adriano Hany/Arquivo)

Além do cenário turbulento, a negociação tinha um outro fator complicador: os presos não tinham autonomia, dependendo de ordens de São Paulo. “Estavam recebendo ordens de São Paulo através de telefone celular, não faziam nada aqui sem antes receber ordem de fora. O poder de decisão não estava no presídio de segurança máxima”, diz Franco Alan.

Um telefone celular direcionado para manter contato somente com os negociadores foi entregue aos internos. Enquanto do outro lado da linha, foi mantido o mesmo negociador, os presos se revezavam.

E os pedidos eram diversos: inserção ao vivo na televisão para ler carta, falar com juiz, regalias internas, redução da pena e até que fosse fornecido droga porque a maconha tinha acabado no presídio. Água e luz foram cortadas. “Ele liberavam determinado setor e a gente cedia algo para eles. Pedidos que eram negociáveis”, salienta.

Fuga da morte – Se no começo da tarde daquele domingo, a recepção foi um homem decapitado. A noite reservava mais violência. Quem esteve lá, mesmo passado dez anos, não se esquece da invasão do “seguro”, ala da penitenciária destinada aos inimigos da facção criminosa e estupradores.

“Estava tudo contido, mas a liderança dos presos perdeu o controle e um grupo tentou invadir essa ala. Foi um momento de tensão. Os grupos de ação tática da Cigcoe mais o Choque fizeram intervenção com bala de borracha. Os presos pulavam com medo da morte. Quebravam pernas, braços. Foi o momento mais crítico”, rememora Franco Alan, que foi por cinco anos negociador da polícia.

O vale-tudo para não morrer também vive nas lembranças de Fernando Anunciação, presidente do sindicato dos agentes. “Os presos pulavam dos alambrados. Teve um preso que chegou com os dois braços quebrados e uma perna quebrada. Veio se arrastando até chegar o socorro. Eles estavam fugindo da morte. Chegavam e deitavam na nossa frente. Teve uma hora que tinhas uns cem homens. Eles só pararam porque quiseram. Eu achava que os dois colegas lá dentro não iam sair vivos”, relata Anunciação, atual presidente da Fenaspen (Federação Sindical Nacional dos Servidores Penitenciários).

Presos atearam fogo durante rebelião. (Foto: Adriano Hany/ Arquivo)
Presos atearam fogo durante rebelião. (Foto: Adriano Hany/ Arquivo)
"Eu achava que os dois colegas lá dentro não iam sair vivos", recorda Anunciação. (Foto: Alcides Neto)
"Eu achava que os dois colegas lá dentro não iam sair vivos", recorda Anunciação. (Foto: Alcides Neto)
Franco Alan negociou por 24 horas durante rebelião. (Foto Alcides Neto)
Franco Alan negociou por 24 horas durante rebelião. (Foto Alcides Neto)

Rotas alteradas – Nenhum refém foi morto em Mato Grosso do Sul. Mas, especialmente para dois que estavam na Máxima, a vida nunca mais foi igual. Na Capital, o plantão tinha 17 agentes e três não conseguiram escapar.

“Dois estavam com a cabeça tapada com um panos, facas no pescoço. A gente só pedia que não matassem. Um foi levado para cima do telhado e ameaçaram jogá-lo de cima”, recorda Anunciação.

Os agentes eram agredidos e ameaçados de morte. “Dois de Campo Grande foram totalmente afetados, não podem nem ouvir falar daquela rebelião. Um tem paranoia, não consegue ter convivência em sociedade. Logo em seguida à rebelião, foi internado por 30 dias, mas fugiu. Depois, fez disparos no sindicato, foi preso. Um policial acabou atingindo ele”, afirma o dirigente sindical.

Reencontro – Separados por uma década, 2006 e 2016 se reencontram num cenário de turbulência que extravasa o complexo penitenciário. Neste ano, por ordem emanada da Máximas, ônibus foram incendiados em Campo Grande. A onda incendiária ganhou as ruas depois de uma operação pente-fino em que os presos reclamaram de excessos. Na ocasião, foram recolhidos celulares, entorpecentes e anotações do PCC.

A facção criminosa chegou a Mato Grosso do Sul no ano 2000, quando São Paulo transferiu as lideranças. De acordo com Anunciação, em seis meses o grupo de cinco presos já tinha seu exército local.

“Eles chegaram aqui e aplicaram a metodologia deles. Tinham dinheiro e foram batizando os soldados. Em questão de seis meses, eles montaram um exército do lado deles. Mas imagina, chega um grupo dizendo que vai dar alimentação diferenciada, vai pagar seu compromisso de droga. Mas, de agora em diante, você é o nosso soldado. Passaram a suprir a falha que o Estado sempre teve”, avalia.

A reportagem solicitou informações para a Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário) sobre a atual situação dos presídios, mas o diretor-presidente está de férias e retorna somente na próxima semana.

Com exceção das celas, presídio foi destruído. (Foto: Adriano Hany/Arquivo)
Com exceção das celas, presídio foi destruído. (Foto: Adriano Hany/Arquivo)

Confira a galeria de imagens:

  • (Foto: Minamar Júnior)
  • (Foto: Adriano Hany)
  • (Foto: Adriano Hany)
  • (Foto: Adriano Hany)
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