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Economia

Quilombolas transformam R$ 150 em R$ 3 mil de lucro após curso em Nioaque

Ana Paula descobriu no treinamento o impulso para empreender, fortalecer a comunidade e iniciar seu negócio

Por Inara Silva | 07/12/2025 08:18
Quilombolas transformam R$ 150 em R$ 3 mil de lucro após curso em Nioaque
 Ana Paula Marcondes participou do Empretec quilombola em Nioaque. (Foto: Aletheya Alves)

Aos 33 anos, Ana Paula Marcondes Basse Lima Azevedo nunca tinha se enxergado como empresária. Neta de um dos fundadores do Quilombo Cardoso, em Nioaque, cresceu cercada pela força da comunidade e pela tradição da avó, Zilá Marcondes, matriarca de 89 anos que ajudou a construir a história quilombola da região. Mesmo assim, Ana Paula carregava, desde cedo, um sentimento de inferioridade.

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Ana Paula Marcondes, quilombola de 33 anos de Nioaque (MS), transformou R$ 150 em R$ 3 mil após participar do Empretec, curso de empreendedorismo do Sebrae. Junto com três primas, ela montou um negócio improvisado vendendo cachorro-quente e açaí com caldas artesanais de frutas locais. A experiência bem-sucedida inspirou a criação da Açaíteria Marcondes, negócio que valorizará produtos orgânicos e técnicas tradicionais quilombolas. O curso, primeira formação empreendedora oferecida em território quilombola no Brasil, beneficiou participantes de quatro comunidades da região, onde vivem cerca de 350 famílias.

“Eu já sofri muito bullying nas palavras. Eu achava que não tinha capacidade. Já ouvi muito que eu não ia conseguir, que eu não tinha emprego, nem dinheiro, nem onde tirar recursos”, lembra.

Entre o crochê, a manicure, algumas demandas previdenciárias que atende em casa e o trabalho com redes sociais, Ana Paula vivia procurando “o lugar onde se encaixava”. O estalo veio quando recebeu o incentivo do marido para fazer o Empretec, metodologia desenvolvida pela ONU (Organização das Nações Unidas) e aplicada no Brasil pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), que pela primeira vez foi oferecida dentro do território quilombola no país.

“Eu não queria fazer; pensei em desistir. Tinha crise de ansiedade. Mas meu esposo falou: ‘Paula, você tem capacidade’. E eu fui”, conta.

A formação reuniu 20 participantes dos quilombos Araújo Ribeiro, Bulhões, Cardoso e Romano Martins da Conceição, em Nioaque, cidade que fica a 183 km de Campo Grande.

Virada de chave - A mudança apareceu rápido. Durante a semana do Empretec, Ana Paula e as primas, Valdinéia, Vanessa e Valquíria Marcondes, montaram um pequeno negócio improvisado. Elas venderam cachorro-quente e açaí, este com variações de calda de abacaxi e de jabuticaba, produzidas por elas com frutas do quintal. A equipe entrou com R$ 150 e terminou a semana do curso com lucro de R$ 3 mil.

“Foi inacreditável. Antes mesmo de montar a barraca na feira, a gente já estava vendendo de casa, porque fiz a divulgação nas redes sociais e minhas primas espalharam para os contatos delas também. O açaí foi um sucesso. A calda de abacaxi então… nem se fala”, comemora ao lembrar que a calda artesanal traz um diferencial, pois pode ser consumida também pelas pessoas que têm intolerância à lactose.

O resultado financeiro transformou-se em um símbolo para a persistência. “O Empretec muda a sua mentalidade e a sua visão de mundo. Desistir passa a ser a última opção, e a persistência vem em primeiro lugar”, comemora.

Quilombolas transformam R$ 150 em R$ 3 mil de lucro após curso em Nioaque
Ana Paula e as primas Valdinéia, Vanessa e Valquíria Marcondes com represesentantes do Sebrae e do poder público. (Foto Francisco de Deus)

Sonho - A partir da experiência, a equipe pensa em estruturar um negócio coletivo. O nome provável é Açaíteria Marcondes, inspirado no sobrenome da família. A ideia é transformar o que já fazem hoje de forma artesanal, geléias, caldas, açaí batido, pratos simples, numa empresa que valorize produtos orgânicos e técnicas tradicionais quilombolas.

“É tudo da raiz, sem corante, sem veneno, sem agrotóxico. É da natureza”, explica.

Planos futuros - A transformação pessoal proporcionada pelo Empretec fez Ana Paula olhar para os próprios dons e também para o que deseja devolver à comunidade. “Descobri que meu sonho era maior do que eu imaginava”, afirma. No ano que vem, ela pretende iniciar a faculdade de Direito. Quer atuar com previdência, defender mulheres, ajudar famílias quilombolas que não têm condições de pagar por apoio jurídico.

“Quero parceria com Sebrae, com empresas, para trazer melhoria para o nosso povo. Quero que a comunidade cresça.”

Ao fim da entrevista, Ana Paula afirmou que “antes, ao olhar para o pé de jabuticaba, eu via uma fruta. Hoje eu vejo valor. Vejo oportunidade. Se tiver cliente, faço a geleia, monto uma fábrica, vendo para o mercado. Hoje eu sei que posso.”

Nos quatro quilombos envolvidos na formação vivem cerca de 350 famílias. Para muitos, como Ana Paula, o Empretec foi a primeira experiência formal de conteúdo voltado ao empreendedorismo.

Olhar do especialista - Histórias como a de Ana Paula comovem o facilitador do Seminário Empretec Indígena e Quilombola, Francisco Batista de Almeida Júnior. Desde 2024, ele tem conduzido formações com indígenas e, pela primeira vez, orientou um grupo de quilombolas. Foi ele quem deu o capital inicial para as primas, que pensavam em desistir de participar também por falta de recursos. Com a doação de Francisco, as quatro decolaram e tiveram a melhor performance do Empretec Quilombola, alcançando o primeiro lugar.

Com 32 anos de experiência no Empretec, Francisco afirma que o maior desafio do trabalho com as comunidades tradicionais é adaptar a metodologia ao perfil dos alunos. Por isso, Francisco afirma que, além do treinamento, convive e até se hospeda na comunidade para compreender o que é comum na realidade local.

O programa visa promover uma mudança de comportamento para que alunos enxerguem oportunidade de geração de renda dentro da comunidade. E Francisco tem testemunhado muitas mudanças de mentalidade, como um dos depoimentos que recebeu de uma participante durante a semana em Nioaque. “Ela me disse ‘Final do mês é triste por causa de dinheiro, e você me mostrou que não vai ser mais triste’”, comemora.

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