TCU aponta falhas técnicas e trava concessão da Hidrovia do Rio Paraguai
Órgão cobra estudos concorrenciais atualizados e aponta dependência de acordo internacional ainda indefinido
O relator da concessão da Hidrovia do Rio Paraguai no Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Benjamin Zymler, decidiu manter o processo paralisado ao apontar falhas estruturais na modelagem do projeto. Entre os problemas elencados estão a ausência de documentação consolidada, indefinições relacionadas a um acordo internacional ainda em negociação e a falta de estudos concorrenciais que sustentem cláusulas restritivas previstas no edital.
RESUMO
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O Tribunal de Contas da União (TCU) manteve paralisada a concessão da Hidrovia do Rio Paraguai devido a falhas estruturais no projeto. O relator, ministro Benjamin Zymler, apontou ausência de documentação, pendências em acordo internacional e falta de estudos concorrenciais que justifiquem restrições no edital. A concessão depende de aprovação dos Parlamentos do Brasil, Paraguai e Bolívia. O trecho brasileiro de 600 quilômetros é estratégico para o escoamento da produção do Centro-Oeste e poderá se integrar à Rota Bioceânica. A expectativa é que o edital seja publicado no primeiro trimestre de 2026.
O entendimento do relator é de que a concessão depende juridicamente de um acordo internacional que precisa ser aprovado pelos Parlamentos do Paraguai, da Bolívia e do Brasil.
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No despacho emitido na quinta-feira (18), Zymler concluiu que o processo de concessão da hidrovia não pode avançar até que o Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) apresente a documentação completa e consolidada; que o acordo internacional seja aprovado pelos Legislativos dos países envolvidos; e que a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), responsável pelo edital, encaminhe estudos concorrenciais atualizados que “fundamentem a cláusula restritiva” prevista no certame.
A primeira documentação do governo enviada ao TCU sobre a concessão do empreendimento foi protocolada em 14 de agosto. No despacho, o ministro detalha o histórico de trocas de informações com o Ministério de Portos e Aeroportos, que foi requisitado a prestar esclarecimentos e apresentar dados adicionais para permitir o avanço da análise técnica.
Em novembro, durante interlocuções com a AudPortoFerrovia (Unidade de Auditoria Especializada em Infraestrutura Portuária), o próprio ministério reconheceu a necessidade de complementar informações e documentos considerados “imprescindíveis”, além de incluir novas análises nos estudos de viabilidade. Mesmo após os envios posteriores, a unidade técnica do TCU reafirmou que incertezas persistiam e lacunas que poderiam comprometer o conjunto de estudos que fundamenta a licitação, concluindo que o material permanece incompleto e interfere no prazo de análise do Tribunal. “As incertezas do acordo internacional e a necessidade de aprovação legislativa” geram “impacto direto nas premissas do projeto”, aponta o relatório divulgado nesta quinta-feira, 18, no penúltimo dia antes do recesso de fim de ano.
Minuta e tratativas do Itamaraty
O relatório do TCU informa que há uma minuta de acordo internacional em elaboração, com participação do Ministério das Relações Exteriores (MRE), que ainda precisa ser submetida à aprovação dos Parlamentos paraguaio e boliviano, além do Congresso Nacional brasileiro. “A unidade técnica aponta que essas definições podem levar à revisão de premissas dos Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) e demandar adequações na documentação, na matriz de riscos, na modelagem econômico-financeira e nos instrumentos convocatórios – justificando aguardar a consolidação desse marco”, registra o documento.
O Ministério de Portos e Aeroportos mantém as tratativas com os países que compartilham a bacia do Rio Paraguai. O objetivo é alinhar a operação com Paraguai e Bolívia, que reivindicam autorização para que o empreendimento avance também em seus territórios.
Em entrevista ao Campo Grande News, o ministro da carreira diplomática do MRE, João Carlos Parkinson – coordenador nacional dos Corredores Rodoviário e Ferroviário Bioceânicos –afirmou que as conversas diplomáticas com os governos do Paraguai e da Bolívia estão avançando.
Segundo Parkinson, esses países precisaram ser consultados por integrarem a Hidrovia do Rio Paraguai, uma vez que o Brasil pretende licitar apenas o trecho em seu território. O entendimento é de que o trâmite dessas consultas acabou atrasando o rito de análise do TCU, mas não representa impedimento ao interesse brasileiro de conceder a parte nacional do empreendimento.
“Foi isso que provocou atraso. Caso contrário, o edital já teria sido anunciado este ano. Mas essa consulta é necessária e importante”, afirmou.
A expectativa de Parkinson é que o edital da concessão seja publicado no primeiro trimestre de 2026.
De acordo com o diplomata, os governos vizinhos foram “surpreendidos” com a iniciativa brasileira, o que levou à abertura formal do processo de consulta em atendimento às normas internacionais.
“A concessão é apenas do trecho brasileiro. Se eles quiserem conceder o lado deles, têm total liberdade para isso. Mas, como se trata de uma hidrovia internacional, se o Brasil quer licitar, precisa consultar os demais países, que também são usuários”, explicou.
Estratégico para o escoamento da produção do Centro-Oeste, o trecho de aproximadamente 600 quilômetros em território brasileiro deverá conectar a região ao Oceano Atlântico quando o sistema estiver plenamente estruturado, ampliando a competitividade das exportações. O empreendimento também poderá se integrar, no futuro, à Rota Bioceânica, em direção ao Oceano Pacífico. O trecho compartilhado com o Paraguai corresponde a cerca de 300 quilômetros, enquanto o da Bolívia soma aproximadamente 50 quilômetros.
Descompasso entre MPor e Antaq
O TCU também identificou um descompasso entre o Ministério de Portos e Aeroportos e a Antaq na condução do edital da concessão. A nova minuta apresentada pelo governo trouxe mudanças relevantes – como a adoção do critério de julgamento por menor tarifa e a revisão da restrição à LHG Mining –, mas não contou com manifestação formal da Antaq, responsável legal pela elaboração do edital. Para a área técnica do Tribunal, essa ausência fragiliza a governança regulatória do projeto e justifica a suspensão da análise até que a agência se manifeste.
Além disso, a unidade técnica do TCU apontou a ausência de estudo concorrencial atualizado que dê suporte à cláusula 3.7 do edital, que restringe a participação da LHG Mining e de empresas relacionadas. Segundo o relatório, essa lacuna é importante porque restrições à concorrência são medidas excepcionais e só podem ser adotadas com base em análises técnicas robustas e atuais, entendimento alinhado à jurisprudência do Tribunal.
“Tal lacuna é tratada como relevante porque a própria instrução remete ao entendimento de que restrições concorrenciais são excepcionais e exigem base técnica robusta e atual. Conclui-se como essencial a presença de estudos que sustentem tecnicamente a cláusula restritiva”, destaca o documento, ao citar precedentes do TCU.
Para o Tribunal, cláusulas que limitam a concorrência somente são válidas quando amparadas por estudos técnicos consistentes e atualizados – o que, segundo a área técnica, não ocorreu no caso da concessão da Hidrovia do Rio Paraguai. Na ausência desse respaldo, a cláusula restritiva do edital fica juridicamente vulnerável.
“Restrições à concorrência são excepcionais e dependem de estudos técnicos robustos e atualizados, sob pena de fragilizar juridicamente o edital”, conclui o relatório.


